25/08/2008

Vinte anos depois do incêndio. Chiado atirou decadência pela colina abaixo

In Público Online (25/8/2008)
Ana Henriques

«Quem desce a Rua do Carmo, em Lisboa, repleta de lojas para a classe média, não pode deixar de bater com os olhos nos reclamos fluorescentes à entrada do Rossio. Na esquina de uma das praças mais nobres da cidade há cuecas de homem a dois euros e soutiãs a menos de quatro, num local até há pouco tempo ocupado por uma tabacaria. Tal como lá em cima, no Largo do Chiado, as etiquetas dos preços são o que mais prende a atenção dos transeuntes. E no entanto dificilmente podia ser mais flagrante o contraste das vitrinas da casa Hermès, primorosamente forradas a flores, com as montras do supermercado de lingerie do Rossio.

Cá em cima o vestido pérola de costas em V, rematado por uma barra azul, suscita exclamações de espanto. Não é pelo corte, nem pelo tecido. É que custa quase três mil euros. Na Cartier, uns metros abaixo, há colares a 39 mil. Cá em cima, no Chiado, faz hoje 20 anos que um comércio em parte decadente serviu de pasto às chamas, e é também por isso que os preços subiram em flecha. Como os escombros que atulharam as ruas depois do incêndio, também a maioria dos sinais de decadência do Chiado foram atirados colina abaixo.

Hoje, perante a crescente dinâmica do Chiado, há quem lamente que as labaredas não tenham resgatado também a Baixa ao seu torpor. O homem que fez renascer o Chiado das cinzas, Siza Vieira, lamenta que a revitalização do centro da cidade continue por acontecer, apesar de todas as promessas: "A recuperação que fiz foi apenas de 22 edifícios, e não do centro histórico. Foi muito pouco. A Baixa devia estar cheia de vida, mas à noite morre".

O arquitecto sabe como o seu renascimento faz falta ao Chiado, e acredita que um dia ele sucederá, como já aconteceu em Barcelona e noutras cidades europeias. Sabe também que nem tudo correu bem lá em cima, por muito que o luxo encha o olho a quem passa. "Os preços do Chiado são um entrave tremendo", admite. "As rendas são caríssimas. Não se encontrou um meio jurídico de as controlar". Resultado? "Algumas casas são habitadas permanentemente. Outras pertencem a pessoas de fora de Lisboa", que as deixam vazias grande parte do tempo. O administrador de um banco pagou um milhão de euros por um apartamento num último andar na Rua Garrett. É dos poucos habitantes que não se queixam da falta de estacionamento, porque o edifício tem parque. Mas se quiser um produto de primeira necessidade, terá que descer à Baixa ou subir a Santa Catarina.

Neste Chiado renovado não há espaço para mercearias nem para supermercados. Almoça-se nos restaurantes. Jantar nem tanto, que a vida nocturna ainda não passou por aqui. Os horários do comércio são outro problema, aponta Siza: "As lojas fecham quando as pessoas chegam ao Chiado", depois de saírem dos empregos. Já foi pior: hoje é possível encontrar estabelecimentos abertos até às 20h00. A partir dessa hora começam a chegar os sem-abrigo e o local torna-se corredor de passagem, porque todos os caminhos vão dar ao Bairro Alto. Ou melhor, quase todos: um dos bares mais exclusivos de Lisboa, o Silk, nasceu há pouco tempo na fronteira entre o Chiado e o Bairro Alto, no último andar do centro comercial Espaço Chiado.

Com menos glamour, o centro comercial Armazéns do Chiado foi, juntamente com a estação de metro, um dos grandes contributos para a revitalização depois do incêndio. Siza Vieira já se conformou, apesar de não terem sido estes os seus planos: "O edifício dos antigos armazéns era para ser todo ele um hotel. Espantou-me na altura não haver uma empresa portuguesa que pegasse na ideia".

FNAC é pólo de atracção

No centro comercial, pegado ao qual foi construída uma pequena unidade hoteleira, é sobretudo a FNAC que atrai a clientela. "É um dos factores de animação do Chiado", reconhece o arquitecto, secundado pelo professor universitário João Seixas. O investigador fala dos "conteúdos cosmopolitas" que esta multinacional da cultura trouxe para a zona e da operação de reabilitação encabeçada por Siza, "coordenada pelos poderes públicos", para chegar à conclusão de que o renascimento do Chiado é um caso de sucesso.

