30/01/2012

Classe média está em risco de “implosão”


"Não responsabilizo especialmente as pessoas, do ponto de vista individual. Não tenho dúvidas de que se tratou de um programa de facilitação do crédito estrategicamente montado, planeado e orientado por parte da própria banca", comenta Elísio Estanque. Considera que as consequências, "que hoje estão à vista", "foram agravadas, por um discurso político que, ao invés de ter um teor pedagógico e preventivo, instigou ao consumo e ao progressivo endividamento".

“No livro, o investigador fala desta classe média atribuindo-lhe "vivências de carácter bipolar", em que "um quotidiano depressivo se conjuga com técnicas de dissimulação e disfarce". Estanque chega a afirmar que o quadro roça "a patologia social", já que um grupo continua "a negar a todo o custo uma realidade, mesmo quando já mergulhou nela até ao pescoço".

"São professores, juristas, arquitectos, engenheiros", enumera Eugénio Fonseca. E não procuram apenas o que comer: "Pedem ajuda para pagar a renda, a água, a luz, as propinas dos filhos", completa Lino Maia. Deram origem a um novo conceito, o de pobreza envergonhada, e começaram há dois ou três anos a aparecer nos noticiários sob a designação de "novos pobres", falando sempre sob anonimato, com a voz distorcida, filmados ou fotografados de costas ou em contraluz.”


"Quando falam dos perigos da conflitualidade social, os agentes políticos só pensam nas manifestações de rua. Esquecem que esta forma de sofrimento é uma outra forma de conflitualidade, muito mais corrosiva, muito mais destruidora da afirmação do sujeito na sua relação com os outros", alerta o sociólogo.


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29.01.2012 Por Graça Barbosa Ribeiro in Público

Ensaio divulgado esta semana

Num ensaio que esta semana chega às bancas, o sociólogo Elísio Estanque analisa a ascensão e declínio dos segmentos sociais que hoje estão rotulados como "os novos pobres".

Quando entram no Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da Deco, a primeira pergunta que as pessoas fazem é: "Esta conversa fica só mesmo entre nós?" A resposta - "sim" - é essencial para o prosseguimento do diálogo. Algumas têm os vencimentos penhorados e já cortam na própria alimentação, mas fora daquelas quatro paredes agem como se nada tivesse mudado, mesmo junto de familiares e de amigos. Fazem parte de uma classe média "doente" e "em declínio", tema do ensaio do sociólogo Elísio Estanque que avisa que "os poderes políticos deviam estar mais preocupados com a possível implosão deste grupo do que com a sua eventual manifestação nas ruas".

No seu escritório, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, o investigador do Centro de Estudos Sociais folheia um jornal. Pode ser o do dia, o da véspera ou o da semana anterior, "não interessa", diz - "Todos os dias há algo de novo: o acordo de concertação social, o anúncio de uma nova vaga de excedentários na função pública, o abandono da universidade pelos estudantes, as novas vagas de desemprego, o aumento das taxas moderadoras, a desmontagem do Estado Social – está tudo a acontecer de uma forma extraordinariamente rápida e intensa", comenta. Aponta o livro editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que este fim-de-semana chega às bancas com o título A Classe Média: Ascensão e Declínio, e admite: "Se fosse hoje, provavelmente trocaria o termo "declínio" por "queda"".

No ensaio, Elísio Estanque vai para além da sistematização teórica. A segunda parte do livro é dedicada às particularidades do caso português, no que respeita "à célere e pouco sustentada ascensão da classe média" e também à forma como ela "agora se desmorona, de maneira igualmente rápida e abrupta, na sequência do "empurrão" da crise e das medidas de austeridade".

O ponto de chegada do sociólogo é uma classe média " fraca e ameaçada de ‘proletarização’"; o ponto de partida de uma sociedade "que em escassas dezenas de anos passou de predominantemente rural a marcadamente urbana". Os dados são objectivos: a população activa no sector primário encolheu de 43,6 por cento em 1960 para 11,2 em 1991 e a do sector terciário cresceu, no mesmo período, de 27,5 para 51,3 por cento.

