In Correio da Manhã (31/1/2008)
«A questão do combate à corrupção volta à ordem do dia, em discursos e análises. Ainda bem. Convenhamos que só por si discutir a coisa é sempre tão interessante quanto inútil. E fazer acompanhar a discussão de exemplos é igualmente interessante, porém igualmente inútil. Anuncia-se pacotes legislativos, o reforço da criminalização e cria-se comissões (ou sem meios ou tão longe das realidades que nem lhes chegam). Medidas igualmente interessantes, bem intencionadas e todavia... só por si inúteis. Explico-me: o bicho não morre assim, nem chega a encolher-se, quase lhe sabe a afago.
Só se atinge mortalmente a corrupção se não se lhe der de comer. E de que vive o bicho? Bom, o bicho vive da falta de transparência e da falta de simplicidade: aí onde houver uma legislaçãozinha obscura, muitos regulamentos – de preferência incompreensíveis – umas quantas circulares e um toque de discricionariedade qb é onde o bicho pasta.
Indo a exemplos: não há razão para os licenciamentos, nas zonas onde existem planos de pormenor ou planos de urbanização, não tramitarem todos praticamente só informaticamente: ou cumprem ou não cumprem, está lá tudo definido, a decisão é objectiva e não tem por que demorar mais de 48 horas. Também não há razão para o cálculo das taxas para realização de infra-estruturas urbanísticas não exigir senão uma folha de Excel, não é? E já agora um regulamento clarinho sobre a alienação de complementos de lote e outro de permutas... e decisões com base em cálculos que só iluminadas cabeças de chefias conhecem... “jamais”.
Assim sim, tira-se alimento ao bicho. Acaba-se-lhe com o pasto. De outro modo será inútil o cansaço que chega a doer no combate às situações que alimentam o bicho, como inútil será a luta que nos revela muitas vezes e de forma inesperada rostos que deviam estar ao nosso lado mas ou nunca estiveram ou simplesmente não quiseram expressamente estar.
Em pleno dia de abertura do ano judicial e sob o vendaval que a discussão do combate à corrupção sempre causa, mansa, mansamente, o primeiro-ministro fez, por ora, uma mini-reestruturação. Não por acaso (o ministro Mário Lino mantém-se, o que significa assumir que quer a Ota quer agora Alcochete são responsabilidade do primeiro-ministro).
A discussão do combate à corrupção tende sempre a ofuscar o resto. E Sócrates sabe-o muito bem. A Oposição pelos vistos não.
Paula Teixeira da Cruz»
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