Ninguém terá ainda percebido na realidade qual a estratégia de médio e longo prazo, o critério também, que levou a que, de repente, não mais do que repente, o senhor Ministro das Infraestruturas e Habitação, primeiro, em conferência de imprensa e sem muito mais desenvolver, e o senhor Primeiro-Ministro e o mesmo ministro, dias depois e em visita ao complexo do antigo Hospital Miguel Bombarda, anunciassem, a pouco tempo do final do mandato, o compromisso do Governo em colocar um conjunto específico de edifícios abandonados (porquê aqueles e só aqueles?), propriedade do Estado, no mercado de arrendamento, a rendas acessíveis.
Mas, independentemente desses detalhes, há que realçar a prenda, subliminar, que este anúncio representa para todos quantos se importam com o futuro do morro de Rilhafoles, que coroa a chamada Colina de Sant’Ana, e, portanto, com a silhueta de Lisboa, e que é esta:
A urbanização, o estudo prévio-projecto de seis torres e vários arruamentos que o arquitecto Belém Lima concebeu para aqueles 4,4 hectares, depois de o Governo vender o antigo hospital à Estamo, em 2009, por 25 milhões, concedendo-lhe a possibilidade de nele promover uma urbanização, e que a CML apadrinhou oficiosamente, diga-se, terá ido para o … l-i-x-o.
Aleluia!
Que alívio para a vila toscana de San Gimignano, a “Manhattan do medievo”, com a qual o arquitecto teimava em comparar as suas futuras torres, algo só compreensível se se tiver em conta a antiga designação do dito: “hospital de alienados”.
E que boa, excelente, notícia é para todos os que lutaram desde a primeira hora contra essa urbanização, por entenderem que estava em causa a História e o Património da cidade, que seriam assim irremediavelmente amputados.
Desde logo o então o ex-director do Museu de Arte Outsider, a quem a voz nunca doeu nem dói. E o punhado de estóicos e vertebrados sábios de História da Arte, que sempre comungaram das mesmas preocupações, ajudando a espalhar a indignação, que se tornou viral. E a incansável, e até há pouco tempo, responsável pelo núcleo do património cultural do Centro Hospitalar de Lisboa Central.
Mas também os que na Direcção-Geral do Património Cultural souberam e puderam, em boa hora (2010), aceitar classificar como Conjunto de Interesse Público o Pavilhão de Segurança (“panóptico”) e o Balneário D. Maria II, e, em 2014, estender essa mesma classificação ao edifício central do antigo convento, à antiga Casa da Congregação da Missão de São Vicente de Paulo.
E, já agora, a Assembleia Municipal de Lisboa e, certamente, a sua Presidente que, organizando em 2014 uma série de debates sobre o futuro da Colina, trouxe a nu os erros, as omissões e tudo o mais que gravitava em torno do “mega-loteamento” que se cozinhava para os antigos Hospitais Civis de Lisboa a Santana: São José, Capuchos, São Lázaro, Santa Marta e, claro, Miguel Bombarda.
Virou-se a página. Que bom.
Importa agora saber o que se segue e, sobretudo, “como” segue e “quando”, já agora. Ou seja, resta saber:
Quem vai pagar a quem (imagina-se que à Estamo), e quanto, pela encomenda já paga (supõe-se) do estudo prévio da urbanização agora enterrada? E a compensação/indemnização à Estamo pelo facto de já não haver essa urbanização, será feita unicamente por via das rendas que serão pagas por quem vier a arrendar os futuros apartamentos? A sério?
E o arrendamento agora anunciado será implementado em que edifícios do antigo hospital psiquiátrico? No corpo central e nas enfermarias em “poste telefónico” e em “U”? E quais serão os apartamentos para renda acessível? O senhor Ministro disse em entrevista à RTP, em 10 de Julho, que haverá sempre lugar a apartamentos a preços de mercado para compensarem os outros. Resta a saber qual a percentagem de cada qual.
E a CML? Vai deixar de lado o seu propósito geral para toda aquela zona, o denominado Projeto Urbano da Colina de Santana, entregue o atelier Inês Lobo, Arquitetos Lda.? Há um novo mega-plano? Qual? Feito por quem? Pressupõe discussão pública, aquela que não houve antes da AML o ter feito, e bem, por sua própria iniciativa? Vai deixar de ser uma “colina da saúde” para ser uma “colina da habitação”?
E o futuro do Bombarda, implicará demolições? Haverá novas construções, onde? Será escrupulosamente respeitada a classificação da DGPC? Será desta a recuperação e dignificação do Balneário D. Maria II, cujo estado de conservação continua uma vergonha apesar das múltiplas promessas feitas pela Estamo desde há 10 anos a esta parte? E no edifício principal? No salão nobre, no gabinete do dr. Miguel Bombarda?
E o Museu de Arte Outsider? Será autónomo do tal futuro Museu da Saúde (o actual é risível)? Ocupará apenas o “panóptico”?
E a antiga cerca do convento, será esburacada (talvez a experiência na Sé vire moda). E o telheiro, a que ninguém liga? E a belíssima antiga cozinha?
E as oliveiras centenárias, que a CML ignorou classificar, e as outras árvores de grande porte? Vão ser abatidas?
Finalmente, os acessos.
Vai voltar a haver eléctrico? Mais carreiras bus? É que a CML nunca aceitou a proposta que vários lhe fizeram no sentido de fazer no Bombarda o Arquivo Municipal de Lisboa (todo!), acabando-se com a situação a todos os títulos deplorável de Campolide e/ou Alto da Eira.
A CML invocou sempre que, além de não caberem (!) no Bombarda os necessários quilómetros de prateleiras do Arquivo, os acessos seriam sempre péssimos.
Seja como for, o futuro do antigo Hospital Miguel Bombarda escrever-se-á direito por linhas tortas, e isso faz toda a diferença.
Parece que finalmente as entidades competentes deste país, começam a vislumbrar a riqueza sem par contida nas cercas dos inúmeros conventos da cidade de Lisboa, valores da história construídos e mantidos ao longo dos séculos.
ResponderEliminarMais vale tarde do que nunca.
Pinto Soares