O peso da classe média - "que até 1974 era absolutamente residual", nota o investigador – resulta, na sua perspectiva, de vários factores conjugados. Refere-se à progressiva generalização da frequência do ensino superior que se reflectiu na proliferação das profissões liberais; e também ao crescimento do sector público, que vê como o principal canal de mobilidade ascendente para as classes trabalhadoras, graças às políticas centradas em áreas como a Educação, a Saúde, a Justiça ou a Administração Pública.

A afirmação do Estado Social e os fenómenos de litoralização do país e de concentração urbana são outros dos factores que na sua óptica "se viriam a mostrar decisivos quando, após a instabilidade dos anos 80, Portugal entrou numa espécie de euforia política e económica", acentuada pela entrada de fundos da Comunidade Europeia.

Despido da fundamentação teórica, o retrato é quase caricatural. Elísio Estanque fala dos grupos instalados nas periferias urbanas que alimentam a ambição de ascensão social tendo como termo de comparação o mundo rural, contingente e precário da geração dos pais. Considera que aqueles grupos, ao conquistarem empregos "limpos", que imaginavam estáveis e seguros, acreditaram estar, "desde logo, confortavelmente instalados na classe média". É neste contexto, analisa, que se dá o "casamento" que o investigador considera "fatal": a ânsia daqueles grupos de adoptarem padrões de vida europeus, modernos e urbanos coincide com o florescer do mercado do crédito.

"Não responsabilizo especialmente as pessoas, do ponto de vista individual. Não tenho dúvidas de que se tratou de um programa de facilitação do crédito estrategicamente montado, planeado e orientado por parte da própria banca", comenta Elísio Estanque. Considera que as consequências, "que hoje estão à vista", "foram agravadas, por um discurso político que, ao invés de ter um teor pedagógico e preventivo, instigou ao consumo e ao progressivo endividamento".São inúmeras as testemunhas directas dos acontecimentos de que fala o investigador, algumas delas colocadas em postos de observação privilegiados. É o caso de Natália Nunes, responsável pelo Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) desde que aquele foi constituído, em 2000. Recorda-se de que os primeiros consumidores a pedirem auxílio à DECO tinham recorrido ao crédito para comprar casa, carro, mobílias, computadores ou electrodomésticos". Hoje a situação é diferente: de uma forma genérica, diz, as pessoas não conseguem identificar o que as levou a pedir empréstimos. Por uma razão simples: "A maior parte das famílias tem cinco ou mais créditos, sendo que os mais recentes são contraídos para fazer face aos antigos...", explica Natália Nunes.

Em 11 anos multiplicaram-se os pedidos de apoio ao GAS, que em 2000 deram origem à abertura de 152 processos, em 2010, a perto de três mil, e no ano passado a 4288. E Natália Nunes não hesita em situar as pessoas que hoje vivem as situações mais graves no grupo estudado por Elísio Estanque, a classe média. Do total de consumidores apoiados, 61 por cento têm idades compreendidas entre os 30 e os 50 anos; 45 por cento concluíram o ensino secundário ou universitário e a maior parte tem rendimentos superiores a 1500 euros por mês. São pessoas reais, que aparecem diluídas no ensaio de Elísio Estanque, enquanto membros de um segmento social que se tornou vítima da "progressiva redução dos direitos sociais e laborais, do consequente aumento da insegurança, do desemprego e das medidas de austeridade".

No livro, o investigador fala desta classe média atribuindo-lhe "vivências de carácter bipolar", em que "um quotidiano depressivo se conjuga com técnicas de dissimulação e disfarce". Estanque chega a afirmar que o quadro roça "a patologia social", já que um grupo continua "a negar a todo o custo uma realidade, mesmo quando já mergulhou nela até ao pescoço".

A descrição corresponde ao mundo em que se move, diariamente, o presidente da Caritas, Eugénio Fonseca. "As pessoas recusam-se a assumir a perda de status, aguentam muito para além do limite do razoável, procurando manter a aparência de um estilo de vida que já não são capazes de pagar. E quando finalmente nos procuram, a gravidade das situações é tal que ultrapassa, em muito, a nossa capacidade de intervenção", lamenta.

