Passei pela Av. Elias Garcia, ontem de manhã. Ia consumido por um sentimento de contrariedade porque previa que tinha de enfrentar horas infindáveis de espera no IMTT - o que se confirmou, e tenho um livro quase lido na totalidade para o provar - quando o mau humor se transformou em desalento, em tristeza profunda ao ver mais um notável exemplar de Arte Nova nacional a ser sacrificado ao camartelo.
Bem sei que a fachada a tardoz havia ruido, não faz muito tempo, levando à interdição da artéria (e nesta avenida já vão dois casos semelhantes).
Nem vale a pena entrar na análise dos fatores que levam a que importantes e valorizadas avenidas tenham um número enorme de edificado devoluto, arruinado, à espera que os elementos lhes façam aquilo que não é "normalmente" permitido fazer descaradamente: a demolição. No caso que vos trago aqui, os elementos naturais mais uma vez aliaram-se aos interesses imorais dos proprietários e chegou, agora, o "momento da colheita".
À porta do IMTT acumulavam-se utentes que vinham apanhar um pouco de ar e ficavam, absortos, a testemunhar o labor dos carrascos, num misto de "como é possível deitar algo como isto abaixo" e "onde é que vou almoçar" já que para um número considerável de concidadãos, património é um preciosismo de alguns líricos. E esta passividade face a crimes patrimoniais tem como efeito multiplicador a continuação dos crimes. Como é possível que a população em geral não se indigne com casos destes; não perceba que ficamos todos mais pobres quando se eliminam edifícios como este? Quando é que a maioria vai acordar, perceber que por este caminho, um país pobre vai tornar-se ainda mais pobre?
Há que quebrar este desígnio histórico nacional que nos leva, invariavelmente à destituição: não pensar no futuro, não investir no amanhã, tirar o máximo hoje. O que se está, aqui, a fazer e é habitual em nós é exatamente isso: tirar o maior proveito imediato das coisas, sacrificando-se o que quer que obstaculize o caminho para o lucro rápido e fácil. Valores como património, memória, história não são caros a este país, por mais que as pessoas se convençam do contrário. Neste campo somos um país do faz-de-conta. Aqui fazemos de conta que temos cultura, que somos civilizados.
As entidades de proteção da memória e história, que deviam ter intervido aqui sem qualquer tipo de contemplações, estão extremamente politizadas e são totalmente pressionáveis. Não servem! Não servem o propósito para que foram criadas, são meros contribuidores para o propalado défice.
Nestas eleições não se dirijam às urnas para castigar governos ou partidos, dirijam-se às urnas para castigar executivos camarários que mereçam ser afastados por incompetência e má figura, e eleger aqueles que melhor vão decidir no interesse de todos, contra interesses egoístas e mesquinhos, contra interesses corporativos e entropias naturais e seculares destes, contra interesses económicos daqueles que não querem fazer cidade, mas antes drená-la.
Quando voltei, à tardinha, para recolher as fotografias que vêem, estava um casal parado a olhar para o edifício, e comentava privadamente que não poderiam deitar aquilo abaixo porque era demasiado bonito. Interpelei-os, irritado, que sim, é para demolir.
Estamos mais pobres, continuamos pobres e não queremos ser alguém.
Sinais da demolição já começada. As laterais deste edifício simulavam torreões encimados por pináculos com janela em óculo. |
Curiosa a introdução de colunas bizantinas nas janelas do corpo cental. |
Última vista de mais uma vítima de interesses grosseiros, de política conivente, de cidadania amorfa, de povo inculto |
Então, Zé?
ResponderEliminarE pronto, lá se foi o 118 da Elias Garcia :-( E assim se reabilita Lisboa e se mantém o património amaldiçoado e vilipendiado de finais de XIX, princípios do XX.
ResponderEliminarEm terra de bárbaros, parte 123...
ResponderEliminarÉ a isto que a CML chama reabilitar Lisboa?!
ResponderEliminarP-O-R-Q-U-Ê ?
Ainda hoje lá passei e não consigo deixar de me perguntar como é possível deixarmos que isto aconteça.
ResponderEliminarEra um dos mais bonitos edifícios de habitação de Lisboa. Que raio de país este que não preserva o que de melhor tem.
ResponderEliminar100 anos de rendas congeladas, mais burocracia infernal na aprovação de projectos durante décadas, estavam à espera do quê?
ResponderEliminarO resultado é este. Chegou a um ponto de degradação tal que nenhum investidor quer pegar nele apenas para reabilitar.
Mais uma demolição escandalosa. Ninguém põe cobro a isto??
ResponderEliminarSe recuperassem o edifício, iam-se queixar de que tinha ar condicionado ou janelas de alumínio. Metam na cabeça que este é um país de proprietários, que se estão a marimbar para o vizinho do lado ou para a envolvente. Hoje os proprietários estão falidos. Adicionem a isso uma cultura boçal e rasteira virada para o dinheiro fácil e para o papo para o ar e temos o que merecemos. Nem tudo são decisões políticas. Ou queriam o quê, que a câmara falida fosse comprar mais um prédio em ruínas?
ResponderEliminarDescansem os que falam sem terem consentimento de causa. O edifício apenas será demolido parcialmente, estando neste momento a decorrer a contenção da fachada principal. Aconselho uma leitura do novo PDM de Lisboa e aconselho também que não critiquem sem saberem. O edifício após intervencionado possuirá a envolvente original.
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