28/02/2010

O Teatro de Garrett

In Sol Online (28/2/2010)
Por Sónia Balasteiro

«Sobre a praça do Rossio, ele ergue-se, majestoso e romântico, hipnotizando olhares que vieram de longe. Se Passos Manuel, por alguma confusão dos séculos, voltasse à Baixa lisboeta, ficaria feliz

Almeida Garrett, por seu lado, decerto não disfarçaria o orgulho pela obra de que o incumbiu aquele chefe de Governo. Não apenas da beleza da arquitectura exterior, que sobreviveu ao incêndio de 1964, mas da intensa programação do Teatro Nacional Dona Maria II, que cumpre os seus desígnios quase dois séculos depois.

Para entender tais desígnios, nada melhor que viajar pelos cantos do teatro de Garrett (oficialmente chamado D. Maria II, por ter sido inaugurado por ocasião do 27.º aniversário da monarca, em 1846), e ouvir as suas memórias.

No átrio neoclássico, contíguo à biblioteca especializada em teatro (com 10 mil volumes) e ao antigo botequim do século XIX - actual bar -, encontra-se o busto do escritor e político que o concebeu entre nuvens de polémica. Polémica de equação fácil (e sempre actual): houve um concurso público para a construção de um espaço onde, cite-se a portaria régia, «decentemente se pudessem representar os dramas nacionais».

Não havendo vencedores, Garrett, então à frente de tudo o que eram artes dramatúrgicas, entregou a incumbência ao arquitecto italiano Fortunato Lodi . Águas passadas, relevadas pela capacidade demonstrada pelo talentoso Garrett de colocar a 'Arte Nacional' ao lado das grandes da Europa Romântica. Feito, mais que cultural, político. Além disso, o Teatro Nacional não terá perdido na equação.

Sobre os escombros do Palácio dos Estaus, antiga sede da Inquisição devastada, também ela, por um incêndio, Lodi projectou um teatro digno da mais fina flor da sociedade portuguesa de Oitocentos: era afinal de ostentação que se tratava. Ir ao teatro significava poderio e a peça em cena era apenas um pormenor do acto.

Daí que a visibilidade de muitos dos camarotes fosse óptima... para os outros camarotes e não tanto para o palco de estilo italiano que domina a Sala Garrett. «O bastão e o leque funcionavam então, entre damas e cavalheiros, como o actual telemóvel», sorri Rui Pacheco, do Serviço Educativo do teatro, concentrando a atenção no enorme palco, agora preparado para Turismo Infinito, peça que chegou do Teatro Nacional de S. João.

«A grande novidade trazida pela reabertura do Teatro Nacional, em 1978, foi a mecânica de cenas. Uma placa giratória permite elevar e descer plataformas conforme as necessidades», explica Deolinda Mendes, relações públicas. Encaminhamo-nos para o Salão Nobre, com vista para o Rossio. Hoje sala polivalente, ali acontecem apresentações, homenagens, espectáculos.

Nas paredes, vive também a memória do Teatro em nomes de personalidades e sociedades artísticas, como a Companhia Amélia Rey Colaço, que aqui permaneceu entre 1929 e 64. Nos tempos faustosos, damas e cavalheiros reuniam-se no Salão Nobre, nos demorados intervalos das peças. Nesse tempo, explicam-nos, o bar - hoje palco independente - estava directamente ligado ao salão.

Lá fora, os transeuntes passam, alheios a quem os observa. Se fosse dia de espectáculo, não. Os 420 lugares da Sala Garrett seriam facilmente ocupados ou, mais facilmente, os da Sala Estúdio, mais afoita a projectos independentes. Se Almeida Garrett estivesse vivo ficaria orgulhoso. »

...

Também orgulhoso ficaria Garrett com o que o inefável ex-ministro fez à sua (e "nossa") casa em Santa Isabel, sob o olhar complacente da CML, MC, PM e demais sumidades. Pessoalmente, creio que o melhor legado actual do poeta passa pela atribuição do seu nome à melhor pastelaria do concelho, senão do país, e que tem sede no Estoril. Vivam os russos, os quadradinhos de moka e todos os bolos, petit fours e salgados que ali se fazem! No demais é o faz-de-conta: TNDM II e AR.

1 comentário:

  1. Não creio que A. Garrett ficasse minimamente satisfeito com o que se passa no Teatro Nacional. Não passa de uma manta de retalhos que não tem uma companhia fixa, não tem reportório, não representa nem os clássicos nem os contemporâneos.
    Grande parte do que lá se representa é produção de fora. Com muito menos fez muito mais, Amélia Rey-Colaço.
    Dizer que Garett ficaria orgulhoso é ofensivo!

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