Natália Duarte lida com o mesmo tipo de comportamento: "As pessoas pedem ajuda sob a condição de total confidencialidade. Escondem a sua situação dos vizinhos e até dos familiares que, temem, se afastariam se dela tivessem conhecimento", afirma. O presidente da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social (CNIPE), o padre Lino Maia, confronta-se com os mesmos problemas, mas sublinha que as pessoas sobreendividadas "preocupam-se, principalmente, com a iminência de as dificuldades afectarem os filhos, aos quais procuram proporcionar o mesmo estilo de vida que tinham antes, ainda que eles próprios estejam, já, a cortar na sua alimentação".

As próprias instituições de apoio social têm vindo a ajustar protocolos para acolher estas pessoas, que na necessidade de ajuda e na situação de pobreza se somam aos sem-abrigo, mas têm um perfil muito diferente.

"São professores, juristas, arquitectos, engenheiros", enumera Eugénio Fonseca. E não procuram apenas o que comer: "Pedem ajuda para pagar a renda, a água, a luz, as propinas dos filhos", completa Lino Maia. Deram origem a um novo conceito, o de pobreza envergonhada, e começaram há dois ou três anos a aparecer nos noticiários sob a designação de "novos pobres", falando sempre sob anonimato, com a voz distorcida, filmados ou fotografados de costas ou em contraluz. "Nesse aspecto, a situação piorou: hoje dificilmente se consegue que estas pessoas falem, mesmo nessas condições", diz Lino Maia. O que aconteceu? "As pessoas estão deprimidas", diagnostica o presidente da Caritas. Elísio Estanque hesita em falar de um grupo social "doente". Mas acaba por assumir a expressão, para designar "o estado de segmentos da população que em duas décadas alimentaram expectativas fortíssimas e legítimas de mobilidade social ascendente e que agora caem na pobreza, sem perspectivas de retornar, sequer, à posição anterior". "É doentia", considera, a forma "envergonhada, calada e silenciosa" como esta frustração está a ser vivida por aqueles que ao mesmo tempo "encenam uma normalidade que já não existe".

"Quando falam dos perigos da conflitualidade social, os agentes políticos só pensam nas manifestações de rua. Esquecem que esta forma de sofrimento é uma outra forma de conflitualidade, muito mais corrosiva, muito mais destruidora da afirmação do sujeito na sua relação com os outros", alerta o sociólogo.

Elísio Estanque considera que "não estão a ser devidamente avaliados os custos, a médio prazo, de uma sociedade doente, incapaz de responder às necessidades do país". Eugénio Fonseca, da Caritas, recorre à experiência de contacto com estes grupos, no terreno, para avisar que, "só do ponto de vista da saúde pública, os custos já serão tremendos". "Não há dados, não há estudos, ainda está tudo a acontecer. Mas temo bem, devido a alguns casos concretos que conheço, que estes "novos pobres", com qualificações superiores e sem perspectivas de recuperar o estatuto social perdido, sejam os responsáveis pelo engrossar das estatísticas do consumo de ansiolíticos e até de suicídios", avisa o presidente da Caritas.

O próprio Elísio Estanque prepara um trabalho académico nesta área, centrado nestes segmentos "que caíram um ou dois degraus na pirâmide social". Afirma que não quer ser dramático e que "confia na capacidade da sociedade de se regenerar", mas em relação à forma como tal acontecerá não arrisca qualquer hipótese. Tem "poucas ou nenhumas dúvidas", no entanto, "de que as consequências serão gravíssimas no que respeita ao acentuar das desigualdades entre ricos e pobres" – "Nesse aspecto, não sei como é que se pode evitar um retrocesso".

7 comentários:

  1. Quem é agora este ilustre iluminado que pretende ter conhecimento sobre os motivos do endividamento das famílias? Qualquer um escreve um livro e manda balelas para o ar.

