07/06/2006

Arquitecto já recebeu 2,5 milhões de euros. Câmara abandona projecto de Frank Gehry para o Parque Mayer

In Público (7/6/2006)
João Pedro Henriques

"Reabilitação deverá passar agora por "recuperar
o espírito original" com que o recinto foi inaugurado, em 1922


"É um bom sinal a Câmara de Lisboa retroceder. O projecto de Frank Gehry é um desperdício de dinheiro e a sua volumetria não se adapta ao nicho do Parque Mayer. A nossa ideia sempre foi preservar o Capitólio. E por que não criar ali um jardim?"
Paulo Ferrero
Fórum Cidadania Lisboa

"Como entidade encomendadora do projecto, a Câmara de Lisboa tem todo o direito de estabelecer o programa que ali quer ver desenvolvido. Se a ideia é desistir do projecto imobiliário, mantendo o pólo de animação nocturna, aplaudo a cem por cento, porque sempre me repugnou um pouco que ali convivesse habitação com essa agitação à noite. Frank Gehry devia ter sabido integrar o Capitólio no projecto. Ele deve ser recuperado como sala de teatro, e não transformado numa peça decorativa do recinto."
Manuel Graça Dias
Arquitecto

"Este processo é uma tristeza. Agora decidem que o Frank Gehry já não é importante. Esta gente não sabe o que anda a fazer na Câmara de Lisboa. Está visto que trocaram um terreno que vale muito dinheiro, o da Feira Popular, por outro onde pouca construção se pode fazer, o do Parque Mayer. Apesar de tudo, alegro-me por o Capitólio já não ir ao ar e por não ir por diante tanta construção como a que estava prevista."
José Sá Fernandes
Vereador do Bloco de Esquerda

"Estas são novidades que indicam o abandono do projecto de Frank Gehry por parte da Câmara de Lisboa. Apesar das avultadas verbas que até hoje lhe foram pagas, o arquitecto não tem contrato assinado. Este é um recuo da autarquia que pode ir no bom sentido, mas vamos esperar para ver. Sempre considerámos megalómano o projecto de Frank Gehry."
Carlos Chaparro
Responsável pelo PCP de Lisboa

"Talvez seja melhor não se ir gastar tanto dinheiro. E a recuperação do Parque Mayer é urgente. O que é preciso é que volte a haver ali animação."
Ruy de Carvalho
Actor

O projecto do arquitecto norte-americano Frank O. Gehry para o Parque Mayer, que já custou à Câmara de Lisboa cerca de 2,5 milhões de euros, está à beira de ser definitivamente arquivado. "O que está em cima da mesa é a possibilidade de recuperar o espírito original do Parque Mayer ", disse ontem ao PÚBLICO a vereadora do Urbanismo na autarquia, Gabriela Seara. A afirmação corrobora outras feitas também ontem à Lusa pelo vice-presidente da câmara, Fontão de Carvalho. "Frank Ghery não é o único no mundo. Temos muitos bons arquitectos em Portugal com muito boa qualidade", disse o autarca, depois de explicar que a câmara quer discutir com o arquitecto norte-americano "a possibilidade de não ter um projecto tão ambicioso".
"Estamos a tentar desenvolver um novo conceito para o Parque Mayer e readaptar aquilo que existia, mas mantendo os princípios básicos, como o pólo cultural, para poder apresentá-lo ao arquitecto Frank Ghery", disse Fontão de Carvalho.
O que as declarações de ambos os responsáveis significam é que o "projecto Gehry" para o Parque Mayer está por um fio. Nada há de mais contraditório com o estilo do arquitecto norte-americano - mundialmente famoso pelo Museu Guggenheim de Bilbau - do que a ideia, agora avançada por Gabriela Seara, de "recuperar o estilo original" do recinto.

Assim, a autarquia tenciona confrontar em breve o arquitecto com a necessidade de preservar o Capitólio, edifício classificado pelo Instituto Português do Património Arquitectónico. Pretende também manter a traça original do Variedades e do Maria Vitória - embora admitindo mudá-los de lugar dentro do espaço do parque. O desafio para Gehry será adaptar o seu plano original às novas exigências da câmara municipal. Haverá, evidentemente, que conversar sobre os custos para o erário municipal deste novo plano. No caso de a autarquia os considerar incomportáveis, então o plano original elaborado pelo arquitecto será definitivamente arquivado. É este o caminho que a Câmara de Lisboa tem vindo a preparar, com sucessivas declarações dos seus principais responsáveis admitindo a hipótese de o "projecto Gehry" ser alterado. Até que se chegou à admissão, ontem, por Fontão de Carvalho, de que afinal o arquitecto da reabilitação do Parque Mayer poderá ser outro, declaração reforçada pela admissão de Gabriela Seara de que a ideia, agora, é "recuperar o estilo original" do Parque Mayer, espaço inaugurado em 1922 para ser a Broadway de Lisboa. Não foi possível obter ontem um comentário do gabinete de Frank O. Gehry à mudança de planos da autarquia.

