20/07/2011

Lisboa quer recuperar mais de 500 edifícios por ano

In Jornal de Negócios (20/7/2011)
Por Bruno Simões


«Capital tem 7.085 prédios em mau estado. Quer recuperá-los todos em 13 anos, através de mecanismos, como a venda forçada, que sobressaltam os proprietários


A cidade de Lisboa tem vários milhares de edifícios em ruínas, mau estado ou devolutos. Depois de se terem investido milhões de euros para reabilitar o edificado sem que tenha havido resultados substanciais, o objectivo agora é aplicar uma estratégia que torne mais vantajosa a reabilitação para que, até 2024 - nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril-, Lisboa consiga ter todos os seus edifícios em ruínas recuperados. A meta é muito ambiciosa: terão de se recuperar 545 edifícios todos os anos. Mas os proprietários não estão contentes.

Manuel Salgado, o vereador do Urbanismo, salientou anteontem, numa sessão de esclarecimento sobre a estratégia de reabilitação urbana em Lisboa, que "há um grande potencial de reutilização, de restauro e de reabilitação" nos edifícios de Lisboa, mas admite que as verbas investidas nos últimos 20 anos não cumpriram o seu objectivo: os 450 milhões aplicados resultaram na reabilitação de pouco mais de 700 edifícios.

"As obras coercivas correram mal porque são feitas sem projecto, o custo ultrapassa a previsão e depois a Câmara não tem como se ressarcir", explicou Salgado. A ideia, agora, é retirar o aspecto coercivo da reabilitação. "Só com obras coercivas e apoios financeiros não é possível dinamizar a reabilitação do edificado", sublinha o documento da estratégia.

A autarquia quer, com o alargamento da área de reabilitação urbana, tornar possível a concessão de benefícios fiscais em toda a cidade, além de acelerar os licenciamentos ou, por exemplo, tornar obrigatória a inspecção dos edifícios. Por isso, e com um financiamento, até agora, de 190 milhões de euros, espera reabilitar todo o edificado em mau estado até 2024.

Dúvidas sobre a legalidade

A estratégia, que agora está agora em discussão pública, foi mal recebida pelos proprietários, que contestam o alargamento da ARU por colocar mais mecanismos ao dispor da autarquia Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, acredita que o alargamento da ARU "vai fazer com que todos os prédios fiquem sujeitos a obras coercivas, a direito de preferência e, caso a reabilitação urbana seja sistemática, que haja lugar a venda forçada", questionando a sua legalidade.

O advogado Raul da Mota Cerveira sustenta que "em abstracto, a qualificação de toda a área consolidada de Lisboa como ARU não será ilegal", mas lembra que, nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), "a qualificação para efeitos de delimitação de uma ARU pressupõe que determinadas características estejam verificadas", como sejam "a insuficiência, degradação dos edifícios, das infra-estruturas".

Ana Ferreira da Costa, também especialista em urbanismo, sublinha que "nem toda a cidade de Lisboa apresenta as referidas características ou necessidades", como a zona da Expo. O parecer do Instituto da habitação e Reabilitação Urbana salientava também este aspecto e Manuel Salgado disse que a autarquia vai tirar da ARU o Parque das Nações.

De qualquer forma, "a definição de uma ARU pode, de facto, originar a aplicação em concreto das medidas de expropriação, venda forçada e constituição de servidões", a par de "outras menos gravosas como o são o arrendamento forçado e a realização de obras coercivas", concluem.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

O QUE É UMA ÁREA DE REABILITAÇÃO URBANA (ARU)?

É uma zona geográfica delimitada que justifica uma intervenção integrada devido ao estado de insuficiência ou degradação dos seus edifícios, infra-estruturas ou equipamentos de uso colectivo.

Uma ARU pode abranger áreas e centros históricos, património cultural classificado, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas estratégicas do município. Dentro desta ARU, qualquer reabilitação será uma operação de reabilitação urbana simples.

O QUE É UMA OPERAÇÃO DE REABILITAÇÃO URBANA SIMPLES?

Tem em vista sobretudo a reabilitação dos edificado, de forma coordenada e com execução apoiada em termos financeiros e com benefícios fiscais.

E UMA REABILITAÇÃO URBANA SISTEMÁTICA?

Trata-se de uma intervenção mais complexa e integrada de uma área para a reabilitação dos edifícios e qualificação das infra-estruturas dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva.

O objectivo é a requalificação e revitalização do tecido urbano e está em regra associada a um programa de investimento público.

Os proprietários terão igualmente direito a apoios e incentivos.

QUAL É A PRINCIPAL DIFERENÇA ENTRE AMBAS?

Quando se opta por uma reabilitação sistemática, a delimitação da área geográfica abrangida tem como consequência imediata a declaração de utilidade pública da expropriação dos imóveis existentes.

QUANDO PODE HAVER LUGAR A OBRAS COERCIVAS OU A VENDA FORÇADA?

Se os proprietários não quiserem fazer as obras que sejam consideradas necessárias ou não as concluam nos períodos fixados, as entidades gestoras das ARU podem tomar posse administrativa do edifício ou da fracção para dar execução imediata às obras. A alternativa é a expropriação com declaração de utilidade pública do prédio e posterior venda em hasta pública.

QUE DIREITOS MANTÊM OS PROPRIETÁRIOS?

Feitas as obras, o proprietário tem quatro meses para pagar o investimento à entidade gestora.

A alternativa é dar o prédio de arrendamento por pelo menos cinco anos, revertendo estas para a entidade gestora.»

4 comentários:

  1. Antes de atacarem os proprietários com ameaças e obras coercivas a CML deveria começar por expropriar os seus próprios prédios que se encontram num estado lastimável.

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  2. E foi noticiado que depois das obras os proprietários poderão actualizar os arrendamentos...10 anos depois!!!
    Ou Seja, nos casos de rendas antigas: empata-se €500 a 900 mil euros mínimo e durante os 1ºs 10 anos os senhorios pagam o investimento com ??????
    Continua tudo igual e ninguém quer é aprender com os erros do passado e decidir de forma justa e razoável.

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  3. Sosseguem meus caros !!!!
    A venda forçada prevista no RJRU estabelece que o proprietário do imóvel em causa é indemnizado pelo justo valor, o qual é apurado de acordo com o mesmo método utilizado nos processos de expropriação.
    Entre aquilo que um imóvel vale e aquilo que o seu proprietário acha que vale, mesmo que esteja em boas condições, há sempre uma grande diferença.
    De qualquer modo, se e quando a CML decretar a posse administrativa de um imóvel e o levar a hasta pública para "venda forçada", pode acontecer uma de 3 coisas;
    1ª - o imóvel é adquirido por terceiros pelo justo valor apurado por uma comissão de peritos;
    2ª a hasta pública fica deserta e a CML, na qualidade de entidade gestora de reabilitação urbana fica com a obrigação de o adquirir; e
    3ª - o imóvel é adquirido por um terceiro, mas por um valor inferior ao justo valor, pelo que a CML terá de indemnizar o proprietário (o antigo) pela diferença.
    Alguém acha que a CML vai desatar a vender forçadamente os prédios de Lisboa ???
    Antes de acreditarem nas notícias e nos "especialistas", leiam o DL nº 307/2009 ....

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