26/01/2010

Privatização do espaço público no Arco do Cego (ou Lisboa é um parque de estacionamento IV)

Secção da Av. Duque de Ávila junto à Av. República, depois de libertado o estaleiro das obras da nova extenção da estação de metro do Saldanha. Um metro e pouco de passeio para os peões, do outro lado nem há passeio em grande parte da rua. Tudo para assegurar 4 faixas paralelas de novo estacionamento

Contexto
A zona do Arco do Cego é das mais centrais e bem servidas por transportes públicos da cidade.
Segundo o site da carris, é servida por inúmeras carreiras de autocarros (22, 40, 718, 720, 767, 36, 44, 83, 16, 207, 742, 745, 726, 727) e 2 linhas de metro (amarela e vermelha), com rápida ligação a outras 2 linhas de metro.
Perante estes factos, é justo perguntar: salvo situações excepcionais, quem precisa mesmo de levar o seu carro individual para se deslocar a esta zona? A resposta mais lógica parece ser "muito poucos". Se se perguntar aos muitos peões que transitam por aqueles quarteirões, a resposta deles será condizente.

Espaço público? Não, parque de estacionamento.
Apesar de tanto transporte público, o Arco do Cego assemelha-se a um imenso parque de estacionamento. Para além do parque coberto ( mais de 200 lugares), grande parte das ruas têm 80% da sua largura dedicada a faixas de rodagem e a parque de estacionamento. Placas centrais arborizadas são também roubadas aos peões, e utilizadas para parque de estacionamento.

Se ignorarmos o número de carreiras de autocarro e de linhas de metro que servem a área, pensamos que estamos num sítio unicamente acessível por automóvel.
O exemplo supremo dessa evidência: em jeito de celebração da extensão do novo troço da linha vermelha até ao Arco do Cego, a Av. Duque d'Ávila foi de novo libertada dos estaleiros dos metro... para mais lugares de estacionamento. Paradoxalmente, a densidade de lugares é hoje maior que era antes das obras para a nova linha começarem.


Quem sai do metro do Saldanha junto à Av. República e quer chegar ao jardim do Arco do Cego tem de contornar obstáculos como este.

No meio do privilégio cego ao automóvel, o peão é esquecido. A nova Duque de Ávila tem carros estacionados sobre passadeiras, tem barreiras à circulação de peões, obriga-os a fazer um percurso de quase 100 metros para atravessar para o jardim do Arco do Cego pela passadeira, quando 10 passos em linha recta chegariam (não existissem barreiras de cimento e uma rua sem passadeiras pelo meio):


Para atravessar a Defensores de Chaves em direcção ao jardim (à esquerda), o peão é convidado a fazer um desvio de quase 100m (atravessando 3 passadeiras, no lado direito)

O único bom (?) exemplo do que sobrou dos estaleiros da nova estação de metro parecia ser a zona junto ao jardim do arco do cego, que após a inauguração da estação, apesar de alcatroada, ficou disponível aos peões, vedada aos carros.
Pois bem, já há mais de um mês que alguém deslocou as barreiras de cimento que proibiam que essa zona livre fosse mais um parque de estacionamento. Resultado: na manhã seguinte, havia mais cerca de 65 lugares de estacionamento clandestinos roubados ao espaço público.
A entrada forçada para esse novíssimo parque de estacionamento era simbolicamente onde a passadeira permitia (antes) aos peões atravessarem para a zona que outrora era deles (ou seja, de todos).
Um polícia de trânsito no local que um dia passeava passivo perante a tomada clandestina de nova área para estacionamento ignorou o facto, ignorou a entrada por cima da suposta passadeira, ignorou as dezenas de automóveis que continuavam a entrar para estacionar, ignorou os peões que agora tinham menos uma passagem, e disse que não havia nada a fazer.


