15/06/2013

NOVO HOTEL LEVA A DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO DE CASSIANO BRANCO


In O Corvo (14/6/2013)
Texto e fotografia: Samuel Alemão

«Prédio de habitação desenhado pelo arquitecto modernista, no número 233 da Avenida Almirante Reis, já tem parte da fachada principal destruída. Isto apesar de, na primeira proposta de alteração do edifício aprovada pela câmara, em 2009, se referir a sua manutenção integral.

Há muito que se esperava uma intervenção no edifício da Avenida Almirante Reis, nº233, na esquina com a Praça João do Rio, junto ao Areeiro. O prédio de habitação desenhado pelo arquitecto modernista Cassiano Branco vira partir, há já alguns anos, os últimos inquilinos e aguardava, com as suas portas e janelas emparedadas e a fachada repleta de graffiti, a transformação num hotel. Poucos suspeitariam é que tal operação envolvesse a sua demolição – até porque está classificado no Inventório Municipal de Património com o número 43.14, no âmbito do Plano Director Muncipal. É isso, porém, que está a acontecer, desde final do Maio. Neste momento, apenas resta parte da fachada, desconhecendo-se se a total destruição da estrutura original será o desfecho de uma obra com um percurso tortuoso.

Há sete anos, pelo menos, que se sabe das intenções da empresa Hotel do Aeroporto, Actividades Hoteleiras SA em abrir uma unidade hoteleira naquele edifício. Numa reportagem do “Diário de Notícias”, de 6 de Agosto de 2006, dava-se conta do projecto do Lisbon Hotel, com quatro estrelas e a abrir no ano seguinte. Teria 94 quartos e duas garagens e, segundo declarou ao mesmo jornal um responsável da empresa promotora, seria uma obra feita com a intenção de “alterar a imagem desta zona”. “Ao termos uma maior circulação de turistas e de pessoas que irão ao hotel para jantar ou para beber um copo, iremos trazer mais movimento a uma zona adormecida.”, dizia.

A imagem da zona já está alterada, de facto. O alvará das obras só foi emitido a 24 de Abril deste ano e refere a autorização (com o número 27/OD/2013) para realizar trabalhos de “alteração com demolição”. No mesmo aviso público refere-se que os trabalhos foram aprovados por despacho do vereador, e actual vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Manuel Salgado, em 16 de Julho de 2010. O edifício terá uma cércea (dimensão vertical de uma construção) de 22,4 metros, seis andares e três pisos subterrâneos e uma área total de construção de 4.663 metros quadrados, ainda segundo o mesmo anúncio – afixado sobre uma tela cobrindo os andaimes, atrás dos quais se procede à operação de demolição.

A demolição da fachada não era, contudo, o que constava do processo de arquitectura com o número 1656/EDI/2006, aprovado pelo executivo municipal, sem votos contra, a 22 de Janeiro de 2009 – disponível na internet. A proposta, subscrita por Manuel Salgado, então como agora com o pelouro do Urbanismo, dizia no seu ponto quatro que se pretendia “adaptar um edifício de habitação tendo em vista a instalação de um empreendimento turístico – hotel, consistindo as obras de alteração na manutenção das fachadas principais, demolição integral do interior, execução de três caves e alteração da cobertura com um piso em mansarda”. Ou seja, referia-se explicitamente a “manutenção das fachadas principais”.

Algo terá mudado, entretanto. E não foi pela primeira vez. Este mesmo processo, que foi a reunião de câmara como a proposta número 87/2009, partiu de um pedido de licenciamento de obras de alteração do edifício feito à CML, pela Hotel do Aeroporto, Actividades Hoteleiras SA, a 19 de Setembro de 2006. Ou seja, pouco mais de um mês após a entrevista ao “Diário de Notícias”, em que se falava do projecto. Mas o mesmo promotor apresentara, a 11 de Abril desse ano, um pedido de demolição do prédio, ao qual a autarquia atribuiu o número de processo 613/EDI/2006. Um percurso burocrático atribulado para um desfecho que parece corresponder, afinal, às intenções iniciais dos promotores da obra: demolir o prédio de Cassiano Branco. Embora se desconheça se alguma parte da fachada sobreviverá.»

