30/06/2010

O futuro do Jardim Botânico da Politécnica decide-se hoje ... e as preocupações são muitas

É hoje votado em reunião pública da Câmara Municipal de Lisboa, às 15h, o plano de pormenor do Parque Mayer, Jardim Botânico e zona envolvente. A CML diz querer a participação pública neste processo, o que é de saudar. O que não é de saudar é fazer o convite em cima do dia e disponibilizar uma ligação ao Plano de Pormenor com 791 MB de dimensão, um download impraticável para a maior parte das pessoas (demorei 2 horas a fazê-lo; gravo os ficheiros de bom gosto a quem quiser), sem uma ligação alternativa mais leve. Note-se também a data de votação: 30 de Junho de 2010. Dia após jogo do Mundial de Futebol que envolve Portugal. Dia anterior ao início de férias de muitos portugueses. Dia anterior ao início da entrada em vigor em Portugal dos novos escalões de IVA. Quer a CML mesmo incentivar a participação pública e o conhecimento de todos? A mim parece-me um bom dia para enterrar notícias e assegurar a menor polémica e resistência possível.

O plano em si é profundamente danoso para os interesses  e missão do Jardim Botânico (JB) enquanto património dos lisboetas, dos portugueses e do mundo, deixemo-nos de papos na língua que os valores em causa são demasiado importantes.

Confesso já a minha ligação, profissional e afectiva, ao Jardim. Tirei o curso de guia do jardim há 3 anos e de Setembro de 2009 a Maio de 2010 guiei 26 visitas. Destas, 9 foram feitas pro bono e as restantes encontram-se por pagar que a Universidade de Lisboa não é de todo imune a problemas financeiros; são estes problemas financeiros que nos apresentam uma universidade conivente com este ataque à integridade física do JB. Não me move qualquer interesse financeiro mas uma enorme paixão por aquele espaço e pela riqueza há muito desprezada e incompreendida que alberga. E contra os meus próprios interesses falo. Financeiramente, a minha actividade profissional, enquanto lojista perto do jardim e guia, só tem a ganhar se forem para a frente as propostas em cima da mesa.

Mas, acima dos meus interesses individuais estão os interesses colectivos e a integridade física e de missão do JB. Mais pessoas no jardim? Fantástico. Mas não assim, sacrificando a missão do JB.  E esta missão sairá, no meu entender, comprometida se este Plano de Pormenor avançar.

Muito mais do que a Universidade de Lisboa, que tutela o JB mas que, assustadoramente, apoia o que é proposto, tem sido a Liga dos Amigos do Jardim Botânico (LAJB), organização de que sou sócio, a fazer um trabalho heróico de defesa do JB. E é através da LAJB que nos surgem os alertas. No blog Amigos do Botânico foi publicada uma carta, datada de 27 de Junho de 2010 e enviada a várias entidades, com as preocupações principais da LAJB em relação ao que se prevê venha a ser aprovado para o JB. Note-se que desde Junho de 2008, há mais de 2 anos, que a LAJB expressa as suas preocupações, por escrito, para a CML e para o atelier Aires Mateus, ao contrário do que é afirmado hoje publicamente de que estas preocupações seriam novas. Aliás, existe uma reportagem de televisão com o Arquitecto Ribeiro Telles a expressar ao Vereador Sá Fernandes publicamente o seu desacordo ao que se pretende fazer, invocando, por exemplo, o problema da circulação do ar entre as colinas e a baixa, que será fortemente perturbada.

Nada disto é novo. Mas, como a escolha da data indica, o importante para a CML, para a UL e para os projectistas parece ser marcar golo a qualquer custo e o mais rápido possível, mesmo se com uma mãozinha dentro da área. Ao contrário do que afirma o vereador Manuel Salgado na moção a votos hoje, penso não estarem respeitados todos os preceitos legais. Tanto quanto sei, por exemplo, não foi ainda a consulta pública a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) sobre as profundas alterações que a CML quer para todo o eixo da Avenida da Liberdade, incluindo as alterações implicadas neste plano de pormenor. Como escrevi acima, estranho a pressa, estranho a data.

Mas, afinal, quais são as preocupações da LAJB - e minhas? O que é que está em causa? A ir para a frente o plano apresentado, a LAJB teme que (coloquei entre aspas excertos da carta da LAJB):

1. Será feira a desafectação de uma grande área e demolição de infraestruturas vitais a um Jardim Botânico. "As estufas de exibição e estufas viveiristas, os herbários e laboratórios e todas as oficinas de carpintaria, mecânica e armazéns de máquinas e alfaias (tractores, etc) serão demolidos para darem lugar a novos imóveis que não servem a missão de um Jardim Botânico. (...)" Note-se estes novos edifícios serão galerias comerciais e afins.

2. Que a construção do novo edifício de entrada no Jardim Botânico terá consequências negativas. "A sua construção, no alinhamento do final da Rua Castilho, ocupa e impermeabiliza a totalidade da actual área dos viveiros do jardim. O plano propõe que as "estufas" passem para cima deste edifício. Esta solução não é viável porque as diferentes estufas de um Jardim Botânico têm características arquitectónicas e exigências de localização muito diversas. As estufas de investigação e viveiristas devem estar longe das entradas e circuitos de visitantes enquanto que as primeiras, de investigação, devem, também, estar junto dos laboratórios. Já as estufas de exposição ao público, onde se incluem plantas de grande porte, precisam de pé direito alto e localização central."

