In Público (29/8/2011)
Por Marisa Soares
«Câmara de Lisboa espera concluir intervenção nos terrenos em Outubro. Gabinete do vereador José Sá Fernandes prepara proposta para baixar preços da renda definidos na nova tabela municipal
Nas mãos calejadas, João dos Santos leva os pimentos - viçosos, verdes e vermelhos - acabados de colher. Às 11 da manhã já este agricultor de 73 anos cumpriu duas horas de trabalho, debaixo de sol, na horta da Quinta da Granja de Baixo, em Benfica, Lisboa. Num terreno com cerca de 80 metros quadrados cultiva uma lista imensa de hortaliças e tem árvores de fruto carregadas. Está ali há quase 40 anos e até hoje nunca pagou nada por isso. A partir de Outubro, porém, o septuagenário e os vizinhos vão ter de pagar uma renda anual por cada parcela de terra, cujo valor ainda não está definido. Na horta já se ouvem as críticas e teme-se pelo futuro.
A Câmara de Lisboa está desde Maio a remodelar as hortas da Quinta da Granja de Baixo e a refazer a divisão das parcelas. No final serão 38, cada uma com 175 metros quadrados e com acesso a pontos de água. Quem já ocupa os terrenos tem lugar garantido e a autarquia pretende abrir concursos para quem quiser cultivar os espaços livres. Mas o que mais preocupa os agricultores são os preços que poderão ter de pagar pelos terrenos, cuja ocupação era até agora gratuita.
Em princípio, os hortelões estarão sujeitos à nova Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais, em vigor desde Julho, que estabelece o pagamento de 1,50 euros por metro quadrado em terrenos com menos de 200 metros quadrados. Se assim for, João dos Santos terá de desembolsar uma renda anual de mais de 100 euros.
Mas no gabinete do vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes, está "em estudo" a possibilidade de alterar os preços.
Segundo a adjunta do vereador, Rita Folgosa, aquelas hortas vão ser classificadas como sociais, ou seja, reservadas a pessoas carenciadas que se dedicam ao cultivo para subsistência, o que justifica a aplicação de preços mais baixos. No entanto, a proposta tem antes de ser aprovada em reunião de câmara.
Ao "senhor João" - é assim que é cumprimentado pelos vizinhos - uma técnica municipal disse já que a renda ia ser de 50 euros por ano, mas não deu certezas. "Acho muito caro, são dez contos. Ainda por cima, se não fôssemos nós, os terrenos estavam ao abandono", critica.
Um abrigo para quatro
Uma grande parte das pessoas que cultivam a Quinta da Granja de Baixo está reformada, em situação de pré-reforma ou desempregada. "Ao todo somos uns 12 e pelo menos seis trabalharam na polícia", conta João dos Santos, que é também reformado da polícia municipal. É natural de Almeida, do distrito da Guarda. Foi daí que transportou o "bichinho" da horta para Lisboa, onde se casou.
Como nas aldeias, na quinta quase todos se conhecem. João dos Santos sabe de cor o nome dos vizinhos, sobretudo dos que estão ali desde o 25 de Abril de 1974, a convite do antigo proprietário da quinta, da família Canas da Silva, que mantém a Quinta da Granja de Cima. "O antigo dono é que pediu para ocuparmos isto, para não se encher de barracas", afirma. Em vez de barracas, o terreno com mais de um hectare foi-se enchendo de couves, batatas, abóboras, cebolas, tomates, feijões, ervas aromáticas e girassóis altos que se destacam no meio do verde.
Aqui e ali, erguem-se pequenos barracões onde os hortelões guardam ferramentas e algumas colheitas. Há até uma casa de banho improvisada.
O barracão que João dos Santos construiu é que já não existe. "Deitaram tudo abaixo, até as minhas figueiras, para fazer um jardim", lamenta. Mas as cedências que teve de fazer à câmara por causa das obras não ficam por aqui. Há cerca de dois meses, as retroescavadoras avançaram sobre um bocado sua parcela.
"Tive de arrancar as batatas todas para poderem passar", recorda com mágoa. As máquinas abriram caminhos, remexeram nas terras da colina que fica por detrás e substituíram o muro, que tinha sido arranjado no ano passado, por uma parede de pedras envoltas em arame.
A autarquia pretende construir pequenos abrigos de madeira, destinando um para cada quatro agricultores. No caminho junto à parede de pedras já foi instalado um abrigo, que não tem mais do que seis metros quadrados.