A identidade do local contribuiu para isso: "Apesar da gravidade do incêndio, o Chiado teve músculo para se manter vivo".

Mas é este o Chiado que queremos? João Seixas admite riscos: "Um dos maiores é o da turistificação e da banalização". Os centros históricos demasiado virados para agradar ao turista acabam por parecer-se todos muito uns com os outros. É preciso que os governantes da cidade apoiem o comércio tradicional e de proximidade, aquele que pode fazer a diferença. "A prioridade do Chiado deve ser o usufruto dos lisboetas", frisa.

Os turistas virão por acréscimo. Há quem veja neste novo Chiado um claro caso de gentrificação, com os seus velhos habitantes a serem substituídos por uma nova camada abastada de residentes e lojistas. "Num espaço com estas características é inevitável", observa João Seixas. "Não vejo mal nenhum nisso".

Vinte anos depois das chamas, Siza vai agora completar a reconstrução, ligando um pátio das traseiras da Rua do Carmo ao Convento do Carmo. O elevador do metropolitano para a Rua Ivens também será uma realidade, assegura o arquitecto. "A renovação de toda a zona em seu redor vai conferir ao Chiado o seu papel de zona central, nuclear da cidade".

João Seixas também acredita no futuro: "A Baixa é uma Bela Adormecida à espera de que um beijo a desperte".»

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Descontando algumas lojas então desconhecidas do Portugal cinzentão, a verdade é que a famosa recuperação do Chiado é um meio-sucesso. Arquitectonicamente, a maior parte das lojas viraram imensos espaços esterilizados, de tão minimalistas, descaracterizadas por aquelas montras altas (totalmente aberrantes para aquela zona), e os pátios interiores 'à la' Siza (nem sequer acabados) nunca funcionaram nem funcionarão, dada a apetência lusitana em torná-los urinóis públicos. A reabertura do eléctrico 24 é uma miragem, e continua a dar-se primazia ao pópó (vem aí mais 'fúria parquista' - PREPAREM-SE!), contra tudo o que é exemplo em centro histórico na Europa civilizada com que nos gostamos de comparar (onde, por exemplo, cafés e restaurantes forrados a ladrilho de w.c. e fotos de menús - onde pára a Pastelaria Ferrari? - ou a continuada não pedonalização do Largo Bordalo Pinheiro são impossíveis de encontrar).

Contas finais, quem ficou a ganhar foi quem ganhou a indemnização ao fim de um processo legal totalmente patético. Nunca se chegou a saber como surgiu o fogo. Os bombeiros foram severamente bloqueados no acesso ao fogo via Rua do Carmo, muito por culpa da aparvalhada esplanada que Abecassis ali permitiu que se fizesse, com canteiros feitos de cimento, etc. Quanto à habitação vs. escritórios tudo como dantes. Em relação aos sótãos repletos de porcarias, tão falados então, e bem, como sendo o rastilho para incêndios graves, a verdade é que tudo deve estar como então... apesar de todos os conselhos dos bombeiros, basta olhar para os últimos andares de uma série de prédios na Baixa.

Alguns metros abaixo, continuamos a ter uma Rua Augusta e um Rossio que são duas tristezas pegadas, só assim não acha quem não os frequenta.

Quanto à 'recuperação' dos Armazéns do Chiado, valha-nos 'Santa FNAC'.

2 comentários:

  1. E mail ou bem, o Chiado é disputado por marcas nacionais e internacionais.

    Num país em que o comércio apenas inova nos centros comerciais, este é um ponto positivo.

    O Chiado, neste momento, é a continuação da Avenida da Liberdade, em termos de coomércio de qualidade, menos institucionais e mais criativo e fora do mainstreem. Aqui competem as marcas a ver quem é o mais criativo e inovador.

    Um bom prenúncio para um cluster de turismo cool, em conjunto com o Bairro Alto, que tem vindo a ser noticiado em muita imprensa estrangeira.