O novo parque clandestino junto à nova saída do metro. Esta área alcatroada estava inicialmente proibida ao trânsito. Rapidamente, as barreiras de cimento foram deslocadas para permitir nova área reservada ao estacionamento automóvel (foto de cima). Para o peão, sobra 1m para passar de cada lado da saída do metro (esq. na foto de baixo)

Há alguma legitimidade em exigir/forçar mais estacionamento?
Faz tudo isto algum sentido? Façamos o (pouco razoável) pressuposto que todos estes automóveis são de facto necessários (difícil levar este pressuposto a sério se lermos os factos no início do post). Sob esse pressuposto, são os automobilistas que usam o bairro tão deficitários de estacionamento que justifiquem que mais estacionamento lhes seja concedido (por exemplo, quando os estaleiros do metro, após anos, foram reciclados em.. estacionamento) ou que justifiquem acções clandestinas como a transformação não autorizada de uma área para peões em mais estacionamento que descrevo acima?

Pois bem, isso responde-se com um simples exercício.
2ª feira, 11:00, após hora de ponta, grande parte dos trabalhadores na zona já estacionou o seu automóvel.
Perdendo uns minutos, no meio dos carros, contei o seguinte:
- lugares vagos no parque coberto do Arco do Cego (parque pago): 110 lugares livres! (cerca de metade da lotação)
- estacionados (em parque gratuito e autorizado pela CML) no novo espaço da Duque de Ávila junto à Av. República: 85 automóveis.
- estacionados no parque clandestino referido acima: 65 automóveis.


Um dia habitual no parque coberto (e pago) do Arco do Cego. Segunda-feira, 11h, depois da hora de ponta.

Ou seja, se o parque de estacionamento coberto do Arco do Cego fosse usado em toda a sua lotação, apenas 1/3 dos lugares que monopolizam a Duque d'Ávila seriam necessários. Os 2/3 que sobrariam poderiam ser devolvidos aos peões.
Porque não foram desde logo devolvidos? Porque não são agora devolvidos?

ps - Isto sob o pressuposto altamente discutível que todas estas pessoas precisam mesmo de levar um carro para ali. Retire-se o pressuposto e os 2/3 a devolver a peões aumentariam ainda mais.

17 comentários:

  1. Não é por nada, mas nessa lista faltam as carreiras de autocarro: 16, 207, 742 e 745. A 718 aparece duas vezes.

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  2. Ora aqui está mais um assunto com o qual o Zé que fazia falta não tem nada que ver.

    É preciso notar que se trata de estacionamento, as palavras «espaço público», pelouro do sujeito, estão ali só para enganar.

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  3. Anónimo, você até faz lembrar aqueles cómicos após a eleição do Obama que, vendo um papel atirado para o chão num passeio de Nova Iorque ironizavam dizendo que o Obama prometia muito mas afinal continuava tudo na mesma!
    Então foi o Zé que levou por diante este espaço do Arco do Cego?? E que tratou de garantir que metade era estacionamento automóvel?? Foi? Francamente, que doentio...

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  4. Infelizmente, há quem ignore e persista em ignorar que Sá Fernandes é vereador do ESPAÇO PÚBLICO.

    E o que diria o inefável sujeito se isto acontecesse com ele fora da câmara?

    Mas de quem até já apoiou o terminal de contentores de Alcântara da Mota-Engil não há nada que surpreenda.

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  5. Bem, se um vereador do Espaço Público é alheio ao assunto, o melhor é mandá-lo para casa.


    Corvo

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  6. Neste momento, o principal problema não é o parque de estacionamento coberto da Emparque.
    O problema é a forma como os espaços anteriormente ocupados pelos estaleiros do metro foram re-aproveitados: sem critério, cegamente cedidos a um pequeno conjunto de donos de automóveis, em prejuízo de todos os peões. E essa cedência é da responsabilidade de quem está no executivo neste momento.

    Mesmo que não fosse, cabe a quem lá está neste momento reagir e alterar esta situação absurda

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  7. E ainda falta o 107 lá faz terminal. Resta-nos esperar que não falte muito para se iniciarem (e acabarem!) as obras na Duque D'Ávila, até lá é a lei da selva!

