01/06/2009

Provedor acusa Governo de propor negócio injusto e imoral

In Público (30/5/2009)
Inês Boaventura

«A Igreja de Campolide, diz o provedor, deve ser cedida a título gratuito. O presidente da junta diz que "roubar" e vender "é crime"


O provedor de Justiça acusa o Governo de procurar um meio de enriquecimento "indevido, injusto, imoral" com a proposta de alienar à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, por 1,26 milhões de euros, a Igreja Paroquial de Santo António de Campolide. Nascimento Rodrigues sublinha o "indisfarçável processo de ruína" do imóvel classificado e diz ser incompreensível "por que motivo o Estado o mantém em seu poder e não o restitui aos paroquianos".
Numa carta enviada ao ministro de Estado e das Finanças no fim de Abril, o provedor lembra que a igreja foi confiscada há quase 100 anos pelo Estado, que "nunca cuidou de conservar o imóvel, muito menos de o beneficiar, sem prejuízo de o ter vindo a classificar em 1993 como imóvel de interesse público pela sua valia arquitectónica e histórica". Assim sendo, aprecia Nascimento Rodrigues, "impor como condição à comunidade paroquial a sua aquisição a preço de mercado é algo que ninguém dará como solução equilibrada".
O provedor de Justiça já tinha defendido esta posição em Junho de 2008, altura em que recomendou ao ministro "a adopção, pelo Governo, de providências legislativas adequadas, que permitam ceder à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Paços da Santa Via Sacra, a título gratuito e definitivo, sem outros ónus nem encargos que os resultantes da Concordata com a Santa Sé, a Igreja de Santo António da Campolide".
O teor desta recomendação foi, segundo Nascimento Rodrigues, "largamente controvertido" com a Direcção-
-Geral do Tesouro e das Finanças, que lhe comunicou a disposição de alienar o imóvel por 1,26 milhões de euros. Isto porque, argumentou na ocasião o responsável pelo organismo do Ministério das Finanças, a Concordata com a Santa Sé que reconhece à Igreja Católica a propriedade dos bens que lhe foram confiscados não se aplica a este caso porque em 1910 este imóvel era da Companhia de Jesus e não literalmente da Igreja Católica.
O director-geral, Carlos Durães da Conceição, alegou ainda que a norma concordatária não era aplicável porque o uso da igreja se encontra cedido à referida irmandade. Nascimento Rodrigues diz que "não vale nenhum dos argumentos apresentados", porque está de facto em causa a Igreja Católica, "como o conjunto das pessoas regularmente constituídas e erectas segundo o direito canónico", e porque a cedência do imóvel "não retira ao Estado a qualidade e estatuto de possuidor".
O provedor conclui que propor uma alienação por 1,26 milhões de euros lhe parece "um locupletamento [enriquecimento] verdadeiramente injusto da parte do Estado" e frisa que o impedimento legal de o Governo alienar bens seus de forma gratuita "deveria circunscrever-se ao património legítimo do Estado e não também aos imóveis 'conservados' em seu poder contra disposições concordatárias".
O PÚBLICO perguntou ao ministro de Estado e das Finanças se já existe uma resposta à carta do provedor de Justiça e se está ou não a ser equacionada, em função dos argumentos de Nascimento Rodrigues, a cedência a título gratuito e definitivo do imóvel à irmandade. O seu assessor de imprensa respondeu que a igreja "não se encontra abrangida pelo âmbito das concordatas celebradas com a Santa Sé, pelo que integra a titularidade do Estado".
Pedida contra-proposta
Vasco Noronha acrescentou que a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Paços da Santa Via Sacra "ficou de apresentar uma contra-proposta para aquisição do imóvel", que lhe foi cedido "a título precário e gratuito" a 25 de Fevereiro de 1938, "o que ainda não se verificou". O assessor não mencionou na sua resposta escrita, na qual diz que nada mais há a acrescentar sobre o assunto, se o ministro Teixeira dos Santos respondeu ou não às acusações do provedor de Justiça.
"Em toda a parte do mundo, é roubo, e, depois, a venda é crime", diz, por sua vez, o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, defendendo que "o Estado usurpou sem razão nenhuma a igreja e depois quer vendê-la aos seus donos". "É preciso ter lata", atira Jorge Santos, que, tal como o provedor de Justiça, é a favor da cedência gratuita e definitiva do imóvel à irmandade.
O presidente da Junta de Campolide, eleito pelo PSD, diz que concorda "a cem por cento" com o conteúdo da carta de Nascimento Rodrigues, que considera ser "mais uma" manifestação "da sua grande coragem". Jorge Santos adianta que a acção judicial que está a preparar contra o Ministério das Finanças, por não cumprir a obrigação de conservar, cuidar e proteger um imóvel classificado de que é proprietário (como estipulado por lei), deverá dar entrada no tribunal "antes das férias judiciais".
O provedor já tinha recomendado ao ministro das Finanças a cedência gratuita da igreja à irmandade »

3 comentários:

  1. Dois pesos...como não se pretende instalar um hotel de charme!
    No tribunal da Boa Hora com uma situação unica na Baixa onde realmente se justificava um hotel de charme, uma manifestação corporativista dos magistrados evitou a sua alienação.
    Não gostam do Novo Campus da Justiça na expo, moderno e eficiente?
    Mas esta vergonhosa situação não é resolvida, não há verbas de casinos ou outras. A isto chama-se INCOMPETENCIA...

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  2. Era engraçado saber quem foi o videirinho esperteza saloia do ministério das finanças donde veio esta ideia brilhante. Deve ser algum menino que anda metido nas igrejas a pedir a benção dos padres, mas que quando toca a sacar aqueles que lhe salvam a alma, não hesita nem por um segundo.
    E é por esta gente hipócrita e mal-formada que somos governados!

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  3. O Senhor Provedor deu um oportuníssimo parecer. Está tudo errado, como ele bem afirma neste processo: a venda de um imóvel classificado para fins catequéticos em estado de ruína que o proprietário Estado não se preocupou em recuperar; a venda do mesmo como se de um simples edifício público se tratasse. Autênticos vendilhões do templo, estes jacobinos que nos governam!
    José Rocha

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