    Não é tudo, mas já é qualquer coisa.

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  2. IN TSF:

    O arquitecto Siza Vieira rejeitou as críticas que têm sido formuladas sobre a reconstrução na zona do Chiado e lembrou que para concretizar esta reconstrução foi necessário ultrapassar vários problemas jurídicos.
    Ouvido pela TSF, o responsável pela reconstrução do Chiado após o grande incêndio de 25 de Agosto de 1988 considerou que os críticos desta obra têm «falhas de memória», porque um processo como estes é sempre demorado.
    «A reconstrução dos Armazéns do Chiado e do Grandella estive retida na sua conclusão durante muito tempo, porque estava em tribunal. Para além dos problemas técnicos e de construção, os maiores problemas foram de ordem jurídica e de propriedade», explicou.
    Depois do Chiado, o arquitecto defende que é necessário uma recuperação urgente de toda a Baixa de Lisboa, obras que Siza Vieira prevê mais complicadas do que aquelas que tiveram de ser feitas após o grande fogo de Agosto de 1988.
    «Essa recuperação vasta é que vai dar o envolvimento e a densidade que permite ao próprio Chiado levantar a sua movimentação, porque o que se passa num sector da cidade não diz respeito só essa sector», adiantou.
    Para Siza Vieira, «há toda uma gama de ligações que dão lugar à complexidade e à densidade da vida urbana» nesta recuperação da Baixa lisboeta que o arquitecto sublinhou ser «urgentíssima por razões de segurança».
    Em 20 anos, o valor das casas no Chiado subiu mais de 100%. Nos dias de hoje, o preço do metro quadrado pode chegar aos 7 mil euros e há quem pague meio milhão de euros por um pequeno T1. A crise não se sente.
    Muitos investidores aproveitaram a reabilitação pós-incêndio para fazer negócio: compraram os edifícios destruídos por meia-dúzia de tostões e começaram a desenvolver um mercado destinado à elite.
    A moda de ter casa no Chiado pegou e agora a procura é superior à oferta. É difícil encontrar casas para alugar ou para venda em 2ª mão. O mais comum é a placa a dizer "Apartamento de Luxo".
    Quem está no ramo diz que não é só a vista, o comércio ou os teatros que servem de "isco". Quem tem dinheiro encara a compra como um investimento para o futuro porque daqui a meia dúzia de anos a capacidade do bairro esgota e os apartamentos vão valer ouro.
    O Incêndio no Chiado destruiu algumas das lojas de maior prestígio de Lisboa. 20 Anos depois as casas de luxo juntaram-se ao comércio tradicional num esforço para devolver ao Chiado o estatuto de montra da capital.

    O processo de recuperação do Chiado está concluído. Quem o diz é o arquitecto Manuel Salgado, vereador do Urbanismo na Câmara Municipal de Lisboa CML) e responsável pela recuperação da zona Baixa-Chiado desde 2007.
    As atenções centram-se agora na zona da Baixa que, segundo Manuel Salgado, está «em situação crítica» devido aos muitos edifícios devolutos que se encontram naquela zona da capital portuguesa. Ouvido pela TSF, o vereador adianta que há um grande receio de que ocorra uma «catástrofe» semelhante à que aconteceu no Chiado.
    Uma das propostas defendidas pela CML para a recuperação desta zona alfacinha passa pela suspensão do actual Plano Director Municipal (PDM), de modo a permitir o avanço de alguns projectos.
    À TSF, Manuel Salgado justificou o porquê da necessidade de alterar o PDM e adiantou algumas das alterações feitas ao plano traçado por Maria José Nogueira Pinto como, por exemplo, «desenvolver em separado a reabilitação da Baixa» da recuperação da zona ribeirinha e do Terreiro do Paço, que passaria a estar sob responsabilidade do Governo, através da Sociedade Frente Tejo.
    Para Manuel Salgado, a recuperação da Baixa pombalina é «um projecto a longo prazo, um projecto de uma geração, a 20 anos». Ainda assim, o arquitecto espera que no final de 2009, o processo de recuperação da Baixa já esteja «em fase de cruzeiro».

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