24/02/2008

Clamando no deserto há 40 anos

“As cheias desta semana na Grande Lisboa surpreenderam-no?
Nada, absolutamente nada. E vão repetir-se, porque se tem aumentado a impermeabilização devido ao excesso de construção e continuam a fazer-se más obras que impedem a circulação da água. E não se diga que a culpa é da intensidade das chuvas ou das alterações climáticas. Mesmo que assim fosse, é urgente adaptarmo-nos. As cheias são o resultado de erros de urbanismo. Não se pode continuar a cometer erros de planeamento e as autarquias têm de aplicar Planos Verdes. Alguns estão feitos, como em Loures, Sintra e Seixal, mas continuam na gaveta. E em Lisboa estou à espera que a autarquia aprove medidas cautelares para que possa ser aplicado”.

Excerto de entrevista a Gonçalo Ribeiro Telles, conduzida por Pedro Almeida Vieira, ontem publicada na revista NS


1 comentário:

  1. Pois. Há uns velhos do restelo que andam há anos a dizer a mesma coisa. Alguém os ouve?
    Artigo de Helena Roseta no 24 horas quarta-feira a seguir às cheias:

    Cheias outra vez
    Não aprendemos nada?

    Por fatalidade, no dia seguinte ao da emissão do programa televisivo “Depois do adeus” em que participei, dedicado às cheias de 1967, 1983 e 1997, voltámos a sofrer inundações catastróficas de que resultaram vítimas mortais e avultados prejuízos. A pergunta impõe-se: não aprendemos nada?
    Para meu espanto, o ministro do Ambiente e Ordenamento entendeu empurrar responsabilidades para as autarquias; estas, sob a pressão dos graves problemas de alojamento, trânsito e estragos com que se viram confrontadas, responderam devolvendo culpas para o executivo. O facto é que a culpa é de todos, dos governos centrais, das autarquias e da sociedade, que não exige que se aprenda com os erros passados.
    Se não respeitarmos o sistema vivo que está por baixo das cidades, como sempre afirmou Ribeiro Teles, a natureza revolta-se. Foi o que mais uma vez aconteceu. Apesar dos planos e dos desastres, o desordenamento continua. Constrói-se em leitos de cheia, impermeabilizam-se cada vez mais solos, ocupam-se caves e subcaves com estacionamento, perturba-se o normal ciclo da água.
    Mas não se aprende, não se faz a ligação entre as catástrofes naturais e as decisões de obras públicas ou privadas. No debate televisivo sobre a nova ponte sobre o Tejo, todos falaram das cheias em Lisboa. Mas estamos prestes a decidir sobre a matéria com base numa opção já preferida pelo governo e pela RAVE, a de uma ponte rodo-ferroviária entre Chelas e o Barreiro. Será um erro tremendo deixar entrar mais 130 mil carros por dia em Lisboa. Outro, ainda maior, será a impermeabilização de solos, com trevos de acesso e escoamento de viaturas, nos vales de Chelas, uma das maiores zonas de infiltração que Lisboa ainda tem, protegida pelo PDM e pelo Plano Verde. Com tal ponte, Lisboa ficará ainda mais vulnerável a inundações de dimensões imprevisíveis. Fazer nos vales de Chelas o que ao longo de décadas se fez no vale de Alcântara será um crime, por muito público e até comunitário que seja o dinheiro envolvido.
    É nestas alturas que a defesa da Reserva Ecológica Nacional - que protege cabeceiras de rios, linhas de águas, zonas de infiltração - assume todo o seu sentido. Não a podemos enfraquecer, é a nossa principal protecção. E que ninguém venha depois dizer que não sabia.
    Quanto às áreas atingidas já consolidadas, há que resolver os estrangulamentos existentes. Foi o que fiz no Vale de Santa Rita, em Cascais, a seguir às cheias de 1983. E é o que temos de exigir que se faça em todas as nossas cidades e zonas em risco. Não se trata sequer de “uma verdade inconveniente” – é uma obrigação constitucional e moral de qualquer governo, central ou local, digno desse nome.

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