20/04/2016

Serviços de tráfego da câmara arrasam projecto para a Vila Martel


Por agora, a Vila Martel não vai poder ser demolida. O promotor terá de apresentar um novo projecto para o local (Miguel Manso)

In Público (20.4.2016)
Por José António Cerejo

«Serviços de tráfego da câmara arrasam projecto para a Vila Martel

Manuel Salgado vai ter de chumbar a proposta de demolição da Vila Martel. Os serviços de Tráfego da câmara qualificam como “insólita” a proposta de estacionamento robotizado para o local.

Primeiro foi a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) que inviabilizou a proposta apresentada pelo promotor para a Vila Martel, entre a Av. da Liberdade e o Principe Real. No início deste mês foi o Departamento de Gestão de Mobilidade e Tráfego da autarquia que, com um parecer demolidor, obrigou os serviços de Urbanismo da Câmara de Lisboa a propor ao vereador respectivo, Manuel Salgado, a homologação desfavorável (indeferimento) do Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado. O promotor deverá ainda pronunciar-se antes da decisão final da autarquia.

O PIP em causa contempla a destruição das nove habitações unifamiliares e de dois dos quatro ateliers existentes na Vila Martel e a construção, no seu lugar, de um edifício de 14 andares — oito dos quais enterrados — com 12 pisos de estacionamento robotizado (186 lugares) e dois pisos para ampliação do hotel que está em fase final de construção no mesmo logradouro encravado na encosta.

A história e a importância patrimonial da Vila Martel, onde, ao longo de mais de um século, pintores como Columbano e Malhôa tiveram os seus ateliers, levaram a que se gerasse um movimento em sua defesa, com tomadas de posição por parte de vários partidos representados na Câmara de Lisboa e com numerosas munícipes a manifestarem-se nas redes sociais.

Os serviços de Urbanismo da autarquia expressaram desde o início um claro apoio ao projecto. Os técnicos da Estrutura Consultiva Residente, um serviço camarário que se pronuncia sobre intervenções em imóveis inscritos, como é o caso, na Carta Municipal do Património Edificado e Paisagístico, foram, porém, os primeiros a exprimir as suas reservas. Em parecer emitido em Fevereiro, que a Câmara sempre escondeu ao PÚBLICO, concluiram que não existe nos regulamentos em vigor “base de sustentação para a intervenção nos moldes em que se pretende”. Na sua opinião, qualquer obra do género exigiria a aprovação prévia de um plano de pormenor para o local. Não foi esse o entendimento do coordenador daquela estrutura que, subscrevendo aquilo que era notório ser a posição da hierarquia, veio escrever, no seu despacho, que a proposta constituía “uma enorme mais valia para esta zona e para a cidade”. E, em conclusão, defendeu que ela se enquadrava nos regulamentos, desde que fossem mantidos os ateliers.

Câmara escondeu despachos
No mesmo sentido pronunciou-se a 9 de Março o director municipal de Urbanismo, Jorge Catarino, “reiterando a importância da intervenção” e ordenando o “prosseguimento da apreciação” do PIP. Questionado pelo PÚBLICO em 18 de Março sobre o conteúdo do despacho assinado por Jorge Catarino nove dias antes, o gabinete de Manuel Salgado respondeu apenas: “O parecer [da Estrutura Consultiva] foi emitido mas ainda não foi despachado, não havendo decisão sobre o assunto.”

A voltas dadas no Urbanismo foram entretanto trocadas pela DGMPC que, no dia anterior à falsa resposta da câmara, chumbou o PIP frisando, no seu parecer vinculativo, que as “características morfológicas e tipológicas” da Vila Martel teriam de “ser respeitadas”. Já em Abril, o técnico de Departamento de Gestão e Mobilidade de Tráfego que apreciou o PIP não teve dúvidas. “Do ponto de vista de mobilidade viária a Rua das Taipas [onde seria construído o único acesso ao estacionamento e ao hotel] não tem capacidade viária para servir um estacionamento deste tipo e envergadura.” Na informação que assinou, o técnico aponta um conjunto de problemas, nomeadamente ao nível da segurança de pessoas e viaturas, mas também em matéria de incumprimentos regulamentares, que o levam a defender a rejeição da proposta.

Entre muitas outras objecções, a informação nota que o acesso a uma das zonas do parque automático “não dispõe das dimensões necessárias para a manobra das viaturas [e para que] consigam entrar na máquina numa só manobra”. Numa outra zona, salienta, “não se consegue realizar numa só manobra a inversão de marcha” gerando-se o risco de provocar filas de espera na Rua das Taipas.

Mais contundente foi o seu superior imediato que, em despacho, qualificou a proposta como uma “insólita instalação para arrumação de veículos em máquinas, num sistema alternativo de arrumação para 186 viaturas na zona histórica da encosta do Bairro Alto, com arrumação sobreposta de viaturas com interdependência de uso do mesmo espaço”.»

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