Um projecto de Santana
A reabilitação do Parque Mayer, um espaço que a decadência do teatro de revista tornou decrépito, é algo de que se fala há muito. Santana Lopes - que ontem se recusou a comentar ao PÚBLICO as mais recentes evoluções camarárias - fez deste dossier uma das suas bandeiras enquanto presidente da câmara, no anterior mandato na autarquia (2001-2005). Foi em Janeiro de 2003 que se começou a falar na contratação de Frank Gehry para redesenhar todo o espaço. O arquitecto visitou pela primeira vez o Parque Mayer em Janeiro desse ano e em Maio aparecerem as primeiras maquetas: tudo fazia lembrar o famoso museu da principal cidade do País Basco. Três teatros com capacidade para 800, 400 e 300 espectadores, mais seis salas de cinema, um clube de jazz, uma escola de artes e espectáculos e um espaço polivalente. À mistura, um casino, que era aquilo com que Santana pretendia financiar a reabilitação do espaço.
Entretanto, a ideia do casino transferiu-se para o Parque das Nações, onde foi recentemente inaugurado. E toda a transferência da propriedade do Parque Mayer para a Câmara de Lisboa se revelou um enorme imbróglio, ainda hoje alvo de escrutínio judicial
".

Comentários:

1. É uma excelente notícia do ponto de vista orçamental, e só é pena que se tenham gasto tantos milhões com a maqueta de Gehry, com a sua vinda cá, e com a ida de pessoas da CML, lá.

2. É uma excelente notícia do ponto de vista do Capitólio. Só não se percebe como o Prof.Carmona Rodrigues que, em campanha e confrontado com a classificação do Capitólio como IIP, e o seu reconhecimento internacional, disse à TV ser o Capitólio um aspecto secundário.

3. É uma meia-boa notícia o querer-se fazer regressar o Parque Mayer aos anos 20. Nos anos 20 o Parque Mayer era um conjunto de barracões, com vaudeville de nível baixo, com tendas e ringues. Só nos anos 30 foi dado novo impulso ao parque, começando-se pelo Capitólio como pólo de reconhecido gabarito, com o seu sistema de escadas-rolantes, o seu terraço panorâmico, etc. S+o nos anos 30 e 40 as produções subiriam de nível, depois, as grandes comédias com Estêvão Amarante e Luísa Satanela, os grandes autores de revista, o cinema popular, etc., etc..

4. O teatro de revista em Portugal vive de balões de oxigénio. Além do mais, autores como César de Oliveira já não existem, os textos desceram da piada política e picante para a porno-chachada. O ambiente não é de revivalismo, mas de decrepitude. Por isso, um Capitólio em pleno, recuperado conforme projecto original de Cristino da Silva, com exploração mista (cinema por protocolo com a Cinemateca, por exemplo, e teatro, de revista ou não) e em sintonia com o São Jorge, é a melhor solução para centro (e não acessório) do futuro Parque Mayer.

5. E centro de um jardim. É essa a melhor opção para o local sob todos os pontos de vista (lógico, financeiro, qualidade de vida): um jardim!

Um jardim que prolongue e projecte o Jardim Botânico até à Avenida. Um jardim que teça uma malha cultural, desde a Avenida, Restauradores e Torel, até à Praça da Alegria (Riz Clube, Hot Clube) e Príncipe Real. É isso que defendemos, tal como outros.

Não há que ter vergonha em copiar as boas ideias de terceiros! Vamos ao jardim?

PF

1 comentário:

  1. Uma vergonha e uma exibição de alta incompetência........diria.
    Com esse dinheiro tinha-se recuperado uma das pérolas escondidas (e abandonadas) de Lisboa, ali a 20 metros....o Jardim Botânico. O tal, para o qual, ainda há pouco tempo faltavam verbas para a conta da água (!). Para a conta bancária do Sr. Gehry, e para uns tantos outros fazerem “turismo” gratuito de qualidade, não houve problema. Até quando vamos aceitar barretes destes? e até quando vamos dar "carte blanche" a incompetentes deste nível?


    Julio Amorim

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