Esta nova fachada constitui um precedente valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a Lisboa e que urge corrigir.
Numa Lisboa que está na moda e em que o desejável boom turístico e “invasão” de exóticos habitantes anda de mão dada com a descaracterização acelerada da cidade e uma destruição patrimonial que parece não ter fim; em que reabilitação é confundida com fachadismo, condenando o que resta dos interiores oitocentistas, mas também, pasme-se, os pombalinos da Baixa; em que a extraordinária Rua das Janelas Verdes não pára de ser “bombardeada” e a também esplêndida das Portas de Santo Antão viu nascer uma enorme cratera que deixa “preso por arames” o que resta do Palácio da Anunciada; em que um outro palácio, o de São Miguel, na belíssima Praça da Alegria, viu o seu interior integralmente demolido de um dia para o outro e a emblemática Casa Pombalina da Rua da Lapa desapareceu num fim-de-semana, fazendo tábua rasa da classificação camarária e da zona de protecção patrimonial a que estava sujeita; em que a típica e integralmente conservada Praça das Flores pode ser cirurgicamente abatida por um mamarracho e a quinhentista Rua do Bemformoso, que escapou milagrosamente à hecatombe do Martim Moniz nos anos 40, se prepara para ser esventrada, ignorando alternativas, para a construção de uma mesquita e em que até, sacrilégio dos sacrilégios, o coração dessa jóia que é Alfama está teimosamente ameaçado por um “móno” indescritível para albergar o Museu Judaico; o anúncio de que um outro “móno”, já velhinho, se prepara para ser intervencionado com o fim de restaurar a imagem perdida de um largo histórico, constitui uma feliz novidade!
Edificado nos meados da passada década de 1970, o edifício em causa faz a curva do Largo Rafael Bordalo Pinheiro para a Rua da Trindade, e o seu impacto na envolvente constitui como que uma antevisão do “pesadelo” que espera os esplêndidos largos das Flores e de São Miguel de Alfama, acima referidos, caso os sinistros projectos para aí previstos sejam concretizados.
Uma fachada com superfícies envidraçadas que contrasta violentamente com as sete e oitocentistas que a rodeiam; uma cobertura em terraços que deve ser caso único na Zona Histórica em que se insere e um escusado e provocador revestimento de azulejos que, independentemente do seu valor “per si”, constitui uma tremenda agressão à extraordinária fachada azulejar do famoso “Prédio do Ferreira das Tabuletas” que lhe fica defronte, fazem com que este edifício seja desde o inicio apontado no ensino como aquilo “que não deve ser construído” nos centros históricos e esteja há muito presente em inventários patrimoniais como uma chaga urbana que urge corrigir.
A fachada prevista, embora não recupere a do edifício original do século XIX do qual existe registo fotográfico, uma prática recorrente em “países atrasados” como a Alemanha, a França, a Itália ou a Espanha, mas que a inteligência nativa cá do burgo insiste em desvalorizar como “pastiche”, recupera no entanto a imagem do mesmo, acrescentando-lhe um andar e uma mansarda que alinha com a do belíssimo “Prédio das Marquises” contínuo, que faz gaveto com a Rua Nova da Trindade, incluído no mesmo projecto.
Estão, pois, de parabéns a empresa construtora (atenção ao interior do segundo prédio!), a Câmara Municipal de Lisboa, numa excepção à catastrófica política de protecção patrimonial a que nos têm habituado, e a Direcção-Geral do Património Cultural, tantas vezes “distraída” ou até conivente com os atentados que a cidade tem sofrido, que, empenhadas numa solução de consenso que demorou mais de um ano, nos oferecem a recuperação da imagem deste recanto de eleição do nosso Chiado.
E, importantíssimo, esta nova fachada constitui um precedente valioso para os inúmeros casos semelhantes que pululam por toda a Lisboa e que urge corrigir. A começar, logo ali no mesmo largo, um pouco mais a baixo, no gaveto com a Travessa da Trindade, com a inenarrável cobertura que acrescentaram ao histórico edifício onde em tempos foram as “Conferências do Casino”!
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Estou totalmente em desacordo. O valor da autenticidade tem que ser preservado. É um entendimento consagrado no PDM. Poderá ser muito conveniente classificar este edifício como mamarracho, mas será seguramente errado. Conveniente para quem quer ampliar/especular.A AML interveio, e bem, neste caso o imóvel deve ser preservado atendendo ao seu valor singular e autentico. Sendo um genuíno exemplar dos anos 70, para além de albergar o conjunto azulejar, autêntica coexistência de obras de arte. Quer se queira, quer não se queira, esta é a genuína realidade! E só não vê quem não quer ver.
ResponderEliminarO modernaço das 8:39
ResponderEliminarNem todos podem ter a mesma opinião. Mas o que gere a cidade de Lisboa não são opiniões, é o PDM, preconceitos à parte.
ResponderEliminarA AML, interveio e bem no caso da necessidade de protecção deste imóvel singular. Sabemos bem, que existem apetites vorazes, capazes de o desvirtuar em proveito próprio, meramente em nome da pura especulação imobiliária. Esperemos que o PDM mantenha a sua plena eficácia neste caso, bem precisa!
O preconceituoso e o especulador das 1:51 da tarde.
ResponderEliminarSem dúvida sou pela preservação da imagem singular do edifício. É Inconcebível que se diga: «independentemente do seu valor singular», a decisão do desvirtuamento é obviamente indissociável desse mesmo valor, que é único. Haja bom senso. Viva a cidade Lisboa, viva pela sua diversidade. Em regra sou pela preservação dos valores autênticos, este edifício é uma jóia de uma época e isso é inegável. Tudo o resto são preconceitos.Haja bom senso, que prevaleçam as recomendações da AML e o PDM. Os especuladores que se limitem ao que é regulamentar e que respeitem as obras de autor. Parece-me ser elementar. A CML que cumpra o seu papel e defenda o património edificado da cidade de Lisboa, para variar.
ResponderEliminarO pastiche é que não, obrigada!
ResponderEliminarO valor da autentecidade deve ser intocável. Preservar sem perca de idêntidade, reabilitar sem desvirtuar, é o que urge neste caso. O consenso na AML, quando das recomendações não foi alcançado por acaso e deveria não deixar margem para dúvidas. Opiniões à parte!
ResponderEliminarMal comparado, esta intervenção nada tem a ver com os atentados em curso, nos vários largos históricos da cidade. Trata-se apenas de mais um atentado silencioso, contra o património edificado da cidade. A penas o edifício em causa é mais recente, nem por isso deixa de ser um genuíno exemplar da sua época, com valor próprio e indissociável da nossa história. Ainda que alguns pretensiosamente queiram «corrigir». Bastava aplicar o PDM, com os seus objetivos estratégicos e não haveria lugar a estas dissertações. Viva a cidade na sua diversidade.
ResponderEliminarEis um apologista do fachadismo. Reabilitação não é isso. Reabilitar sem desvirtuar, por favor.
ResponderEliminarAos poucos algo vai acontecendo nas mentes e o fachadismo vai enganando cada vez menos pessoal - e isso conta e muito. Vai-se lendo muitos comentários que há 10 anos simplesmente seriam raridade.
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