Na parte norte da Quinta do Marquês de Pombal, em Oeiras, a vegetação cobre o tanque frontal da Casa da Pesca. O conjunto arquitectónico pombalino, datado do século XVIII, integra os vastos terrenos da quinta mas continua ao abandono, apesar de a classificação de monumento nacional obtida em 1940. O Ministério da Agricultura, proprietário do espaço, diz que há um protocolo de cooperação com a câmara de Oeiras, que está “em fase final de elaboração”. Contudo, a autarquia reitera que cabe ao ministério “ultimar os detalhes do referido protocolo” para que as obras de reabilitação avancem.
O receio do grupo de cidadãos que, em 2018, lançou a petição Salvar a Casa da Pesca é que tudo fique na mesma, apesar das garantias dadas pelo Ministério: já em 2016 tinham sido iniciados trabalhos para a criação de um protocolo que definiria “os termos de cooperação e co-gestão” do património, protocolo esse que previa “a reabilitação do conjunto monumental” e para cuja data de definição dos termos ficara "estabelecido o mês de Junho”, lê-se numa troca de correspondência entre o Fórum Cidadania Lx e o gabinete do Ministério da Agricultura, datada de 14 de Junho de 2016.
O Ministério da Agricultura, contudo, nega que “teria sido estabelecido o mês de Junho de 2016 como data limite para a definição de um protocolo para a recuperação da Casa da Pesca”. Para o ministério, essas informações “não correspondem à verdade”. No entanto, o documento a que o PÚBLICO teve acesso, diz o contrário.
Quando questionado sobre quais os motivos para que em 2016 o protocolo não tenha avançado, o Ministério da Agricultura não responde e sublinha apenas que “o protocolo com vista à recuperação do espaço está em fase final de elaboração”.
Mas a história do abandono já vai longa. Em 2012, o PÚBLICO escrevia que o projecto de reabilitação da Casa da Pesca, da Cascata do Taveira e do tanque frontal seria levado a cabo através de um protocolo entre o Ministério da Agricultura e a câmara de Oeiras, que transformaria os terrenos num parque temático agro-pastoril.
O projecto acabou por não sair do papel devido a divergências entre o executivo da câmara de Oeiras e o Ministério da Agricultura, argumentou à época o presidente da câmara, Isaltino Morais. Os termos do acordo passavam pela cedência da quinta ao município, que, em contrapartida, pagaria 15 milhões de euros para a construção de um laboratório de Medicina Veterinária. Na recuperação da quinta teriam ainda de gastar outros 25 milhões de euros.
A câmara de Oeiras chegou a acordo para pagar metade do valor exigido, pedindo em troca a cedência do espaço por 90 anos, mas o ministério não aceitou. No final de contas, a Casa da Pesca continuou ao abandono, até hoje.
A Casa da Pesca, uma propriedade de recreio para o repouso das elites, que dava também apoio às actividades de pesca que ali se desenrolavam no tanque fronteiro, pertenceu a Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, antes de ser adquirida, já no século XX, pelo jornalista e empresário Artur Brandão. O senhorio vendeu posteriormente a quinta, repartindo-a por vários proprietários.
Para o grupo de cidadãos que lança agora a petição, o interesse histórico e artístico do local deveria sobrepor-se a qualquer entrave burocrático. Os autores do documento chamam à atenção para os estuques que retratam cenas marítimas, no interior da Casa da Pesca, “e cuja autoria tem vindo a ser associada a Giovanni Grossi, famoso estucador da época”. Os azulejos presentes na escadaria do jardim e espaços circundantes apresentam-se com fissuras, devido à falta de manutenção.
A última intervenção conhecida remonta a 1961, ano em que terão sido efectuadas obras ao telhado da casa e uma limpeza aos terrenos circundantes, a cargo da então designada Direcção Geral de Monumentos Nacionais.
Numa nota publicada na página da missiva, reitera-se o “processo acelerado de ruína” a que todo o conjunto está sujeito. Perante o “cenário dramático”, lê-se no documento, “é inaceitável que o Ministério da Agricultura continue a protelar as indispensáveis obras e que a Direcção-Geral do Património Cultural continue sem impor o cumprimento das obrigações inerentes à salvaguarda de um bem classificado".
A autarquia, questionada sobre o estado das negociações com o Ministério da Agricultura, expressou a “boa-fé” que tem demonstrado no desenrolar do processo e que “está disponível para receber o importante património arquitectónico, recuperá-lo, mantê-lo e colocá-lo disponível ao público”.
Além da Casa da Pesca, também o Paço Real de Caxias, pertencente ao Ministério da Defesa, e a Quinta da Cartuxa, propriedade do Ministério das finanças, estão ao abandono. A autarquia de Oeiras diz ter “projectos de reabilitação em estudo” para todos os edifícios, desde que o Governo decida “transferir as competências para o município”, sublinha.
No caso específico da casa pombalina, a câmara de Oeiras assegura que têm sido realizadas negociações para a cedência do complexo, “a pedido da autarquia”, sublinha.
O Ministério da Agricultura, em resposta às questões endereçadas pelo PÚBLICO, esclarece que, o grupo de trabalho constituído em 2018 para dar resposta à situação de abandono e de reabilitação do espaço elaborou um protocolo de cooperação com a câmara de Oeiras, que se encontra em “fase final de execução”.
Esse protocolo define “os termos em que, em parceria com a autarquia de Oeiras, se processará o modelo de gestão do património histórico de forma a promover a reabilitação de um importante complexo edificado”.
Em respostas enviadas por email, fonte do Ministério da Agricultura detalha que o novo protocolo irá abranger todo o complexo, “designadamente a Abegoaria (ou Casal da Manteiga), a Casa dos Bichos da Seda, a Casa do Fresco, a Pombal, a Mina, a Cascata do Taveira, a Cascata da Fonte do Ouro, o lago e jardins adjacentes, o aqueduto e a rede pedonal de caminhos pombalinos envolventes”. Resta, contudo, esperar que seja devolvida à Casa da Pesca uma nova vida.
O PÚBLICO questionou a Direcção Geral do Património Cultural sobre quais as diligências que têm sido empreendidas no sentido de avançar com as obras de reabilitação, mas não obteve resposta até à data da publicação do artigo.
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Uma vergonha nacional, um verdadeiro atentado ao património. O estado não está a cumprir o seu dever de zelo do património que é de todos. O estado de degradação poderá vir a tornar-se irrecuperável.
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