27/02/2013

Câmara queria que EPUL identificasse os trabalhadores sindicalizados



A maior parte do pessoal da EPUL trabalha na sede da empresa (na foto). Manuel Salgado queria saber quais eram os sindicalizados NUNO FERREIRA SANTOS

In Público (27/2/2013)
Por Inês Boaventura

«A Comissão Nacional de Protecção de Dados pronunciou-se contra o pedido de Manuel Salgado, que se seguiu a outros feitos pelo então presidente da empresa Gebalis, que entretanto transitou para a EPUL

O vice-presidente da Câmara de Lisboa solicitou à anterior administração da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) que lhe fornecesse um conjunto de informações sobre os trabalhadores desta empresa municipal, incluindo a identificação daqueles que fazem parte das suas estruturas representativas e dos que estão sindicalizados.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) pronunciou-se contra o pedido, sublinhando que estão em causa “dados sensíveis” e que não se encontram preenchidas as “garantias de não discriminação” sem as quais a proibição de tratamento desse tipo de dados não pode ser objecto de excepção.O pedido de informações de Manuel Salgado não foi no entanto o único, nem sequer o primeiro, a chegar à EPUL. Em Novembro e em Dezembro de 2012 também Luís Natal Marques, que na altura era presidente do conselho de administração da Gebalis (uma outra empresa da Câmara de Lisboa) e que em Fevereiro deste ano renunciou àquele cargo sendo então nomeado presidente da EPUL, tinha feito dois pedidos de conteúdo semelhante.

No primeiro pedido, Luís Natal Marques solicitava que lhe fosse remetida informação “quanto à existência de estruturas representativas de trabalhadores (comissão de trabalhadores, comissão sindical ou delegados sindicais)”, e que lhe fosse dada a “indicação das pessoas que fazem parte das mesmas” e a “identificação dos trabalhadores sindicalizados e em que sindicatos”. O então presidente da Gebalis queria também que lhe fossem enviados os contratos estabelecidos com alguns trabalhadores e um esclarecimento sobre a antiguidade de um outro.

Num segundo pedido, segundo a deliberação da CNPD, Natal Marques — que em 2001 foi subdirector-geral das Autarquias Locais por nomeação do então ministro José Sócrates e antes fora vereador em Torres Vedras — dizia que não lhe interessava tanto apurar o nome de quem é sindicalizado, mas se existem trabalhadores sindicalizados. Depois disso foi a vez de Manuel Salgado solicitar vários elementos, incluindo mais uma vez o nome dos sindicalizados e dos que faziam parte das estruturas representativas dos trabalhadores, os contratos de três pessoas ao serviço da EPUL e a nota biográfica, nota cadastral, curriculum pormenorizado e portfólio dos funcionários da empresa municipal.

Luís Augusto Sequeira, então presidente do conselho de administração da EPUL (que apresentou a sua demissão em Janeiro deste ano depois de ter sido anunciada e aprovada pela câmara a extinção da empresa), não só não respondeu a Salgado e a Natal Marques como solicitou à CNPD que se pronunciasse, por ter dúvidas sobre a conformidade do pedido com o regime jurídico da protecção de dados.

Numa deliberação datada de 19 de Fevereiro, a CNPD afirma que “os dados relativos à filiação sindical são expressamente considerados dados sensíveis, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da LPD [Lei de Protecção de Dados Pessoais], que prescreve uma proibição geral do seu tratamento, tal como imposto pela Constituição da República Portuguesa”. Esta entidade sublinha que nem a Gebalis nem a Câmara de Lisboa indicam “os motivos e os fi ns para que querem aceder aos dados pessoais dos trabalhadores”. No caso da Gebalis, a CNPD destaca que, “sendo uma pessoa colectiva distinta sem qualquer relação jurídica com a EPUL, não se encontra qualquer fundamento legal que permita tal acesso”. Confrontada com esta situação, Helena Roseta (que tutela Gebalis) considerou que solicitar a identifi - cação dos trabalhadores sindicalizados “é completamente contra o direito das pessoas”. “É evidente que é informação privada que não pode ser relevada”, diz a vereadora, acrescentando que os pedidos de Manuel Salgado e Luís Natal Marques “só poderão ser um lapso por desconhecimento da lei”. Já Vítor Reis, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, diz que tudo isto “é um abuso”. “Repudiamos veementemente. Eles não têm o direito de fazer estas perguntas”, salienta. “Alguns serviços da Câmara já nos têm perguntado quantos associados temos e nós não dizemos nada”, acrescenta. Pela Comissão de Trabalhadores da EPUL, Fernando Salgueiro diz que foi informado desta situação pelo anterior conselho de administração e acrescenta que se esse órgão não tivesse recorrido à CNPD teria sido a comissão a fazê-lo. Manuel Salgado e Natal Marques não responderam às perguntas do PÚBLICO sobre este assunto


Administração da empresa dividida
A vogal da administração da EPUL diz que está em causa uma violação da lei e condena a atitude do vice-presidente da câmara. “Admito que Luís Natal Marques não estivesse dentro destes assuntos, mas estranho que o vereador Manuel Salgado tenha reiterado o seu pedido. Está num cargo público e tinha obrigação de saber que esses dados não se pedem”, critica Margarida Saavedra. “Espero que a situação nunca mais se repita”, diz a arquitecta, que já foi vereadora pelo PSD, referindo que é sindicalizada.»

1 comentário:

  1. Será possível acreditarmos na ingenuidade de Manuel Salgado?
    Se acreditarmos, o que tem o tempo esclarecido e ensinado à pessoa, dos termos em que se relacionam os agentes sociais e humanos, as empresas, as relações laborais, os recursos humanos, a vivência democrática?
    Ultrapassar, rebeldia, desafiar os limites, faz parte da tolerância que deve haver na Democracia.
    Mas no caso presente, o que estava na cabeça e no íntimo da pessoa para fazer essas perguntas?
    Seremos maldosos se pensarmos que poderia querer exercer alguma atitude menos condizente com um novo espírito que passou a existir depois de Abril de 1974?
    Nessa altura e posteriormente o que percebeu dos tempos que tem vivido?
    Ou a um arquitecto só interessa a sua profissão?
    Ingénuo?

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