30/06/2010

Estudo sobre a biodiversidade no Parque Florestal de Monsanto.

PARQUE FLORESTAL DE MONSANTO – RESERVA CONSTRUÍDA DE BIODIVERSIDADE


ESTUDO


Quando foi criado, na década de 1930, o objectivo do Parque de Monsanto era oferecer a possibilidade de fruição do ar livre, para os habitantes da região de Lisboa. Esta fruição far- se-ia sobretudo através das actividades tidas como saudáveis para os padrões da época: desporto de ar livre (aquilo que hoje chamamos o jogging, o cicloturismo ou o trekking / senderismo / randoné), e passeios de ar livre, em família, incluindo ou não o pic-nic e com possibilidades de serem realizados a pé ou de automóvel (na altura ainda muito pouco democratizado) [Alguns pretendem mesmo ver na concepção do traçado de algumas vias, os primeiros parkways em Portugal e mesmo no Mundo].

A partir daí poderemos considerar que o projecto foi sendo puxado para dois lados diametralmente opostos. Por um lado, a vegetação introduzida, muita nunca antes testada, na generalidade reagiu bem. A regeneração natural conduziu ao enriquecimento em biodiversidade e ao aumento de espécies e de efectivos nas espécies autóctones.


BIODIVERSIDADE


As novas espécies que foram sendo plantadas, por iniciativa dos Silvicultores responsáveis pela gestão (sobretudo Joaquim Rodrigo e Carlos Souto Cruz) deixaram tanto de ter o objectivo do recreio de sombra inicial, para um mostruário da vegetação que naturalmente aqui teria existido antes da ocupação agrícola e silvopastoril que chegou até ao século XX. (Estava-se no advento e crescimento das teorias da Ecologia a nível global.) Mais do que promover novas introduções, interessava disponibilizar o material genético (propágulos vegetativos) e esperar a resposta do ecossistema.

O Parque Florestal de Monsanto estava a evoluir para a estabilização da sua importância, não só enquanto substrato de recreio, mas também enquanto Parque Florestal Peri-Urbano com importância visceral na qualidade do Ambiente na cidade de Lisboa e mesmo na malha urbana consolidada da Área Metropolitana mais directamente afectada.

A massa florestal ganhou expressão, e adquiriu importância ecológica regional, passando a integrar uma rede de corredores ecológicos (continuum naturale) a possibilitar migrações (sobretudo de aves) a partir do Pinhal das Matas da Caparica e a ligar a um cordão litoral em Queluz – Belas – Sintra – Mafra. Este corredor traz consigo novas espécies (nunca antes introduzidas) como por exemplo as Sabinas das Praias.


Repita-se que a regeneração natural continuou a constituir uma importante contribuição para o enriquecimento em biodiversidade e ao aumento de espécies e de efectivos nas espécies autóctones. Ao mesmo tempo, a sociedade moderna foi fazendo o trabalho contrário. O de geração de poluição sonora e atmosférica, com a consequente perda de tranquilidade e alguns usos do solo, que nada tinham a ver com a filosofia de gestão do Parque: São disso exemplos:

1. A construção da auto-estrada Lisboa – Estádio Nacional a partir o Parque literalmente a meio. (Década de 1940)

2. A realização de provas de velocidade em automobilismo (o famoso Circuito de Montes Claros) (Finais da Década de 50, início da de 60)

3. Em 1974 a abertura da possibilidade de construções de “utilidade pública” em Monsanto (nomeadamente a Sede da RTP, do ACP e do futuro Hospital Ocidental) (Felizmente que logo após o 25 de Abril este Decreto-Lei foi imediatamente revogado o que teoricamente impediria este aparecimento, mas os edifícios lá foram surgindo: Universidade Técnica de Lisboa – pólo II no Alto da Ajuda, Hospital de São Francisco Xavier, Central da EDP no vale de Algés, junto à CRIL, Centro Social da Associação Casapiana, junto ao Bairro da Boavista, realojamentos dos Bairros da Serafina, Boavista, etc...)

4. Começaram a surgir clubes restritos a poucos utilizadores com fortes impactos para fora das suas instalações (Clube Português de Tiro a Chumbo, Clube de Radiomodelismo Automóvel)

5. O crescimento da malha urbana periférica tornou o Parque uma zona de atravessamento rápido automóvel (sem engarrafamentos) o que aumentou a pressão de tráfego e o Parque foi definitivamente fechado nas suas ligações com a malha urbana com vias rápidas (Av. de Ceuta, Radial de Benfica e CRIL). (Por esse motivo, já no século XXI foram fechadas algumas vias ao trânsito automóvel e foram construídos alguns acessos à cidade (Passagens sobre a Radial de Benfica e ligação verde Parque de Monsanto – Parque Eduardo VII, ... eternamente adiada na sua conclusão)

6. E começaram também a surgir actividades festivas mais ou menos ruidosas mas com forte impacte sobre a paisagem sonora do parque, quer com repercussões sobre a tranquilidade dos animais, quer dos outros utilizadores... Os pic-nics familiares converteram-se nos grandes espectáculos do tipo Piquenicão, com muitas centenas ou mesmo milhares de participantes e com aparelhagens sonoras audíveis até à cidade, surgiram festivais no Alto da Ajuda (como a Festa do Avante), provas de Motocross (no local onde hoje existe o Parque Infantil da Serafina / Reserva dos Índios), etc... Mais recentemente os Palcos criados com o objectivo de gerar pólos de actividades animadoras do espaço (Teatros, espectáculos de Declamação, concertos de pequenos grupos musicais...) viram-se invadidos também por espectáculos de Rock com muitos decibéis acima do permissível na cidade (Lei Geral do Ruído), mas que aqui... acabam tolerados.


