04/12/2008

Um exemplo a seguir.

Há alguns dias atrás, vários moradores de Tercena, uma localidade do Concelho de Oeiras, lançaram um abaixo assinado e saíram á rua protestando contra a construção de um conjunto habitacional na Freguesia. Faziam-no por duas razões principais. A primeira para criticar a má localização do empreendimento, que os promotores pretenderiam construir em leito de cheia, a segunda, para protestar contra a própria existência desse empreendimento, que iria acrescentar mais umas centenas de fogos aos muitos milhares já existentes no Concelho, quando, em sua opinião, este já não comportava mais construção tendo em consideração as infra-estruturas de que dispõe.
Protestos de populações indignadas por razões locais e pessoais já não constituem novidade. Por razões do tipo das que foram invocadas já serão porém mais raros. Não porque os problemas descritos, da correspondência entre o que se pretende construir e as infra-estruturas que o servem sejam inabituais, mas porque raramente as populações os observam sob este prisma. Trata-se “apenas” de um dos princípios básicos do urbanismo.
Ora acontece que este princípio parece continuar arredado do pensamento de muitos dos intervenientes no processo de construção, para quem o lucro é ainda o único princípio a respeitar. Mesmo que obtido à custa de prejuízos diários das populações ao longo de gerações.
Por isso este protesto nos suscita dois sentimentos contraditórios. Por um lado, positivo, pelo facto de as populações se defenderem, esgrimindo com os mais elevados argumentos; por outro, negativo, pois fica-nos um sentimento de pesar, por 34 anos após o derrube da ditadura, num Portugal que se diz democrático, europeu e civilizado, ainda subsistirem razões para protestos desta natureza. O seu significado, ao contrário do que muitos gostam de argumentar apenas para disfarçar as suas faltas e erros, não é um sinal de vitalidade da democracia. Antes pelo contrário, é um sintoma de graves deficiências do sistema de regulação e controle da democracia. É que impedir ambas as questões abordadas constitui obrigação preventiva das entidades públicas, que falharam.
Isto leva-nos a formular uma pergunta final. Onde estão os técnicos responsáveis, para se recusarem a elaborar projectos destes? Onde estão os promotores com um mínimo de orgulho social pelo seu trabalho? Onde estão os autarcas, cuja missão é garantir o harmonioso ordenamento do território? Onde estão as entidades da tutela que devem zelar pelo cumprimento da lei? Onde estão aqueles que continuam elaborando e revendo as leis, que, ao contrário de se aperfeiçoarem, têm vindo a regredir ano após ano? Onde estão todos esses, a quem nós pagamos para zelarem pelo nosso bem estar?
Neste Portugal que teima em querer ser democrático, apesar das atitudes em contrário da parte de quem devia zelar pela lei e pela justiça, este é um exemplo de lucidez cívica a registar e a seguir e que nos faz ter esperança no futuro.
Por isso se regista, aqui e agora.

Guilherme Alves Coelho
1008-11-30

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