21/03/2013

Os erros do passado e os problemas do presente


In Público (21/3/2013)
Por Vítor Cóias

«No “Compromisso” recentemente assinado entre a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e os dois ministérios com a tutela da construção e do ordenamento do território, os atuais problemas do setor da construção e do imobiliário são atribuídos, erradamente, a uma “recessão profunda e prolongada” iniciada em 2001. Na realidade, a queda acentuada do PIB nacional só se iniciou em 2008 e só a partir daí o país se pode considerar em recessão. O que aconteceu no setor da construção e do imobiliário a partir de 2001 foi o rápido esvaziamento duma bolha alimentada pela ganância de demasiados empreiteiros e promotores. Entre 1991 e 2011, foram construídos mais de 80.000 alojamentos por ano, o que corresponde a construir uma cidade maior do que Coimbra, todos os anos, durante 20 anos. Segundo os Censos 2011, o crescimento dos alojamentos relativamente aos Censos 2001 foi de 16,3%, enquanto o número de famílias aumentou de 11,6% e a população de apenas 1,9%. Portugal tem, hoje, perto de 1.800.000 alojamentos sem ocupação permanente, que consumiram cerca de 200 mil milhões de euros.

No que concerne as infraestruturas, houve, também grandes exageros. Por exemplo, em autoestradas, Portugal está hoje bem acima da média da União Europeia, quer em km por milhar de habitantes (17 contra 13), quer em km por milhar de km2 de superfície (20 contra 17). Nove das vinte e cinco autoestradas do país, no valor de 2,1 mil milhões de euros, são excedentárias, não se justificando face ao tráfego que as utiliza.

Assistiu-se, ao mesmo tempo, a uma proliferação de resorts turísticos. A oferta estimada destes empreendimentos em Portugal é da ordem dos 500 km2, o que equivale a cerca de seis vezes a área do concelho de Lisboa. Entre 1990 e 2000, Portugal registou o desenvolvimento mais rápido do “muro mediterrânico” (o domínio da orla costeira da Europa, pelo cimento e pelo betão). Com um aumento de 34% em dez anos, Portugal colocou-se, neste domínio, à frente da Irlanda e da Espanha. Os volumes de negócio a que a construção e o imobiliário se habituaram eram totalmente insustentáveis. Esta é que é a verdadeira causa da atual crise do setor.

No “Compromisso” afirma-se, também, que a crise iniciada em 2001 foi agravada pela “redução do investimento” e pela “dificuldade de acesso ao crédito”. Nova confusão entre causa e efeito. O que realmente aconteceu, em resultado de estímulos errados das administrações local, regional e central e do oportunismo de muitos dos agentes do sistema fi nanceiro, foi a apropriação, pela construção e o imobiliário, de um volume exagerado de investimento. Um dirigente associativo do setor gabava-se, já em 2009, de que, do total dos empréstimos concedidos pelo setor bancário em 2008, 78% tinham sido direcionados para o cluster da construção. A construção e a urbanização em excesso ajudaram a “secar” os recursos financeiros da economia e a capacidade de endividamento do Estado, das empresas e das famílias.

Os grandes ajustamentos entretanto verificados eram previsíveis — e, até, desejáveis — face aos excessos da urbanização e da construção em Portugal nas duas últimas décadas. O que se está a verificar agora é o resultado desses excessos e da sua correção tardia, que obrigaram a uma “aterragem dura”, envolvendo cortes orçamentais profundos e muito penosos para o setor da construção e para a generalidade da economia.
Presidente do GECoRPA, Grémio do Património (www.gecorpa.pt)»

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