16/05/2012

Palestra. Atentados ao património lisboeta são hoje tema de conversa em Amesterdão



Recente pintura de arco do Cais do Sodré é "uma vandalização do património pombalino"

Por Ana Henriques in Público

Historiador de arquitectura profere palestra em evento do Europa Nostra, organização de defesa do património


Património lisboeta em risco" é o tema de uma palestra que o historiador de arquitectura Sérgio Rosa de Carvalho profere hoje em Amesterdão. O evento é promovido pela organização de defesa do património Europa Nostra, que visita Portugal em Junho, e conta com a presença de membros da secção holandesa do Icomos, o organismo da UNESCO responsável pela atribuição dos títulos de património mundial.
Dividindo o seu tempo entre Amesterdão e Lisboa, o activista da defesa do património conhece como poucos o pombalino e outros estilos arquitectónicos que caracterizam a capital portuguesa. E critica o tipo de reabilitação urbana que a câmara tem vindo a autorizar: "Está a matar-se a galinha dos ovos de ouro." O emprego de materiais pouco consentâneos com o estilo pombalino, como o betão, é uma das principais críticas que faz à recuperação de edifícios na Baixa - juntamente com o emprego de zinco nas mansardas, em vez da tradicional telha de canudo, ou a abertura de amplas portas nos rés-do-chão para albergar garagens. "Em nenhum país europeu civilizado é permitido destruir interiores de edifícios em bom estado, como aqui", observa, indignado, criticando o "fachadismo" que faz com que o miolo de imóveis aparentemente antigos seja, afinal, incaracterístico, por não ter havido nenhum restauro digno desse nome.
Nem o vice-presidente da Câmara de Lisboa, o vereador Manuel Salgado, nem os responsáveis institucionais pela defesa do património do país saem lá muito bem-vistos desta análise. Sérgio Rosa de Carvalho diz que o edil, que tem o pelouro do Urbanismo na autarquia, pertence a uma escola de arquitectos "criativos" que se recusa a intervir de forma discreta no património construído, autorizando capacetes de vidro em cima de prédios do séc. XIX ou demolições totais de edifícios em bom estado para os substituir por prédios novos. "Chamam-lhe renovação urbana", ironiza, dando como exemplo o desaparecimento de um pequeno palacete no número 35 da Av. Duque de Loulé, com tectos artísticos, substituído num ápice por um prédio pelo grupo Espírito Santo. Já por várias vezes o historiador de arquitectura citou uma frase do vereador (numa entrevista ao PÚBLICO) que considera emblemática do seu modo de pensar, e hoje irá fazê-lo uma vez mais: "Se formos muito exigentes com a pedrinha e com o azulejo, não conseguimos reabilitar nada."
"Em nome da confiança dos investidores, Manuel Salgado vai permitir a destruição do património que nos resta - em vez de criar uma plataforma de regras de intervenção no edificado, sem os assustar", opina. O PÚBLICO pediu à Câmara de Lisboa uma reacção sobre as opiniões do historiador, mas não a obteve.
Nem todos na Baixa têm, no entanto, a mesma visão sobre a alegada permissividade da autarquia. O social-democrata que preside à Junta de Freguesia de S. Nicolau, António Manuel, mostra-se optimista: "Desde a aprovação do plano de salvaguarda da Baixa, há dois anos, que as intervenções são feitas de forma não intrusiva, com respeito pelos materiais e pela traça original. Agora têm de ser criadas condições de conforto nos prédios, como a introdução de elevadores." Já Sérgio Rosa de Carvalho vai socorrer-se das declarações do actor Jeremy Irons, que esteve recentemente em Lisboa: "Vocês têm de perceber aquilo que têm na Lisboa histórica: uma verdadeira jóia."

3 comentários:

  1. Salvaguarda do património pombalino? Então e o Terreiro do Paço, como tem estado a ser tratado? Convém alertar a UNESCO que parece estar atenta a uma barragem no Alto Douro e distraida na Baixa Pombalina... A piada à lógica da "preocupação com o azulejo e com a pedrinha" levada à letra leva que se cometam atentados ao património classificado sem critérios.
    José Honorato Ferreira

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  2. Aquilo é obra do vandalismo mais puro e rasca. Ponto.

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  3. Este é o caminho que me parece o mais indicado para travar a destruição sistemática do património de Lisboa ( e do país): a denúncia internacional do dolo das autoridades e dos intervinientes económicos. Os promotores não podem parar por aqui mas antes subir a parada e fazer uma denúncia ainda mais massiva de forma que internacionalmente seja sobejamente sabido que o património de Lisboa está em severo risco de desaparecer e quem sãos os responsáveis.

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