10/10/2006

Lisboa está cheia de letras únicas

In Público (8/10/2006)
Joana Amaral Cardoso

"Placas de ruas, montras de lojas, sinais nas linhas de eléctrico, puxadores e até caixas de correio nas casas. Em Lisboa, as letras desenhadas de forma única estão por todo o lado. Dois peritos da Association Typographique Internationale (ATypI) levaram cerca de uma centena de designers de várias nacionalidades por um breve roteiro da Lisboa tipográfica. Uma tarde para encher as máquinas digitais e que deixou pistas para a conservação de um património escrito que o tempo (ainda) não apagou

O grupo de turistas especiais chama a atenção nas ruas cheias de domingueiros e outros estrangeiros. Alguns têm tatuagens com letras por si desenhadas, outros partilham o humor tipográfico nas t-shirts. "Quem precisa do Helvética?", pergunta uma camisola. Fotografam e observam não as ruas, mas as letras que nelas moram. Phil Baines, professor de tipografia e curador no Central Lettering Record do Central Saint Martins College of Art & Design, de Londres, visitou Lisboa em Novembro de 2002 com a colega Catherine Dixon. O objectivo era actualizar o arquivo compilado pela historiadora de letras Nicolete Gray nas cinco visitas que fez a Lisboa na década de 1960 e que hoje está no Saint Martins College.

"Havia tanta coisa interessante que nunca tínhamos visto", recorda. Segundo Phil Baines, foi a ditadura pardacenta e um "regime fiscal que favorecia os pequenos negócios e comerciantes" que permitiu cristalizar tantas letras lisboetas. Dizem os professores britânicos que há dois tipos mais comuns em Lisboa: o condensed sans serif, usado sobretudo em edifícios industriais, e os square tuscans, em algumas lojas.

O principal foco de interesse é a quantidade de "velhos letreiros de lojas, usando os velhos métodos de produção, que sobreviveram". "Em Londres desapareceram quase todos, resistiram cerca de 20 por cento. Em Lisboa mantêm-se dois terços", explicou ao PÚBLICO nos Restauradores, no final da visita guiada que encerrou a conferência da Association Typographique Internationale (ATypI). Os portugueses "têm uma forma diferente de usar os diferentes tipos de letra" na paisagem da cidade. "As letras são produzidas de forma muito interessante."

Sérgio Correia, designer gráfico de 26 anos, veio do Porto com a máquina já cheia de letras e arquitectura e confessa que o olhar encantado dos estrangeiros lhe deu vontade de "estudar ou fazer um tipo de letra portuguesa, ou até organizar uma conferência sobre a caligrafia lisboeta". Iria Cunha, da Póvoa do Varzim, está sobretudo satisfeita por ver tantos amantes das letras juntos. "Não estamos sós!" À medida que o grupo desce do Chiado à Rua do Ouro, para depois passar aos Restauradores, o entusiasmo não esmorece. Raghunath K. Joshi, especialista em tipografia e caligrafia do Instituto de Tecnologia Indiano, em Mumbai, já acusa algum cansaço. A paragem na Ginginha do Rossio para refrescar os seus 70 anos serve também para vaticinar o seu próximo projecto. "Estou a pensar em tudo o que temos de letras portuguesas em Goa e que temos de documentar."


O que é engraçado é que a Lei do Património anda pela AR há cerca de 7 anos, e um dos pontos interessantes é exactamente este, o de proteger e perpetuar as letras que decoram as fachadas antigas de Lisboa. Há 7 anos?!!

PF

Sem comentários:

Enviar um comentário