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Fazemos o que podemos: queixa. Resultado? Zero, claro. Mas, também, quem se interessa por isto? Meia dúzia de líricos... Não fossemos meia dúzia e não seria assim, claro.


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Segundo artigo de hoje do Público (disponível aqui), o Vereador Manuel Salgado mandou embargar as obras, uma vez que as mesmas não respeitam o projecto aprovado pela CML, que obrigava à manutenção da fachada. Veremos como isto acaba... e lembramos que caso idêntico poderá estar já a passar-se na Duque de Loulé/Santa Marta.


TEXTO EDITADO

13 comentários:

  1. Como interessado na protecção do património, o que posso fazer para colaborar convosco?

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  2. Descaracterização de uma praça e zona da cidade sem necessidade nenhuma de se fazer isso, enfim, não sei em quem votar nas próximas eleições mas nos mesmo não voto, são uma cambada de criminosos.

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  3. Caríssimos,
    Deixem-me que vos diga, em primeiro lugar, como fico estupefacto pela vossa indignação se manifestar só agora, quando finalmente alguém tem interesse, coragem e capacidade financeira para substituir um prédio há muito devoluto por um outro que terá certamente mais e melhor frequência à zona em questão.
    É caso para perguntar se quando ele se encontrava simplesmente devoluto há muito, como referem na noticia, não vos incomodava incomodo? Será preferível que assim continuasse? Ou V.Exas. tinham outro projecto que aproveitasse a anterior fachada?
    Por fim, e não sendo eu expert em Cassiano Branco, questiono-vos ainda se todos os imóveis projectados por Ilustres arquitectos portugueses devem ser conservados ad eternum...o que não digo fosse o caso...estou a pensar em alguns "mamarrachos" taverianos.. Porque nao questionam as obras deste Sr. Arquitecto?
    Cumprimentos.

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  4. Algo aconteceu...

    http://www.publico.pt/local-lisboa/jornal/predio-de-cassiano-branco-demolido-em-violacao-do-projecto-aprovado-26691059

    (outro Miguel)

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  5. mais grave do que demolir o edifício quando não havia autorização para tal é a crença de que uma vez o mal feito a CML é impotente para fazer pagar as consequências. veja-se o que aconteceu com aquele edifício da universidade privada no Campo Grande. será que a CML ordenou a demolição do mesmo?

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  6. Já agora aproveito para demonstrar a minha compreensão total quando diz se não provocava incomodo quando o mesmo se encontrava devoluto e por reabilitar, embora felizmente não partilhe da mesma opinião quando questiona se existem propostas para a preservação da fachada, pois eu apresentava com todo o interesse e empenho pois é certamente possivel dar resposta ao novo programa pretendido para o local. Pior ainda quando fala em interesse, coragem e capacidade financeira esquecendo se de referir também conhecimentos.

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  7. Espero sinceramente que a CML obrigue os proprietários a restituir o edificio ao desenho original.

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  8. Caro Tiago,

    só chegou a este espaço agora, não é? Caso tivesse pesquisado sobre o que aqui se comenta, propõe, critica e se louva ter-se-ia poupado a escrever um comentário.
    O fato de estar devoluto e a apodrecer foi denunciado neste espaço. Procure.
    O que a mim me faz espécie é que, como você muitos já o tentaram associar-nos a um grupo de saudosistas que querem manter as coisas como estão. Precisamente o contrário. O que defendemos é uma intervenção especializada e qualificada de forma a se recuperar e manter património histórico e cultural. Assim, cortinas de fumo como as que pretende largar sobre nós só mostram a sua ignorância ou má-fé.
    Por outro lado aqui ninguém tem que ter projetos para nenhum edifício específico mas temos o direito de exigir o respeito pelo património material e imaterial desta cidade e país.
    Quanto ao Arq. Taveira de novo recomendo que procure neste blog aquilo que se tem escrito.

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  9. A CML (assim como muitas entidades em Portugal) são tigres sem dentes.

    Já agora "alteração com demolição"....o que é fica para alterar depois de tudo demolido?

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  10. neste caso a CML não teve culpa. A CML não autorizou a demolição. E quando souberam do sucedido mandaram parar imediatamente.

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  11. Hoje, 17/6/2013 às 14h30 prosseguia a demolição. O embargo da obra foi mera «formalidade» de noticiário...

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