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  8. E o 203, e as entradas e saidas de serviço da 790.

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  9. Se tivessem reduzido o número de lugares de estacionamento e alargado o passeio - o que obviamente deveria ter sido feito - hoje haveriam uns quantos a reclamar que a solução em empurra os automóveis para um parque privado...

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  10. Uma coisa é certa, Lisboa cada vez mais é uma cidade para ricos, e em Portugal cada vez há menos ricos. Estas medidas bonitas só servem para empurrar a população para cada vez mais longe de Lisboa. O querer imitar os outros países da Europa não se pode aplicar porque os portugueses não têm poder de compra para tal. Recordo que o salario medio anda nos 700€, o normal para um jovem saído da universidade são 500 ou 600€, ganhava mais ter ficado com o 9º ano ou nem isso, sempre ganhava mais.

    Concordo que em zonas estreitas não é a solução ideal tanto carro estacionado, como por exemplo na Graça, mas a maioria das pessoas n ganha para pagar parques. O ñ ter carro ñ é opção, as pessoas não estão dispostas a perder qualidade de vida (sim ter carro é qualidade de vida, qualidade de vida é possuir-se os bens materiais q se gosta, alem disso quem n tem carro n tem liberdade de movimentos). Mais depressa as pessoas mudam de casa para fora de Lisboa do que despacham o carro. A Camara sabe disso e n qer perder ainda mais receitas do que as que perde todos os anos com a fuga de 10 mil residentes ao ano. A camarea prefere receber dinheiro do q ficar bem vista por meia duzia de intelectuais de esquerda que n repõe o dinheiro que a camara perde com a fuga da população. O concelho de Sintra ja ultrapassou a população de Lisboa e Loures e Seixal em menos de uma decada tambem o fazem.

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  11. Xico,

    Obrigado por expores alguns dos argumentos típicos da nossa mentalidade retorcida sobre este assunto.
    "Factos" que aparentemente só são argumentos válidos entre nós. Noutras cidades de outras paragens (onde também há pobreza, transportes públicos com defeitos, subúrbios com casas maiores e mais baratas, e centro de cidade com casas mais caras) aparentemente passam a ser absurdos:

    - "Andar de carro é qualidade de vida" (no entanto encontram-se por Lisboa tantas pessoas em transportes públicos, que moram dentro e fora da cidade, pobres e ricos, que dizem o contrário e optam por deixar o carro em casa.)

    - "qualidade de vida é possuir-se os bens materiais q se gosta"
    Esta nem comento...

    - "Os pobres estão limitados à solução mais barata: o carro" [PSL dixit] (No entanto, para uma grande parte da Grande Lisboa, a alternativa do transporte público é mais barata.)

    Este não é teu, mas já o ouvi várias vezes:
    - "O carro é mesmo mais barato que transportes: apenas gasto a gasolina, e de vez em quando a manutenção" (No entanto, um grande número dos carros que entram em Lisboa fica estacionada ilegalmente, porque ou não paga o parquímetro, ou estaciona em lugares proibidos - ver o post; isto é o equivalente a dizer "o transporte público é mais barato, porque eu fujo ao revisor e não pago o passe")

    - "Os mais pobres têm direito ao conforto do carro" (Num mundo diferente, talvez todos deviam ter o que desejassem, mas infelizmente isso não é assim para quase nada, exceptuando os bens públicos que a nossa sociedade consagra, como a saúde. O direito ao carro não é um desses direitos. Porque não usar o argumento do "os mais pobres também têm direito a comer caviar, ou a ter um piano de cauda em casa?")

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  12. E todos esses argumentos são verdadeiros, para a maioria das pessoas que moram na periferia fica mais barato vir de carro até porque grande parte das transportadoras estão fora do passe social e fica carissimo. Para pagar cento e tal euros de passe mais vale vir de carro. É perfeitamente normal e se for mais que uma pessoa então nem se põe a questão do transporte publico.

