29/05/2006

Treze hectares de Lisboa vão poder ser urbanizados

In Público (27/5/2006)

"Terrenos do Estado até aqui vedados à construção, no Lumiar, Telheiras e Olivais, vão poder ser urbanizados mediante alterações ao PDM que a câmara vai promover

A Câmara de Lisboa vai discutir na próxima semana três propostas das quais poderá resultar a profunda transformação de uma área total de 13 hectares actualmente vedados à construção e que passarão a ser urbanizáveis.
Em causa estão duas alterações ao Plano Director Municipal (PDM) relativas aos terrenos da antiga Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, e a uma parcela contígua ao Instituto Geográfico do Exército, nos Olivais, bem como uma proposta de plano de pormenor para um espaço situado entre a Escola Secundária de Telheiras e a Segunda Circular.
No caso da Alameda das Linhas de Torres, a proposta de alteração ao PDM surge na sequência da reprovação camarária, em 2003, de um estudo prévio apresentado pelos proprietários dos terrenos, a sociedade BCP Leasing, que previa a construção de cerca de 50 mil metros quadrados de pavimento nos quase três hectares do antigo quartel da EPAM. O motivo do indeferimento foi a "volumeteria excessiva" e ausência de espaços verdes, sendo certo, que em qualquer caso, a aprovação de futuros projectos teria de ser precedida de uma alteração ao PDM, que classifica o espaço como sendo uma "área de usos especiais" interdita à construção.
A orientação então dada pela vereadora Eduarda Napoleão foi a de se avançar para a elaboração de um plano de pormenor que viabilizasse a mudança de usos estabelecida no PDM, contrariando a preferência dos proprietários pela elaboração de uma proposta isolada de alteração ao plano director. Passado três anos, a sucessora de Eduarda Napoleão, Gabriela Seara, volta agora à proposta de alterar o plano director, com o objectivo de transformar a "área de usos especiais" em "área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional". Nos termos da proposta subscrita pela autarca o índice máximo de utilização bruta dos terrenos, situados em frente à Quinta das Conchas, será de 1, o que significa que não poderão ser autorizados mais de 29 mil m2 de construção.
No que respeita à parcela dos Olivais que está igualmente classificada como "área de usos especiais" e será objecto de alteração ao PDM, a ideia é a de a transformar também numa "área consolidada de edifícios de utilização colectiva habitacional". Situada na Avenida Alfredo Bensaúde, entre duas zonas habitacionais - uma no concelho de Lisboa e a outra já no município de Loures - a propriedade, de 4, 2 hectares praticamente livres de construções, esteve dependente do Ministério da Defesa até que foi vendida no fim de 2002 pela Direcção-Geral do Património (DGP). O comprador foi a empresa Bencest, uma imobiliária de capitais públicos então criada pelo Governo para obstar às dificuldades levantadas pela Câmara de Lisboa à realização da hasta pública em que esses e outros terrenos do Estado seriam vendidos para reduzir o défice das contas públicas.

"Gato por lebre"
Finalmente, os 6,2 hectares que a DGP possui junto à Segunda Circular e ao Eixo Norte-Sul, do lado de Telheiras, constituem uma das maiores manchas de terrenos ainda não construídos nessa zona da cidade e vão ser objecto de um plano de pormenor que abrange uma área mais alargada de 15,6 hectares. Naquela propriedade do Estado, cuja ocupação por novas construções se encontra fortemente condicionada pelo PDM que a classifica como "área de equipamentos e serviços públicos", esteve prevista durante muitos anos a criação da nova sede da RTP, que acabou por ir para a zona da Expo.
O plano cuja elaboração vai agora ser votada deverá definir as condições em que a propriedade da DGP deixará de ser "um vazio urbano expectante não desejável", para permitir a "consolidação e continuidade do tecido urbano envolvente", conforme se lê nos termos de referência do plano, regulando também a ocupação da restante área abrangida, onde se situa a Escola Secundária de Telheiras, o Lar Maria Droste e uma zona habitacional.
A decisão de viabilizar novas urbanizações neste terrenos da Segunda Circular e nos da Avenida Alfredo Bensaúde contrasta com o teor de uma moção aprovada por unanimidade no Verão de 2000, por proposta do PSD, que alertava os potenciais interessados na sua aquisição nas hastas públicas então anunciadas pela DGP para o risco de comprarem "gato por lebre".
Esta tomada de posição resultou do facto de as bases de licitação de ambas as propriedades (10 milhões de contos [50 milhões de euros] para Telheiras e seis milhões [30 milhões] para os Olivais) pressuporem que os terrenos poderiam ser urbanizados, quando, na verdade, o PDM não o permitia.
"A câmara não procederá a alterações ao PDM de Lisboa destinadas a viabilizar empreendimentos nos terrenos citados, que agora são colocados à venda pelo Governo, através da DGP, sem prévia concertação" com o município, anunciou o executivo liderado por João Soares.


Um grande negócio no antigo quartel da Alameda das Linhas de Torres
O antigo quartel da Alameda das Linhas de Torres, que os seus actuais proprietários vão poder vender em lotes para urbanizar, foi comprado ao Estado, em 1988, por 1,5 milhões de contos [7,5 milhões de euros] - um valor que se situava muito abaixo dos preços do mercado. A entidade contemplada foi a Universitas, uma cooperativa de ensino ligada a responsáveis do Opus Dei, e o negócio só se tornou possível por os terrenos não terem ido a hasta pública. A dispensa de concurso foi feita nos termos da lei, devido ao facto de os compradores destinarem a propriedade a "fins de interesse público", como era a instalação de várias escolas de ensino superior privado. Pouco mais de um ano depois de ter entrado na posse do antigo quartel, porém, o projecto de "interesse público" começou a ir por água abaixo com o encerramento do Instituto Superior de Tecnologias da Saúde e com o desinvestimento nas restantes escolas da cooperativa. Para lá do preço que conseguiu, a Universitas e o BCP Leasing, empresa para a qual a propriedade foi transferida logo em 1999, beneficiaram de um perdão ilegal de juros da ordem dos 500 mil euros, devidos pelo pagamento em quatro prestações. A responsabilidade desse "perdão" foi do actual ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que à época era secretário de Estado da mesma pasta e que, depois de ter subscrito vários documentos em que sublinhava a obrigatoriedade da aplicação de juros a este caso, assinou um despacho conjunto, como o secretário de Estado da Defesa, que fez com que os juros não fossem exigíveis. Agora é só esperar pela alteração do PDM, fazer aprovar o loteamento na câmara, vender os lotes e fazer as contas aos lucros. J.A.C
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PF

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