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  2. Aqui está o perfil público do tão "isento" "sociólogo"

    https://plus.google.com/108133627360626314960/about

    http://www.ces.uc.pt/investigadores/cv/elisio_estanque.php

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  3. Carlos Leite de Sousa10:50 da manhã

    Esta é uma crise social provocada pelas nossas decisões de consumo, que conduziram a uma escalada do desemprego.

    Mas esta crise social era evitável se as populações entendessem e exigissem maior protecção para os seus empregos e empresas onde trabalham. Não se pode liberalizar mercados com condições desiguais. Países com direitos laborais justos estão a competir com países em que a escravatura laboral é uma realidade.

    Por outro lado, permitimos que as actuais politicas desacreditassem as economias europeias e norte americanas, como se pudéssemos comparar o que é produzido nestes países com o que é produzido na China ou na Ásia.

    Quantos de nós ambiciona ter um produto chinês ? Comparem os desejos de consumo das populações mundiais e onde estão os mais desejados produtos e serviços ? É completamente errado dizer que a Europa está decadente. Alguém pensa em comprar um automóvel chinês ou brasileiro ? E uma mala ? E um perfume ? E ver um filme ? E um telemóvel ? E quando estamos doentes recorremos a medicamentos chineses ? Faz algum sentido o dinheiro estar a fluir para os chamados BRIC’s ?

    O problema, é que mais uma vez apoiamos politicas totalmente ignorantes. Senão reparem no sector automóvel. Os dois mercados que o dominam continuam a promover automóveis que necessitam de energia produzida principalmente fora desses mercados. Faz sentido ? A sociedade deveria ter exigido à mais tempo automóveis movidos a energia produzida na Europa e EUA. Por isso lhe chamo CRISE SOCIAL. É porque é provocada pela nossa atitude.

    Um exemplo tem a ver com as nossas escolhas de consumo. Achamos que ao preferirmos produtos produzidos na China ou Vietname, poupamos dinheiro. Mas não pensamos, apesar de o sabermos, que esses produtos são produzidos dessa forma à custa do emprego de milhares de pessoas na Europa ou nos EUA. É uma decisão nossa com impacto real na economia. Ao promovermos o desemprego, promovemos a incapacidade para pagar os compromissos financeiros, e promovemos a crise. A CRISE SOCIAL.

    Faz sentido que a China, o Qatar ou o Brasil tenham hoje mais recursos financeiros que a Europa ou os EUA ? Quantos produtos ou serviços originário destes países desejou comprar ? Para além do petróleo, nenhum. Ou talvez uns chinelos brasileiros. Mas ao promovermos o petróleo e a deslocalização das fábricas, transferimos a nossa riqueza para esses países. Estupidamente. Uma decisão de políticos, permitida pelas populações.

    A solução para esta CRISE SOCIAL é óbvia : Reconhecer a força do que produzimos na Europa e nos EUA. Acabar com a dependência do petróleo. Voltar a fechar as fronteiras a produtos produzidos em países com politicas de emprego esclavagista, ou com níveis salariais injustos. Preferir produtos produzidos na nossa região.

    Para isso teremos todos de admitir que somos culpados, que esta é uma CRISE SOCIAL e não financeira, e exigir que estas medidas sejam tomadas por quem está no poder.

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  4. Os efeitos do "mercadinho livre" e "novos liberalismos". Depois quando o barquinho afunda, os cofres do estado que aguentem (sim a banca também costuma lá bater à porta). Curioso que toda esta fuga social fez esquecer valores e formas de vida anteriores que, funcionavam como vacinas à tentação de se endividar.

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  5. Carlos Leite Sousa esse comentário é bastante ridiculo. É a segunda vez que é publicado, cópia dum que comentei em tempo oportuno.

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  6. E talvez seja bom nao esquecer que, a colheita destes maus tempos vai também ser feita daqui a uns anos....nos custos da saúde pública.

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  7. Aqui está o link para o texto original do Carlos Leite Sousa:


    http://cidadanialx.blogspot.com/2011/11/crise-social.html

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