3. Seja construído um estacionamento subterrâneo no subsolo do jardim, em toda a área da entrada sul. Note-se que como não conseguiram fazer este estacionamento subterrâneo no Jardim do Príncipe Real atacam agora no Jardim Botânico. "Esta intervenção pesada, com abertura de caves, implicaria o abate de várias árvores da colecção viva. Uma impermeabilização destas compromete, também, a viabilidade de espécimes devido à limitação de desenvolvimento de raízes. A proposta demolição do edifício da antiga Cantina (1940) é desnecessária (porque recuperável) e nefasta à colecção contígua de Plantas Xerófitas, onde se incluem dragoeiros de interesse histórico e a iuca gigante."

4. Se avance com edifícação encostada à cerca pombalina do Jardim Botânico. "Esta intenção resultaria em mais uma impermeabilização maciça e contínua em quase toda a envolvente de logradouros confinantes com o Jardim Botânico - isto inviabilizaria as intenções de manter um anel de protecção ecológica do jardim. Esta zona tampão não pode ser destruída para garantir o regime hidríco, a saúde do sistema radicular e a circulação de ar. Esta alteração radical da zona de protecção degradaria irreversivelmente o ambiente e os exemplares deste Monumento Nacional."

"Apesar de se afirmar que os propostos edifícios encostados à cerca pombalina corresponderiam a «um aumento da área do Jardim Botânico» temos de alertar que um edifício com uma cobertura em laje de betão revestida de plantas nunca cumprirá a função na ecologia urbana de um logradouro ou jardim."

5. Que o novo percurso pedonal que ligaria a Rua da Escola Politécnica à Rua do Salitre e ao Parque Mayer destrua parte da Cerca Pombalina e roube área ao jardim. "Esta proposta implicaria a destruição de largos sectores da Cerca Pombalina e retiraria áreas de colecção viva. A suposta localização deste percurso no exterior do Jardim implicaria complexas expropriações de áreas privadas. A sua eventual construção iria aniquilar a ligação do Jardim ao seu anel de protecção ecológico. O trecho inical proposto (Alameda das Palmeiras até ao topo Norte) subtrairia, ainda, um corredor de jardim, com espécies internacionalmente protegidas, apenas para dar acesso a uma galeria comercial."

6. Que se avance com o aumento das cérceas defendido para vários edifícios na Rua do Salitre. "Este problema já se constata nas intervenções mais recentes e a decorrer. A ser continuamente implementado este aumento das cérceas, o Jardim passaria a estar limitado por uma frente de edifícios que, devido à nivelação de todos os prédios pela cota mais alta, terá um efeito de muro em quase todo o seu perímetro. A circulação de ar ficaria impossibilitada e a temperatura no interior do jardim aumentaria significativamente. Esta alteração micro-climática levaria à perda de espécies, que não suportarão as novas temperaturas, diminuindo a diversidade do Jardim e o seu efeito amenizador no clima da Lisboa histórica. Outro efeito negativo seria a destruição do sistema de vistas entre as colinas de Lisboa e o Jardim."

No seu conjunto, estas medidas resultarão num jardim mais pequeno, que perde as estufas originais do século XIX, que não as vê satisfatoriamente substituídas, que tem de abdicar de áreas de colecção viva para várias novas edificações e que vê o seu clima profundamente alterado, com flutuações mais extremas de temperatura e humidade, perdendo parte do seu espólio vivo, plantas, muitas de grande porte, que não se conseguirão adaptar às novas circunstâncias.

Só um grande movimento cívico pode atenuar o que se propõe fazer. Informem-se, divulguem esta questão. Façam-se sócios da LAJB (por uma anuidade de 10€ têm acesso gratuito ao Jardim Botânico todo o ano), ajudem a criar uma plataforma cívica sobre esta questão. A LAJB, um conjunto de pessoas com vidas profissionais cheias que doam o seu escasso tempo, está a defender o que é de todos nós, precisa do nosso apoio

Ajudem a travar a violação à integridade do Jardim Botânico da Politécnica. O JB precisa de ser melhorado, apoiado, mas não pode ser esquartejado nem usado como moeda de troca da Universidade de Lisboa para conseguir o apoio da CML à recuperação do Museu Nacional de História Natural. Este jardim é Património Nacional. É altura de tratá-lo como tal.

PS- se quiser gravar os ficheiros do Plano de Pormenor basta passar na Rua do Monte Olivete, 40, Lisboa, entre as 12h e as 20h durante a semana, 10h-18h ao Sábado e trazer um DVD virgem (791 MB não cabem num CD).

5 comentários:

  1. A ideia de um estacionamento subterrâneo no subsolo do jardim...é o que mais me assusta. A pérola escondida de Lisboa deve ser tratada com luvas de seda...e aqui já há botas cardadas em demasia.

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  2. Infelizmente a proposta passou, com os votos a favor do PS e abstenção do PSD...

    Temos agora que lutar para minimizar os danos.

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  3. O plano não está aprovado, só foi aprovado para continuar o processo, agora para a CCDRLVT. Há faltam diversos passos, incluindo a discussao publica. (http://www.ionline.pt/conteudo/67222-camara-lisboa-aprova-plano-pormenor-o-parque-mayer)

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  4. Esta sim, é uma luta legítima contra um atentado contra um movimento especulativo do solo da nossa cidade, que não respeita o património cultural, natural e urbanístico, pois subverte a lógica da encosta toda entre a Avenida e a Sétima Colina. Por isto temos que lutar, folgo em ver que é uma luta com sentido, ao contrário duma tolice teimosa que este movimento levantou recentemente contra o abate de umas árvores decrépitas e de um saibro que faz pó nos sapatos. Recupereram as causas valorosas e podem contar comigo em mais este protesto, assim se mova o povo lisboeta. Aguardamos neste blog a divulgação de formas de protesto.

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