In Público (23/11/2006)
José António Cerejo
"Medidas para proteger alta velocidade anunciadas horas depois da aprovação de projecto polémico
O Governo anunciou ontem à tarde que vai decretar um conjunto de medidas preventivas para impedir a aprovação de loteamentos e a realização de obras em locais que possam vir a afectar a construção da terceira travessia sobre o Tejo e da linha do TGV na zona de Marvila. O anúncio foi feito pela secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, horas depois de a Câmara de Lisboa ter aprovado o loteamento da antiga Fábrica Nacional de Sabões.
A decisão camarária, aprovada com os votos contra do PS, PCP e BE e com a abstenção de Maria José Nogueira Pinto (CDS/PP), provocou um aumento substancial e automático dos valores indemnizatórios que o Estado terá de pagar por uma eventual expropriação dos terrenos. A intenção da maioria camarária era conhecida há várias semanas, pelo que as medidas anunciadas pelo Governo chegaram tarde de mais, no que toca àqueles 11 hectares.
A hipótese de o projecto vir a colidir com um dos dois traçados em estudo para os acessos à futura ponte Chelas-Barreiro foi conhecida no dia 2 deste mês. Nessa altura a proposta de aprovação não chegou a ser votada, mas os vereadores da oposição alertaram para esse risco e anunciaram que votariam contra. Em resposta, a vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara, sustentou que o loteamento respeitava todas as servidões consagradas no Plano Director Municipal e preenchia todos os requisitos legais, pelo que não restava outra alternativa senão aprová-lo. "Eu não posso impedir o licenciamento apenas com base num estudo", disse, aludindo a um estudo que a Refer ainda tem em curso e admite a possibilidade de ali passar o TGV. Na mesma ocasião sublinhou que só o Governo é que podia fazer alguma coisa para travar o projecto, decretando as medidas preventivas que permitissem indeferi-lo.
Passados 15 dias, a secretária de Estado dos Transportes e o ministro Mário Lino apelaram na Assembleia da República à "solidariedade" da câmara para que esta não aprovasse quaisquer projectos que viessem a onerar a construção da futura ponte, afastando a possibilidade de avançar com as medidas preventivas reclamadas pela autarquia.
Ontem de manhã, o projecto da Lismarvila, uma empresa ligada ao grupo Obriverca e ao empresário Eduardo Rodrigues, foi finalmente aprovado, com o voto de qualidade de Carmona Rodrigues. Pouco depois, o gabinete de Ana Paula Vitorino fez saber que o Governo vai decretar as medidas preventivas para aquela zona "o mais brevemente possível". A secretária de Estado precisou que as medidas vão avançar "imediatamente" e que serão "muito mais abrangentes do que deveria ser se já estivesse definida a solução para a alta velocidade". Uma fonte do seu gabinete manifestou estranheza perante a decisão camarária e disse que a secretária de Estado a considerava "incompreensível" face ao pedido de solidariedade do Governo.
"O que o Governo nos pediu em termos de solidariedade não me era permitido por lei", comentou Gabriela Seara. Quanto à decisão ontem anunciada, afirmou: "Neste caso [da Lismarvila] as medidas preventivas vieram tarde de mais. Se o Governo o tivesse feito há 15 dias já não teria que somar este projecto às pré-existências" que se encontram construídas ou aprovadas no traçado e que terão de ser indemnizadas.
Garantindo que o Governo não deu à câmara qualquer indicação no sentido de que ia avançar para as medidas preventivas, a vereadora assegurou que, se o tivesse sabido, teria retirado a proposta antes da sua aprovação. "Assim como não aprovarei mais nada a partir de agora para essa zona, ainda que as medidas não tenham sido publicadas, não teria aprovado esse projecto por uma questão de bom senso."
Gabriela Seara confirmou que a aprovação do loteamento valorizou os terrenos, uma vez que consolidou os direitos de construção previstos no PDM. Mesmo assim, acrescentou, as m edidas preventivas são "úteis", porque "permitirão suspender um conjunto de operações urbanísticas em curso nos dois traçados".
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