10/11/2006

Uma esperança interrogada

Quando, há algum tempo e em clima de certa euforia, se falou da candidatura da Baixa dita pombalina a património mundial, armei em Velho do Restelo: no jornal onde então escrevia, formulei o desejo de que, antes disso, os lisboetas a considerassem de facto como património seu; só atingido esse indispensável patamar, poderíamos pensar em a impor ao mundo.

Baseava-me na experiência própria. Vim de um tempo em que as minhas avós “precisavam urgentemente” de ir à Baixa para comprar um simples carrinho de linhas; vivo numa época em que muito alfacinha comum foge das ruas geométricas do centro citadino como o diabo da cruz, só as procurando quando se torna forçoso tratar de assunto inadiável em ministério, banco ou escritório com sede naquelas paragens.

As razões do abandono têm sido amplamente dissecadas e poupo-me, por isso, a repeti-las. Bastará talvez lembrar que, em termos de segurança, o senhor presidente da Junta de Freguesia de São Nicolau alvitrou há dias, nestas colunas do DN, ser forçosa a instalação de 32 câmaras de vídeo para vigilância das ruas. Chegará, possivelmente, informar que, na semana passada, vários pares de olhos viram, em pleno dia, um sujeito vertendo em boa paz os seus líquidos orgânicos contra a parede do Teatro Nacional, do lado do Largo D. João da Câmara, a escassos metros de uma esquadra de polícia.

Sendo estes os factos, um cidadão - que não é urbanista nem engenheiro nem arquitecto nem coisa nenhuma que vá além de amante fervoroso e, tanto quanto possível, atento da terra onde nasceu e vive – só pode encarar com simpatia um plano sério de revitalização da Baixa. E sentir crescer a esperança quando verifica que a proposta, não reunindo embora a unanimidade, suscitou algum consenso na Câmara e mesmo entre a autarquia e o Governo.

Começa, pois, devagarinho, a esboçar-se a pergunta: será desta?

É claro que muitas interrogações acodem logo a seguir, sobretudo a quem já reage nestas coisas como gato escaldado diante da água fria. Assim, 1145 milhões de euros (porque não 1147, que sempre era a data da reconquista da cidade?) parece muita fruta para quem tem os pomares carecas... O regresso dos moradores às zonas hoje entregues aos serviços será feito com que política de rendas? O Terreiro do Paço, mesmo ganhando em comércio digno sob as arcadas, manterá a sua vocação de sede do poder? E deixará de ser pista folclórica? O retorno do mercado à Praça da Figueira não será, quase 60 anos depois da demolição, uma ideia peregrina? Vão desaparecer os
acrescentos feitos a martelo em muitos prédios das ruas nobres? O Rossio voltará
a ser a nossa sala de convívio, da qual tivemos uma amostra (levada a cabo por
estrangeiros) durante o campeonato europeu de futebol?

Estas e muitas outras seriam perguntas do alfacinha comum. De resto, para já, os votos vão para que o plano siga em frente e seja executado por técnicos que, além da competência, possuam uma qualidade pelo menos tão importante como essa: gostem muito de Lisboa.

Por mim, arranjaria uma multidão de clones do Arquitecto Ribeiro Teles.

Appio Sottomayor

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