O prédio que simboliza a vida moderna lisboeta foi classificado
Por Isabel Salema in Público
Com 90 anos, Nuno Teotónio Pereira viu o Bloco das Águas Livres classificado ontem como monumento de interesse público. É uma obra de juventude feita com Costa Cabral e uma série de artistas
O realizador Pedro Costa captou o Bloco das Águas Livres numa cena urbana nocturna que podemos rever no filme O Sangue. É "o prédio perfeito" como cenário e está sempre a aparecer em spots publicitários, notou Catarina Portas numa crónica há uns anos no PÚBLICO. Desde ontem, o edifício lisboeta desenhado por Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu Costa Cabral em 1953 está protegido como monumento de interesse público, uma classificação nacional atribuída pela Secretaria de Estado da Cultura.
É o prédio perfeito porque simboliza a vida moderna, a vida quotidiana do nosso tempo - mesmo 50 anos depois. O arquitecto João Afonso, que co-comissariou em 2004 a primeira exposição retrospectiva dedicada a Teotónio Pereira, explica porque é que o Bloco das Águas Livres, inspirado na Unidade de Habitação do arquitecto franco-suíço Le Corbusier, tem este significado: "É uma casa já pensada para uma família reduzida, que já não tem empregada. A sala e a cozinha têm um uso moderno, um espaço unitário. Ali podemos reconhecer o paradigma onde vivemos: não temos ninguém que vá à cozinha por nós. A Unidade de Habitação é onde Le Corbusier formalizou o seu sonho de habitação para o homem moderno." A sua classificação, continua Afonso, protege um exemplar único da revisão do Movimento Moderno em Portugal, porque os dois arquitectos - que tiveram ainda a contribuição de Gonçalo Ribeiro Telles nos espaços verdes - já se preocuparam com a integração do edifício no quarteirão da cidade.
A portaria ontem publicada em Diário da República diz que o edifício é "uma obra ímpar no panorama da arquitectura habitacional portuguesa contemporânea" e "uma das realizações mais inovadoras de Nuno Teotónio Pereira". Fixa uma zona especial de protecção do monumento, que salvaguarda as vistas do edifício para o Tejo e a relação com o Aqueduto das Águas Livres.
O director-geral do Património, Elísio Summavielle, diz que "só há razões para estarmos contentes", porque "é um monumento importante da arquitectura moderna", feito por "um arquitecto consagrado e de referência como Nuno Teotónio Pereira". "Tem coisas muito interessantes do ponto de vista artístico, com património integrado de artistas plásticos relevantes do século XX. É um exemplo emblemático de um edifício de habitação e rendimento que se manteve íntegro todas estas décadas." O programa artístico para os espaços de uso colectivo junta Almada Negreiros, Manuel Cargaleiro, Jorge Vieira, José Escada e Frederico George.
Ontem, Teotónio Pereira, com 90 anos, estava "muito contente" com a classificação: "Foi uma obra feita quando éramos muito novos. Resultou muito bem. Tem muita coisa original." Dá como exemplos a concepção do espaço e a utilização de materiais "não muito comuns em Portugal". Nos anos 1950, os apartamentos em Lisboa, lembra, tinham uma divisão convencional: "Juntámos num único espaço a sala de visitas e a sala onde a família se reunia e chamámos-lhe "sala de estar". É um espaço maior." O arquitecto salienta ainda o trabalho feito em redor das varandas, "que são um prolongamento da sala de estar, com uma vista lindíssima sobre Lisboa e sobre o Tejo". Em Lisboa, as varandas "eram qualquer coisa fora de casa, muito estreitas, onde não se podia estar sentado numa cadeira".
O escultor José Pedro Croft, que mora no Bloco das Águas Livres, acha a classificação "justíssima e maravilhosa" e diz que essa relação entre o exterior e o interior trabalhada pelos arquitectos fá-lo sentir que nunca está num espaço fechado: "Em qualquer sítio onde se está há grandes planos de vidro abertos para o exterior, que mostra uma grande sabedoria dos arquitectos. Há várias possibilidades de fuga."