Como resultado destes dois puxões, o que resultou?

Sob o ponto de vista florístico,

a. As espécies existentes dos ecossistemas agrícolas permaneceram (reduzindo a abundância, mas mantendo a biodiversidade).

b. As espécies florestais introduzidas instalaram-se (na generalidade)

c.A regeneração natural diversificou o número de espécies quer nos ecossistemas florestais (de coníferas e de folhosas), quer nos ecossistemas de orla (interfaces urbano-florestal e agrícola-florestal) O reequilíbrio agora encontrado é mais biodiversificado, mais estável, mais sustentável, e mais homeostático.

Do ponto de vista faunístico.

As espécies existentes dos ecossistemas agrícolas permaneceram (reduzindo muito a abundância, e alguma biodiversidade sobretudo os efectivos de rapinas de voo rápido, de estepárias e de Perdizes em particular).

As espécies florestais surgiram espontaneamente (através dos corredores) e instalaram-se muito bem A criação dos lagos da Zona Vedada do então Parque Ecológico (hoje Espaço Monsanto) veio colmatar o mais importante factor limitante para a fauna no Parque, a falta de água e veio criar pela primeira vez um ecossistema aquático, com a fauna a ele associada directamente e com a fauna de bordadura (orla dos ecossistemas aquático-florestal.

A libertação dos esquilos como recuperação de uma espécie que já teria existido no Parque a resultar muito bem .

A criação e instalação de caixas ninho, agora necessárias face à supressão das plantas e ramos mortos por necessidade higio-fitossanitária e que resultou com taxas de ocupação excepcionalmente alta.

O surgir do CRASPEM com o tratamento e largada de animais recolhidos noutros locais veio diversificar muito as existências pois alguns dos animais gostaram do ecossistema e ... ficaram.


CONCLUSÃO


Como conclusão, dir-se-ia que:


- a Biodiversidade no Parque de Monsanto é excepcionalmente elevada, sobretudo se comparada com os padrões europeus (graças também à riqueza em Biodiversidade dos ecossistemas ibéricos por se localizarem na sobreposição da Fauna africana com a euro- asiática).

- Esta Biodiversidade é sistémica, específica e genética. Existem diversos ecossistemas no Parque, existe um número, como se disse, excepcionalmente alto de espécies diferentes e existe mesmo alguma riqueza genética peculiar, embora eventualmente ainda a carecer de estudo mais aprofundado. (Existem algumas Orquídeas silvestres que parecem possuir características suficientemente diversas para constituir património genético exclusivo do ecossistema.

- Alguns dos ecossistemas já estão protegidos (Reserva Botânica Pereira Coutinho na Tapada da Ajuda e alguns núcleos dentro do próprio parque de Ecossistemas de Matagal Mediterrânico alto ou de povoamentos de Pinheiro das Canárias), e existem certamente outros que careceriam de estudo mais aprofundado.

Curioso é que esta Reserva de Biodiversidade tem como estrutura de partida um ecossistema artificialmente construído pelo Homem, mas não se advogue este como o grande responsável por este enriquecimento biológico. Tenhamos consciência que foi o contributo espontâneo da Natureza a sua razão de existência. Lamentavelmente muito pouco se tem feito pelo aumento da abundância faunística e muito se tem feito no sentido de a afastar: alguém imagina o que acontece a um qualquer Passeriforme em noite de Festivais Rock nos Palcos da Alameda Keil do Amaral?


PRINCIPAIS CAUSAS DE AGRESSÃO Á BIODIVERSIDADE


Efectivamente as três principais causas de agressão à Biodiversidade no Parque de Monsanto são:


i. O alastramento da mancha construída ou impermeabilizada (seja qual for o pretexto) ocupando os diversos habitas naturais ou naturalizados, destruindo-os irreversivelmente. Este problema nunca deixou de existir: uma vezes mais ou menos legalmente (como por exemplo a Ocupação dos mais de 50 ha da Universidade Técnica de Lisboa no Alto da Ajuda) outros mais discretamente (como por exemplo a recente ampliação da Estação da EDP na encosta da Portela), uns antigamente, outros na actualidade.

ii. O intenso tráfego automóvel de atravessamento do Parque. Nunca foi o tráfego dos utilizadores o causador de problemas. O tráfego de atravessamento quer de Norte – Sul, através da Mata, quer Leste – Oeste (sobretudo através da A5) sempre causaram problemas: é fácil verificar por um lado os elevados valores de poluição atmosférica sobretudo nos sentidos ascensionais da auto-estrada, havendo mesmo resultados obtidos através de bio-indicadores (estudo da Univ. de Lisboa). Nas plantas surgem toda a sorte de fumaginas identificadas sobretudo sobre Folhados, Medronheiros e outros arbustos mais baixos, que levam à sua morte, criando uma mancha estéril no espaço mais próximo da auto-estrada. Um percurso a pé nestes locais também é denunciador deste “deserto” também em relação à avifauna inexistente que por isso não se ouve cantar até uma distância significativa da auto-estrada.

iii. Finalmente, quer o tráfego automóvel, quer os eventos (excessivamente) ruidosos que têm lugar no Parque provocam a fuga dos animais ali existentes devido à Poluição Sonora. Consoante os tipos de ruído, (de fundo ou de pico) e a sua durabilidade assim as consequências são diversas. Por exemplo os sons mais curtos e intensos geram a fuga rápida mas possibilitam a recuperação lenta e gradual à medida que o sossego se volta a instalar, mas festivais que durem vários dias, provocam geralmente uma fuga irreversível nessa geração...


Maio de 2010


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