In Público (23/3/2013)
Tribuna: Dia dos Centros Históricos
Hoje, dia 23, Dia Nacional dos Centros Históricos, que se reflicta sobre o de Lisboa. Não já sobre a Baixa ou os “bairros históricos” do Castelo, Sé, Alfama, Mouraria; Bairro Alto, Bica e Madragoa, mas sobre o “actual” (e já o é há 50 anos). Sobre isso o novel PDM desfez as dúvidas, considerando “histórica” praticamente toda a cidade, pelo que chamamos à colação Alvalade e Areeiro, Actores e Andrade, Colónias e Açores, Estefânia e Camões, Barata Salgueiro e Maria Amália, Azul e Restelo, testemunhos de época, “dínamos” sócio-económico-funcionais da “nova” Urbe, a do trabalho, habitação, comércio, serviços, equipamentos, limpeza, mobilidade, espaço público, lazer e segurança. As notícias não são boas:
Lisboa é uma cidade segura. Lixo, sempre houve (quanta responsabilidade ao lisboeta?). Mas há cada vez menos afectos na cidade: sai-se de casa de manhã para só se voltar à noite; carro na garagem, e de lá sair apenas no outro dia. Ao fi m-de-semana, escapa-se “à terra’”, ao shopping mais perto (estacionamento grátis), ao “passeio dos tristes”. Notamos, muito tempo depois de tal ocorrer, que a mercearia X fechou e o café Y virou banco. Os nossos espaços afectivos, em torno dos quais se constrói a identidade e o sentimento de pertença à cidade (que tanta falta nos fazem em tempo de crise), desaparecem todos os dias.
Salvo raras excepções, os mercados municipais, barómetros da saúde de qualquer cidade, fecham por falta de fregueses, já não se vai a pé às compras. Sucumbe-se ao hipermercado. O “urbanismo comercial” está por cumprir (vide Baixa). Para irmos ao cinema somos “obrigados” a entrar num centro comercial. Os milhares de prédios abandonados ou em mau estado são um constante soco no estômago. A capital não consegue estancar a perda de habitantes.
Paradoxo: o Terreiro do Paço ficou sem carros, usufrui-se mais da frente-rio, há jardins reabilitados, mais esplanadas, ciclovias (inimagináveis há 20 anos), mais trânsito condicionado. O que falta então? Pessoas!
Lisboa consta dos top, mas um olhar atento para lá do “postal” e do low cost não engana:
Ao edificado, património valioso da cidade e das gerações futuras, já nem a classificação é suficiente como protecção. Há 20-30 anos que se assiste a um acentuar da destruição da arquitectura da cidade e da homogeneidade estética e cultural dos bairros, cuja mais-valia reside em serem distintos uns dos outros. Os prédios antigos esboroam-se, as árvores de grande porte são abatidas, o “mobiliário urbano” também. Abundam os graffiti. A cidade é uma mera “praça de negócios”. Sobrevive a fachada, quantas vezes falseada. O subúrbio já se começou a transferir para o centro de Lisboa. Desinteressados/inexperientes em reabilitação/restauro compram imóveis com a “ambição” de lhes demolir o miolo e o logradouro, da mais-valia rápida pela segmentação de tipologias e ampliação em 2-3 pisos. A CML agradece as taxas. As ruas são dos carros. Faltam jardineiros e calceteiros. Falta outra política de mobilidade: o modelo (ingénuo) do silo automóvel, do parque subterrâneo esgotou-se (quantos mais mercados a abater, praças, largos e jardins?). Será isto uma ideia sustentável para se repovoar Lisboa?
Frentes inteiras de quarteirão com prédios devolutos a ameaçar ruir, muitos de um inventário municipal que nem se dá ao respeito. Nos bairros históricos (supostamente imunes porque legalmente protegidos), destrói-se património à vista de todos (ex. Palácio do Contador-Mor, no Castelo, primeira demolição integral de interiores, seguida de reconstrução em betão!). Sanções? Não há. Nem obrigações. Mas há direitos: do arquitecto de “prestígio e da moda”, da “modernização” que arrasa estuques e frescos, madeiras exóticas, ferragens, cantarias, azulejos; uma herança irrepetível partida ao camartelo. Começou-se pelo desprezado património oitocentista, a cidade dos “gaioleiros”, mas já se entrou pelo Modernismo. Em breve nem a corporação lhe valerá.
Há que agir: procurar novos parceiros na reabilitação urbana, outras atractividades. As incubadoras de empresas devem visar os bairros históricos. A CML que ajude os munícipes a gerir o quotidiano. Os arquitectos da CML que os apoiem na reabilitação sem destruição. A CML deve ter bancos de materiais para recuperação, etc.
Será que viver num bairro de Lisboa significa apenas ter onde dormir? Onde está a identidade? As referências? O Bairro? Como será daqui por 30 anos o “centro histórico’” de Lisboa? Apenas subúrbio? Que turismo? Que tecido económico? É essa a Lisboa que queremos?
Pelo Fórum Cidadania Lx:
Paulo Ferrero, Fernando Jorge, Cristiana Rodrigues, Pedro Fonseca, João Oliveira Leonardo, Jorge Pinto, Luís Marques da Silva, Virgílio Marques, Júlio Amorim, Paulo Guilherme Figueiredo, João Mineiro e Nuno Caiado
Bem...
ResponderEliminarO caso do Palácio do Contador-Mor é deveras chocante, desconhecia tal barbaridade...
Mais uma do BES, a seguir ao pombalino da Ivens e outros tantos.
Mas o que não se percebe é como é que este grupo que possui uma fundação considerada como uma instituição de utilidade pública,a FRESS, tutelada pelo Ministério da Cultura, que forma e promove cidadãos em relação à preservação do património histórico e artístico, através de escolas como o instituto de artes e ofícios e a escola superior de artes decorativas por outro lado cometa tais barbaridades ao nosso património.
É deveras de uma hipocrisia tremenda.
É realmente o Bes um dos cancros da nossa sociedade, fingindo ser um dos seus "motores".
ResponderEliminarMas a culpa é dos "técnicos" sobretudo Arquitectos que se baba por agradar ao Vereador ou ao Bes ou seja lá quem estiver a mandar e quer é dar nas vistas, receber percentagens e ser polémico se possível acha que isso é que é ser artista. Acho que essa classe se está a tornar num conjunto de idiotas sem ética, sem principios, sem bom senso. Uma vergonha. Existem de certeza óptimos Arquitectos e até bem formados, mas não são esses que apanham os processos, pois esses não pactuam com as aldrabices.
Reparei que é mencionado o facto dos mercados terem cada vez menos pessoas, em parte isto é verdade, mas também a CML tem feito tudo para fingir que os promove mas no fundo está a encapotadamente a tudo fazer para que venham a parar nas mãos dos amigos (privados). A gestão primária e retrógada e obras mal feitas e que deveriam ser auditadas não abonam a favor dos mesmos. Basta ver as recentes notícias do Mercado do Rato em que deliberadamente durante anos se especulou com o terreno e fechou o seu parque ao próprio comércio do Mercado.
ResponderEliminarTudo dito!
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