Habitação
Dividir casa é uma resposta à crise mas também de uma opção de vida
Por Maria João Lopes in Público
Andreia Santos, jurista de 35 anos, gostava de viver sozinha. Porém, apesar dos múltiplos trabalhos que acumula, não consegue pagar um T1 e opta por dividir casa. Não é a única. São vários os adultos trabalhadores, de 30 ou mais anos, que, com a crise, optam por partilhar apartamento com outras pessoas.
O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Luís Lima, diz que a crise está não só a levar adultos solteiros a partilhar casa, mas também famílias. Há ainda, afirma, cada vez mais casais jovens que permanecem em casa dos pais e pessoas que optam por subarrendar quartos "informalmente" em casa própria.
Andreia Santos trabalha como jurista, mas não só. Dá formações, faz traduções, põe música em bares, faz part-time em sapatarias, cafés. Mas os "recibos verdes" não chegam para pagar sozinha uma casa em Lisboa e, por isso, divide-a com uma arquitecta.
Miguel Viterbo, guionista, de 50 anos, acabou de mudar de casa e, enquanto não arranja alguém com quem a dividir, vai arrendando um quarto a turistas. Maria, professora, de 37 anos, comprou um apartamento, mas a ideia foi, desde logo, arranjar mais três pessoas para o coabitarem.
Embora alguns prefiram viver com outras pessoas, em comum todos estes adultos têm o facto de, actualmente, não disporem de rendimentos que lhes permitam pagar uma casa sozinhos. "É algo que está a aumentar em Portugal, devido à crise. Lá fora, adultos a dividirem casa era algo que já acontecia, mas aqui, em Portugal, não", diz Luís Lima, que começou a aperceber-se de várias mudanças originadas pela crise no segundo semestre de 2011. Volta e meia, recebia queixas de proprietários que pensavam que tinham arrendado a casa apenas a uma família, mas depois verificavam que estavam lá duas. Os proprietários acabaram por aceitar a situação, porque perceberam que era uma forma de evitar incumprimentos no pagamento da renda.
A partilha de casa, na idade adulta e fora de contextos universitários, é algo que acontece sobretudo em Lisboa e no Porto, segundo Luís Lima. Nestas cidades, de acordo com um inquérito feito em 2011 pela APEMIP, o que as pessoas poderiam pagar por um T1 rondaria os 300 euros mensais: "É raro aparecer um T1 com condições mínimas a este preço", diz Lima, frisando que, de acordo com o mesmo inquérito, 50% das pessoas que arrendaram casa consideravam que estavam a pagar rendas acima das suas possibilidades.
Andreia Santos já pensou várias vezes em viver sozinha, mas desiste sempre da ideia: "Nunca se arranja casa abaixo de 350 euros, e depois ainda há as contas. São raros os apartamentos a 300 ou 400 euros. Com contas, paga-se pelo menos 450. Hoje em dia não era possível, era incomportável", diz, explicando que, quando foi bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, chegou a conseguir morar sozinha.
Actualmente, e depois de inúmeros estágios não-remunerados, está a fazer o doutoramento em Direito. Por todos os trabalhos que mantém em paralelo recebe entre 500 e 800 euros mensais. "Há meses em que tenho dinheiro para pagar a renda, as contas e mais nada. Tenho de ter um fundo de maneio, até porque nem todos os meses recebo". A casa que divide custa 560 euros. Contas incluídas, dá cerca de 320 euros a cada uma.
Site para dividir casa
Já Maria, professora do ensino básico, prefere viver com outras pessoas. Embora admita que actualmente dividir casa é "uma necessidade", aprecia a vivência em comunidade. "A minha vida seria imensamente mais pobre sem esta partilha de casa". Na sala, há uma parede cheia de fotografias das pessoas que foram passando pelo apartamento que Maria comprou há sete anos. No frigorífico, um papel no qual se lê: "Dividir é multiplicar. Se dermos mais, recebemos mais."
Ali, reparte-se casa, despesas e tarefas. "É mesmo um espaço comunitário. Cada um cozinha uma vez por semana. Temos uma pessoa que faz a limpeza, temos Internet, TV por cabo. Temos tudo isto porque dividimos tudo. Permite-nos ter uma qualidade de vida melhor".