    Quanto ás borlas nos transportes acredite que ha carreiras da Carris em que 90% dos que lá estão, estão de borla, e todos sabem disso motoristas e administração da Carris. A Carris ate contratou uma empresa de segurança para fazer a fiscalização dos titulos de transporte, porque não está mais para suportar as baixas por agressão aos seus funcionarios.

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  13. "maioria das pessoas que moram na periferia"
    Sem definir "periferia", essa frase é não diz nada.

    Se "periferia" consistir em todas os lugares a uma distância acessível a pé (por exemplo, até 1,5 km) das várias estações da Linha de Sintra, Linha de Cascais, estações periféricas do metro de Lisboa (Amadora, Odivelas, ..), estações da Fertagus + docas do cacilheiro + metro da margem sul...
    Temos uma grande área habitacional (de várias centenas de milhares de pessoas) onde (garanto-lhe) custa bem menos vir de transportes para o centro de Lisboa que de carro.

    Sobre quem mora no centro de Lisboa (os "ricos", como lhes chama), escuso também de comparar preços.

    Se esta periferia largasse o carrinho em casa, iria ver a diferença em Lisboa.

    Quanto à outra periferia, mais remota, aí é mais difícil, concordo. Mas mesmo aí, porque não vir de carro até à estação mais próxima (das que enumero acima), e depois apanhar o comboio/metro/barco/autocarro? Muitos fazem isso.

    Ideias não faltam. Para ricos e pobres, para a grande maioria da "periferia". Não são ideias absurdas. Nos transportes públicos encontram-se muitas pessoas que tomaram as opções que deixo acima. Não são super-homens, não gastam mais dinheiro para o fazer, antes pelo contrário.

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  14. Periferia = Todos os concelhos da AML à excepção de Lisboa, ou seja 21 somando ainda Torres Vedras, Alenquer, Benavente, Salvaterra, Coruche e Caldas da Rainha que tambem põe milhares de pessoas em Lisboa todos os dias, prova disso são os horarios dos autocarros com partidas de 7 em 7 minutos, fora os que vêm de carro.

    Eu referi-me a quem tem que apanhar as transportadoras que não aderiram ao passe social, que são elas a Vimeca, Fertagus, Sul Fertagus, Metro Sul do Tejo, Barraqueiro, Leonardo, Barraqueiro-Oeste, Mafrense, Isidoro Duarte, Rodoviaria do Tejo, Ribatejana, Boa Viagem e algumas carreiras dos Transportes Sul do Tejo e Rodoviaria de Lisboa.

    Para algumas destas transportadoras os passes variam entre os 80€ e os 135€, basta ter um carro a gasóleo ou a gás para compensar, como certamente deve saber a maioria do parque automovel português anda a gasóleo.

    Depois a somar a isto temos empresas com veículos a menos, que quando não têm veiculos disponiveis pura e simplesmente não fazem as viagens estipuladas no horário sem avisar os clientes, e há ainda carreiras que apenas passam duas vezes ao dia!

    Só não vê isto quem é cego.
    A maioria das transportadoras privadas quer é lucros, quer lá saber do serviço que presta ao cliente, e a maioria dos clientes mal servidos não se queixa, passa a andar de carro e quando se queixa, não se queixa a quem devia. Faz queixa para a empresa prevericadora em vez de se queixar ao IMTT a pedir para tirarem a licença a essas empresas!

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  15. Nada disso é razão para se estacionar em cima dos passeios, em cima das linhas dos elétricos e destruir as barreiras que impedem o estacionamento ilegal, ou é?

    E se a câmara não faz nada porque não quer perder dinheiro, quanto dinheiro perde por cada um dos 10000 habitantes que perde todos os anos? Quanto é que deixa de receber de IMIs e taxas camarárias várias? Já alguém fez essas contas?

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  16. atenção Para alem de encerrar às 23.30 está ENCERRADO durante o FIM DE SEMANA
    Estacionei lá ontem ás 19.30 pretendi retirar a viatura às 23.45 e não pude.
    A iluminação no local das informações e não consegui perceber que dizia DIAS ÚTEIS das 7.30 às 23.30

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