In Público (28/5/2006)
"Para a próxima quarta-feira a Câmara Municipal de Lisboa tem agendada a votação do novo plano de cérceas da Avenida da República. Um plano que prevê o crescimento em altura da avenida numa área que ronda 13 campos de futebol. O plano visa configurar esta zona da cidade como um dos seus principais centros de negócios. Dez anos é o prazo definido para a execução do plano estar concluída. É também garantido pela autarquia que o financiamento público será zero - tudo ficará por conta da iniciativa privada
Chama-se "plano de alinhamento e cérceas para a Avenida da República". Irá na próxima quarta-feira a votos numa reunião da vereação da Câmara Municipal de Lisboa. E o que significa? Simples, dando um exemplo: no Campo Pequeno, logo a seguir à esquina com a avenida (no lado que faz a ligação à Caixa Geral de Depósitos e ao túnel da João XXI) há um restaurante de rodízio com sete metros de altura.
O plano admita que esse edifício (e outros ao lado) cresçam sete vezes em altura, ultrapassando os 50 metros e nivelando-se com o prédio de esquina, de um banco. Do lado oposto, na vizinhança da torre da Cosec poderá igualmente nascer outra, de altura igual.
É isto o plano. Define, prédio a prédio, do Saldanha até a Entrecampos (Feira Popular incluída), o que pode crescer e o que não pode crescer. Dizem os documentos oficiais da câmara que a cércea média (altura média dos prédios) será de 31,5 metros (dez andares). Querendo com isto significar que uns serão muito mais baixos (por exemplo os edifícios classificados, como o Clube dos Empresários) e outros muito mais altos.
A zona de maior crescimento concentrado será, precisamente, o quadrado em redor do Campo Pequeno, cuja praça de toiros, agora também transformada em centro comercial e com parque de estacionamento, foi recentemente (e muito festivamente) reinaugurada.
Assim, a Avenida da República crescerá em edificabilidade à volta de 77,3 mil metros quadrados, mais ou menos 13 campos de futebol, abrangendo o plano 44 por cento dos edifícios da avenida. Em números absolutos: será permitido que 49 edifícios cresçam. E aos proprietários daqueles que, por terem valor histórico relevante, não estão autorizados a crescer (ou seja, a valorizar-se), será oferecida uma compensação por isso mesmo, através do chamado sistema de perequação.
Tudo o que, percorrendo a avenida, pode ser considerado património será, segundo o plano, preservado. O exemplo mais notório é, porventura, o do edifício da pastelaria Versailles. O grau de conservação da avenida, no seu todo, é razoável: dos 128 edifícios analisados (em 2004), 97 (76 por cento) encontravam-se em bom estado.
A necessidade do plano é explicada nos seus termos de referência recorrendo a um estudo de 2003 sobre "Desenvolvimento económico e competitividade de Lisboa", estudo esse coordenado por Augusto Mateus (ex-ministro da Economia no primeiro governo de António Guterres, actual membro do comissariado da da câmara para a revitalização da Baixa-Chiado).
Segundo esse estudo, em Lisboa funciona em "défice" enquanto "pólo de atracção de sedes de grandes grupos internacionais". Dizem os tais "termos de referência" que "o número de localizações empresariais relativizado pelo peso demográfico da região é, para Lisboa, pouco expressivo ao nível europeu".
Dez anos para executar
Estamos aqui a falar daquilo que os códigos urbanísticos internacionais designam por zonas CBD (Central Business District). A qualidade destas zonas é um "factor fundamental" para cativar, por exemplo, a concentração de empresas com funcionamento baseado na tecnologia (portanto não industriais, por exemplo). No seu estudo, Augusto Mateus definiu claramento o eixo Marquês de Pombal/Campo Grande como uma das tais zonas CBD da cidade. Para tal carece de um "espaço público adjacente de excelência, com requisitos específicos no que se refere ao mobiliário urbano, espaço de fluxos pedonais e serviços de transportes públicos". O plano tenta ser parte desse esforço de qualificação - mas é, assumidamente, só parte, não o todo, faltando, por exemplo, uma nova planificação viária. Quanto a prazos de execução deste plano, a autarquia fala em dez anos. Do ponto do financiamento, só uma coisa é dita: gasto público zero; gasto privado todo. Poderá um dia a Avenida da República ser a Manhattan de Lisboa? Poderá, claro, porque desde que nasceu só cresceu para um lado (para cima). Condições: vontade política, rentabilidade económica, competência urbanística. E ainda outra: que o aeroporto saia da Portela. A avenida é sobrevoada por corredores de aproximação à pista. Sem isso nada feito".
PF
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