"Estamos todos contra, porque não chega para quatro pessoas. Eu tenho muitas batatas e abóboras. E agora, levo tudo para casa?", questiona João dos Santos. "Isto é para quatro?", diz João Conceição, outro agricultor, de 58 anos, reformado da polícia. Aponta para o abrigo e ri-se, com ironia. João Conceição não estava em Lisboa quando a câmara municipal começou as obras. "Quando cá cheguei, o senhor João é que me disse que eles já tinham andado aí e que deitaram tudo abaixo.
Disseram que vinham depois falar comigo, mas ainda não vi ninguém", reclama.
O terreno que João Conceição cultivava há mais de 15 anos está lavrado, as hortaliças desapareceram e ninguém o avisou. Espera agora pela reunião marcada para Setembro, entre os hortelões e os responsáveis da câmara, para saber o seu futuro.
Enérgico, João Conceição gesticula e continua com as críticas. "Então e se vem para aqui uma pessoa de que a gente não gosta, como é que se faz? Olhe que às vezes há aqui desavenças", avisa, dando como exemplo algumas lutas pela água do poço e da mina que abastece os terrenos. "Isto tem água que chegue, mas no Verão alguns abusam." Na semana passada, seis mangueiras ligavam os terrenos à mina, que estava praticamente sem água. "Antes, só cá estavam três mangueiras", nota.
Ao lado do Colombo
As ferramentas de João Conceição ainda estão guardadas na casa de tijolo construída ao pé do poço. "Fui eu que lhe pus o telhado, quando para cá vim", sublinha. Não quer largar a quinta por nada e nem se importa de pagar. Até prefere que a câmara ponha ordem na ocupação. Mas vaticina: "Quando for para pagar, alguns vão sair, isso é certinho."
Joaquim Nabais, de 61 anos, é outro dos agricultores resistentes. Cultivava há dez anos uma parcela da quinta que teve de abandonar em Maio, a mando da câmara. "Enviaram-me uma carta para casa a dizer que tinha de sair." Acatou a ordem e foi-se instalar num bocado de terra "emprestado pelo senhor Carvalho". É carpinteiro, mas está desempregado e as hortaliças que cultiva fazem a diferença na factura mensal da alimentação. "Quando estiver tudo pronto, volto para o meu lugar", afirma.
Por agora, ainda andam por lá as máquinas a remexer a terra. Além de requalificar as hortas, a autarquia está a acabar o parque urbano da Quinta da Granja, que fica paredes-meias. Tem já um quiosque com esplanada, é atravessado por uma ciclovia e por um passeio pedonal, pontuado por bancos de madeira.
Quem aproveita o dia de Verão para passear no parque com vista para as hortaliças até esquece que do outro lado das pequenas colinas que ladeiam o jardim está o centro comercial Colombo. Na terra de João dos Santos, ninguém acredita. "Como é que tens uma horta no meio da cidade?", perguntam-lhe. "Lisboa não é só betão", responde.»
A intuição económica deste vereador é tal que ainda vamos vê-lo a vender m2 de passeio no Conde Redondo e na Artilharia Um!
ResponderEliminarEntão não tem espaço para a batata, num barracão pequeno e custa pagar 4€ mês?
ResponderEliminarAnónimo disse...
ResponderEliminarEntão não tem espaço para a batata, num barracão pequeno e custa pagar 4€ mês?
12:42 AM
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4€ aonde?!! Amim as contas deram-me 21,88€ mensais. Para quem tem duzentos euros de reforma e estava habituado a não pagar nada por esse terreno à vários anos custa e muito. O mais provável é o abandono da terra por parte de quem já a cultiuvava. Na prática o que a câmara está a fazer é mais uma fonte de rendimento (que acaba por não tê-lo porque os custos burocráticos de cobrar renda levam-lhe o lucro), mas que acaba por trocar definitivamente os agricultores locais por novos agricultores.
como é que a câmara teve acesso à morada do senhor que recebeu a carta em casa?
ResponderEliminarhavia um registo de quem ocupa as terras?
se foi o dono das terras que lhes pediu para se instalarem com que direito a CML esventra o local e cobra uma taxa de utilização por algo que não é seu? houve expropriação de terras e não avisaram ninguém?
pela lei do uso capeão, as terras já pertencem por direito a alguns dos actuais ocupantes...
CML e as trafulhices do costume neste país da brincadeira...
Para o ocupante ser proprietário das terras por usucapião tinha que as ter registado em seu nome na conservatória. Provavelmente não o fez porque não quer ter gastos com o processo nem ter que pagar impostos sobre essas terras, assim sendo secalhar foi a câmara a apoderar-se do terreno a reclamar para si o usucapião e agora espeta com rendas a quem as está a ocupar.
ResponderEliminarNa vida há que ser esperto, as oportunidades são para quem chega primeiro ou para quem as tira à força. Pelos vistos a câmara foi mais esperta.