O artista, que quando foi para lá viver se preocupou em recuperar a casa de acordo com os desenhos originais, destaca também o uso da paleta de cores. "O hall da entrada e o corredor estavam pintados de amarelo. Parece chocante mas funciona muito bem. O carmim dentro da sala, o verde escuro da varanda e o plano azul do céu, essas três cores juntas também funcionam muito bem." Croft destaca ainda o uso da pastilha de vidro na cozinha e a forma como alguns materiais se contaminam, como o linóleo e o soalho de madeira.
Esta é a terceira vez que uma obra de Nuno Teotónio Pereira é classificada. Segundo Maria Resende, do gabinete de comunicação da Direcção-Geral do Património, está protegida como monumento nacional a Igreja do Sagrado Coração de Jesus e como interesse público o Edifício Franjinhas, ambos em Lisboa. A Igreja de Águas, em Penamacor, e a Moradia Barata dos Santos, em Vila Viçosa, cujo processo de protecção chegou a ser iniciado na altura da exposição retrospectiva em 2004, não viram a classificação avançar. "O facto de estarem a classificar um bloco de habitação é muito importante, porque é um registo da nossa sociedade. Temos tendência a olhar só para palácios e igrejas", comenta o arquitecto João Afonso.
Nuno Teotónio Pereira lembrou ontem que o Bloco das Águas Livres não teve direito ao Prémio Valmor porque usava materiais que não estavam ainda homologados pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Numa entrevista em 2004, no PÚBLICO, explicou a génese do projecto: "Um dos factores favoráveis foi não haver limites orçamentais: áreas desafogadas, recurso a artistas plásticos, bons materiais. Mas tínhamos várias preocupações enfiadas na cabeça. Por um lado, essa da vida quotidiana das pessoas, ter uma área de estar bastante grande e prolongada na varanda. Também a questão de facilitar o serviço da casa: tirar partido de ser um conjunto de apartamentos, de conjuntos de famílias, para fazer o máximo de serviços comuns." Uma unidade de habitação do Corbusier? - perguntámos. "O princípio de uma unidade de habitação, mas para a classe média-alta. Estávamos preocupados em criar um espaço que funcionasse bem para a vida moderna."
Uma excelente notícia....!
ResponderEliminarSerá bom não esquecer que existem muitos bons exemplos do Movimento Moderno por toda Lisboa, que entretanto vão sendo falsificados a torto e a direito.
Muito bom a classificação aparecer com o arquitecto ainda em vida.
ResponderEliminarPermito-me discordar desta classificação.
1º A arquitectura deste edifício é bastante vulgar em termos internacionais, absolutamente nada de especial, e TARDIO no que respeitas aos anos em que foi construído, uma repetição do chamado modernismo padrão internacional, como é todo o bairro dos Olivais. Os artistas que intervieram dão uma certa fachada de modernidade, mas muito abaixo de um Hotel Ritz, ou dos realmente Grandes Cristino da Silva, Cassiano Branco e Pardal Monteiro. Por ser de Teotónio Pereira, que aliás sempre DETURPOU a história da arquitectura no sec XX, dizendo-se por exemplo "perseguido" quando ele e amigos tiveram carta branca para a urbanização e edifícis dos Olivais, chapados de revistas e de péssima fiuncionalidade urbana, aliás o autor até era de família salazarista ferrenha ...
2º Está completamente desenquadrado da colina e malha histórica onde se insere, constituindo uma agressão visual e estética ao Edifício da Mãe de Água e Lg do Rato. Até julgo mais : a seu tempo devia ser DEMOLIDO (agora é mais difícil). Tal como o Mono do Rato seria mau, este sempre foi MAU , e ainda mais junto ao Aqueduto, que devia ser Património Mundial.
Lamentável, esta classificação, para agradar a certa esquerda de arquitectos caviar, de sonantes nomes e "boas famílias" e que paradoxalmente sempre desprezaram o povo, nas habitações que concebiam ...
De Teotonio Pereira também não sei dizer bem.
ResponderEliminarCumpts.