In Público (15/8/2009)
Ana Henriques
«Ex-vice-presidente do Instituto do Património admite risco de descaracterização. Assunto foi remetido para a Câmara de Lisboa
O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) arquivou o processo de classificação do bairro do Arco do Cego, em Lisboa, uma pequena aldeia de vivendas entre o Campo Pequeno e a Praça de Londres.
O bairro dos anos 30 não tem sido imune a transformações menos criteriosas por parte dos proprietários das casas. Mas o estatuto que adquiriu em 2007, quando ficou em vias de classificação, tinha como objectivo evitar mais desmandos urbanísticos. Quando um imóvel ou um conjunto de imóveis entram nesta categoria ficam sujeitos às mesmas restrições que os edifícios já classificados.
As alterações aos projectos originais das moradias periféricas do bairro, "que receberam sedes de empresas e que assim geraram efeitos urbanos negativos, tais como a utilização do espaço público para estacionamento", foi um dos argumentos usados pelo conselho consultivo do Igespar para recusar a protecção.
Presidido pelo director do instituto, o órgão de aconselhamento do Igespar é constituído por um painel de notáveis e chamado a pronunciar-se nos casos mais "bicudos". Dele faz parte, por exemplo, Tomás Taveira. Assinado pelo arquitecto Vasco Massapina, o parecer sobre o Arco do Cego defende que "uma classificação não garante, por si só, a manutenção do património em melhores condições, e não evita as alterações negativas"; e que pode mesmo criar "um ónus impeditivo de intervenção" nos imóveis. Por outro lado, "as classificações não se devem banalizar". Os notáveis aconselham a câmara a elaborar um regulamento urbanístico que crie limitações "quanto às condições de uso, de volume e de estética". A autarquia poderá ainda classificar o conjunto como sendo de interesse municipal, adiantam.
O ex-vice-presidente do Igespar, Paulo Pereira, teme que o bairro se descaracterize gradualmente, caso o município não aja. E isto não significa proibir toda e qualquer obra nas antigas vivendas, salienta, mas sim exigir projectos de qualidade, que respeitem as características do bairro e dêem ao mesmo tempo condições de conforto aos novos habitantes. "Aquelas casas são muito acanhadas", reconhece. Paulo Pereira entende que o arquivamento do processo pelo Igespar é um erro: "Só devia ter sido feito se existisse uma perda irremediável do bem a proteger. Espero que a câmara assuma agora a responsabilidade que o instituto não assumiu".
"A partir de agora podem começar as demolições para construir casarões modernos", critica Paulo Ferrero, do movimento cívico Forum Cidadania. Fernando Jorge, do mesmo movimento, salienta tratar-se de um bairro "unico no país, apesar da descaracterização que já existe nalgumas zonas". E conta que já assistiu a demolições e reconstruções mesmo depois de o bairro ter ficado em vias de classificação.
"A classificação era uma velha aspiração de muita gente", explica o presidente da Junta de Freguesia de S. João de Deus, Rui Pessanha da Silva. O autarca também está entre os que lamentam a decisão do Igespar: "Nunca sequer contactaram a junta, apesar de termos sido uma das entidades que lhes propôs a classificação". E deixa um recado: "Se houve modificações nas vivendas originais a culpa é da câmara, que o permitiu".
Promessas de salvaguarda versus realidade
«Apesar do arquivamento do processo de classificação do bairro, o Arco do Cego não fica entregue à sua sorte, garantem a Câmara de Lisboa e o Igespar.
O vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, assegura que nada de mal acontecerá no Arco do Cego, apesar de já ali terem sido cometidos no passado "verdadeiros atentados". Isto porque "já existe há três anos um regulamento camarário" para impedir obra descaracterizadoras. Por outro lado, a autarquia "vai avançar rapidamente com a classificação do bairro como valor concelhio". Já o director do Igespar, Elísio Summavielle, explica que o bairro ficará incluído na zona de protecção do liceu Filipa de Lencastre, que vai ser classificado, pelo que qualquer obra ficará sempre sujeita a parecer prévio do Instituto do Património.
Mas se há três anos que existe um regulamento que protege o local e se, ainda por cima, o bairro usufruiu do regime de protecção dos bens em vias de classificação durante dois anos, como se explicam recentes demolições e obras que transformaram pequenas vivendas airosas em excrecências urbanísticas? E algumas marquises, que mais parecem saídas de bairros clandestinos? O vereador não sabe explicar, não conhece o bairro caso a caso. Admite que possam ter sido obras feitas com licenças antigas. É Elísio Summavielle quem dá uma pista: os precedentes. "Quando há precedentes complicados [obras descaracterizadoras] deixamos de ter argumentos para chumbar um projecto". Se um morador adulterou uma vivenda, ao vizinho do lado assiste o mesmo direito.
O director do Igespar explica que uma eventual classificação iria premiar também as marquises e os andares construídos a mais, uma vez que o instituto não pode obrigar os proprietários a repor a traça original das casas. "O bairro está completamente adulterado", faz notar. "Não obedece aos critérios de autenticidade e excelência que exige a classificação". É provável que este seja o primeiro de muitos casos de imóveis que se encontram há anos no Igespar à espera de protecção, e que entretanto foram perdendo as suas características.
Pois, eu acredito mesmo no sinistro Salgado. É daquelas pessoas que basta ver a cara e o descaramento.
ResponderEliminarPois é....manter todas as bolas no ar ao mesmo tempo. Entretanto, a cidade é descaracterizada a alta velocidade. Assumir posições e decidir para o futuro?
ResponderEliminarTambém não será de excluir uma investigação sobre os interesses dos ateliers dos digníssimos arquitectos que integram o conselho cunsultivo do igespar e que os leva tomar esta decisão.
ResponderEliminarA argumentação do presidente do IGESPAR para a não classificação do bairro é extraordinária. Como houve alguns imóveis que foram descaracterizados, a solução é deixar que a descaracteirazação continue, que se assista ao regabofe de cada qual fazer o que bem entender. Não seria preferível estabelecer regulamentos por forma a evitar que situações reprováveis deixem se possam repetir?Pelos vistos é preferível que as casas continuem a ser descaracterizadas sem a intervenção dos poderes públicos. Parece ser esta última solução, aquela que mais agrada ao presidente do IGESPAR e eventualmente da CML. Lamentável.
ResponderEliminarLOBO VILLA ,19-08-09
ResponderEliminarA notícia em si é uma "conversa de comadres" que infelizmente não estão "zangadas",portanto "a verdade não se descobre",na notícia.
Para quem conheça o dito Bairro sabe que ele está a ser adulterado desde os anos 70,e,classificá-lo em 2007 já foi um absurdo .(Mas valia a pena apurar os responsáveis deste "regabofe"...).
Ao menos,no meio destes pachos quentes,Elísio Summvielle é directo: "o bairro está totalmente adulterado", que é quási verdade.
Já nem merece ser "classificado" mas tb não merece ser "desclassificado" por ainda haver casas originais(anteriores aos anos 30,exemplares importantes!) e por um certo ambiente restante do "bairro".
Que fazer então ?
Óbviamente a CML criar um regulamento urgente e "de excepção" para manter o histórico que resta(junto com o Liceu Dª Filipa ),criando incentivos(isenções)para obras de reintegração,claro sem abdicar de demolições exemplares (de "marquises"...para começar).
E...valha-nos Sta Bárbara !