Antes de comprar casa, Maria vivia com outras pessoas. Foram esses amigos que se mudaram com ela, quando comprou apartamento em Lisboa. "Inicialmente não queria viver sozinha, hoje é mesmo uma necessidade. Se morasse sozinha, viveria apertadíssima para pagar as contas", diz, frisando que já houve tempos em que, com o que conseguia poupar, ia amortizando o empréstimo ou fazendo obras no apartamento. "Hoje em dia já não consigo juntar dinheiro".
Vivem quatro pessoas lá em casa. Uma é gestora, outra trabalha na Universidade Nova de Lisboa, só um é que ainda é estudante do programa Erasmus. Maria nota um certo "preconceito" em relação à partilha de casa. "Ainda existe um pouco aquela ideia de que, a partir de certa idade, o certo é viver sozinho. Há a ideia de que o adequado é, depois do curso, arranjar um trabalho, ir viver sozinho ou com o namorado, ter casa própria, filhos". Foi por esta razão que Maria não deu o nome completo. Como é professora, não quis expor a sua opção perante pais e colegas.
"Suportar uma renda sozinho é muito complicado. Não entendo as pessoas que dizem estar sempre com a corda ao pescoço e, depois, vivem sozinhas com rendas de 500, 600 euros. Conheço pessoas que pagam 900 de renda, que é quase o ordenado delas. Os pais têm de ajudar, mas, mesmo assim, preferem viver sozinhas a partilhar casa. Dizem-me: "Eu? Com 30 e tal anos a dividir casa? Nem pensar!"".
Miguel Viterbo acredita que essa forma de pensar está a mudar. Também o guionista freelancer e formador de escrita admite que, apesar de gostar de partilhar casa, actualmente não lhe convinha "absolutamente nada" viver sozinho, porque o trabalho na sua área tem diminuído. "É difícil viver sozinho em Lisboa num T1 numa zona relativamente central da cidade por menos de 550 euros, e só renda! Quanto mais assoalhadas tiver, mais caro é, mas não é proporcional. Já se arranja um T2 por 650 euros, o que, a dividir por dois, é muito menos. E um T3 por 800 euros, o que, a dividir por três, ainda é mais barato. É possível poupar 200 a 300 euros por mês repartindo casa".
Quando estava à procura de alguém para dividir o apartamento, criou o blogue http://coinq.blogspot.pt, onde colocou indicações sobre quanto se pode poupar, e ainda sobre as suas próprias práticas e sobre as características da pessoa que poderia sentir-se bem dividindo casa com ele. A partir do blogue desenvolveu a ideia de criar um site dedicado a quem procura alguém para dividir casa. E foi esta ideia que apresentou, em conjunto com um informático e um marketeer, em Braga, no Startup Weekend, um evento que pretende apoiar o desenvolvimento de novos projectos. A ideia foi premiada na iniciativa: "Funcionaria como um site de dating [encontros], com a mesma lógica de match [correspondência], mas com pessoas que querem partilhar casa", explica.
O domínio já existe - sharahome -, o próximo passo é realizar um estudo de viabilidade financeira a nível internacional para tentar vender a ideia ou, pelo menos, pô-la em prática. Antes de a apresentar em Braga, Viterbo fez um pequeno inquérito a algumas pessoas. "Perguntei se viveriam com alguém e 70% disseram que eventualmente estariam interessadas em partilhar casa. Este inquérito não tem validade estatística, mas é um indicador de que qualquer coisa se está a passar. O júri também achou que era um mercado emergente".
Amandine Goupy, de 28 anos, viveu e estudou em França, mas agora está a trabalhar na Universidade Nova de Lisboa, no acolhimento dos estudantes chineses. Trabalha "a recibos verdes" e recebe, líquidos, 950 euros. A maior diferença que nota em relação ao grupo de amigos franceses é que, em Portugal, se sai mais tarde de casa dos pais.
Em Lisboa, chegou a viver sozinha: pagava 400 euros por um T1 em Benfica; com contas, chegava aos 460. Agora partilha casa com mais três pessoas e paga 270, com tudo incluído. Com o que poupou, comprou um carro. Não tem dúvidas. "Viver em conjunto é mais em conta".
Sempre houve casas partilhadas, qual desde 2011. Este pessoal para inventar não há melhor!
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