29/05/2006

Especialistas divergem sobre novo plano da Câmara Municipal de Lisboa

In Público (28/5/2006)

"O PÚBLICO ouviu quatro especialistas em urbanismo: Manuel Graça Dias, João Seixas, Paulo Martins Barata e Michel Toussaint. Um único ponto comum: a avenida tem de crescer com qualidade arquitectónica. Em tudo o resto divergência.

Manuel Graça Dias, arquitecto, é o mais radical: "Está a ver os prédios novos do Saldanha? Para mim podiam ter o dobro ou o triplo da altura. Como estão são uns pudins super-inchados." Tradução: este arquitecto não se importa nada que a Avenida da República (Saldanha incluído) cresça em altura.E cresça muito, muito mais do que aquilo que está previsto no plano. "A Avenida é larga, excessivamente larga, aguenta isso, não cria problemas de luz e sombra." Além do mais a cidade precisa de se "densificar no seu miolo porque se não dispersa-se para os arredores, o que aumenta as distâncias e torna a vida de toda a gente mais difícil". Reservas de Graça Dias a este plano só, na verdade, na questão dos procedimentos. Se dependesse de si, estabeleceria pela avenida índices de construção. E depois os proprietários dos terrenos seriam autorizados a actuar, da forma que quisessem, dentro desses limites. O plano, tal como está desenhado e tal como irá na próxima quarta-feira à Assembleia da República, não funciona assim: estabelece, prédio a prédio, quanto poderão crescer, limitando fortemente a autonomia dos seus proprietários.

Paulo Martins Barata, arquitecto do atelier Promontório, pensa mais ou menos o mesmo. No seu entender, o plano municipal só peca por timidez. O problema, afirma, é que "o medo de construir em altura" leva à "destruição de terra agrícola e das periferias". À Avenida da República, diz, "falta-lhe escala, falta-lhe altura", tendo-se, ao mesmo tempo, "perdido o romantismo do boulevard" que em tempos foi: "Temos um meio termo que não é interessante." O arquitecto lança ainda outro argumento para a discussão: a avenida consumiu nas últimas décadas doses gigantescas de investimento público: dispõe de três estações de metropolitano; de uma estação de combóios (Entrecampos) que serve os arredores; foram feitas diversas obras na avenida propriamente dita, nomeadamente vários desnivelamentos, que a tornaram mais fluída. Ou seja, segundo Paulo Martins Barata tanto investimento para nada serve se a avenida não tiver possibilidades de oferecer aos privados meios que rentabilizem os milhões do erário público que ali foram gastos. E quanto ao resto - saber, por exemplo, se haverá procura para o aumento da oferta em espaço construído (habitação, escritórios) - "o mercado definirá".

Graça Dias e Paulo Martins Barata representam assim uma perspectiva algo radical, que não receia a altura. Perspectiva diferente tem outros especialistas na cidade ouvidos pelo PÚBLICO, como Michel Toussaint, arquitecto, e João Seixas, formado em gestão urbana. Este enfatiza que o plano devia estar "integrado numa estratégia global da cidade, que não está, sendo essa estratégia discutida com todos e assim aprovada". Parecendo-lhe "lógico" que se façam "esforços" no sentido de "favorecer a dinâmica económico-empresarial" daquele eixo, acha no entanto que não se deve planear apenas como forma de "gerir a pressão imobiliária, como infelizmente quase sempre acontece". Por outro lado, não lhe parece "razoável" fazer o tal "esforço" em torno do Campo Pequeno, mas sim no eixo Marquês-Entrecampos fazendo do seu epicentro não a renovada praça de touros mas sim o Saldanha. João Seixas pede ainda outra coisa: que não desapareça uma vila operária, agora totalmente abandonada, perto do Palácio Galveias. Já Michel Toussaint, arquitecto, defende que a Avenida se manter como é hoje, ou seja, "uma avenida com diversos tempos". Segundo afirma, "muito mais importante do que um plano de cérceas é que as operações tenham qualidade arquitectónica, valorizando-se o espaço público". "Isso não me parece assegurado pela Câmara Municipal de Lisboa", afirma. Por outras palavras: o plano de cérceas "é uma ideia peregrina" e "passadista". "Era o que se fazia no tempo dos modernistas", "uma espécie de ordenação fora do tempo".

Enfim, uma avenida para quatro visões diferentes. Mas entre todos um sublinhado comum: o de todas as mudanças se fazerem com qualidade arquitectónica - que é ali o que mais tem faltado
".

PF

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