19/02/2012

Reabilitar as cidades, sim. Mas reabilitar tudo, custe o que custar, não!

in Público Imobiliário, 15 Fev 2012.Por José A. Rio Fernandes (Geógrafo / FLUP / CEGOT)

No tempo que vivemos, o olhar que temos sobre as cidades está necessariamente orientado pela perspetiva económica, já que se espera que a cidade participe no esfoço nacional de diminuir custos e promover competitividade. Neste contexto, o futuro da cidade parece depender mais que nunca do valor económico que formos capazes de extrair do facto de vivermos juntos em espaços restritos. Além da racionalização dos transportes e melhor gestão da mobilidade e da necessidade do planeamento por exemplo na correção de erros na localização do emprego e da oferta de bens e serviços, também se repensa o imobiliário, o qual agora aparece quase exclusivamente ligado à reabilitação e ao mercado de aluguer.

Todavia… se há mais oferta que procura, onde virá a procura para o que for reabilitado? E, se a procura está contraída pela diminuição do poder de compra, porque comprará alguém um prédio mais velho e mais caro? Ou a reabilitação garante espaço construído a menores custos? Estas e outras contas parecem estar por fazer, num quadro onde, é certo, nem sempre tudo pode ser definido pelo mercado e considerado apenas pela matemática, como a reabilitação da Torre de Belém ou da Torre dos Clérigos.

Mas, depois do excesso de construção nas cidades e seu envolvente, como no periurbano e rurbano, não haverá agora um excesso de voluntarismo no tão falado “regresso à cidade”? E excesso de proteccionismo histórico? Quanto custa reabilitar a “cidade histórica” se forem feitas as contas a tudo o que é necessário em todos os prédios com mais de 100 anos de idade de todas as cidades portuguesas? Além disso, porque hão-de as pessoas de preferir viver em prédios antigos (e mais caros) que os que povoam as nossas periferias?

Sabemos que a proximidade das casas face aos empregos e às necessidades do dia-a-dia trás vantagens, desde logo nos custos e tempos de deslocação. Nesse sentido, um mercado de aluguer activo é favorável, uma vez que pode facilitar que se consiga ter a casa junto ao emprego. Mas será que na proximidade haverá também escola para os nossos filhos e os bens e serviços de que necessitamos? E não é verdade que muito do emprego que existe hoje fica muito longe das velhas casas da “cidade histórica”? Portanto, a proximidade de casa, emprego e escola consegue-se mais facilmente na “cidade histórica” que na “outra cidade”? Dificilmente assim será, a menos que exista melhor planeamento e que acabem com as imposições sectorial (dos ministérios da Educação, da Saúde, do Ambiente,…) das suas decisões, sem consideração pela articulação espacial dos interesses locais e regionais.

Em todo o caso, reabilitação será um conceito essencial de política urbana para a racionalização de custos e competitividade das cidades, mas deverá ser cuidadosamente aplicado pelas famílias, empresas e Estado e ter por objecto quer nos prédios antigos da cidade velha, quer os mais recentes, da “outra cidade” onde vive a maioria de nós, portugueses. Porque é essencial que a reabilitação não seja confundida apenas com a transformação de velhos prédios para hotéis ou residentes de elevado poder de compra, antes se devendo favorecer as acções de baixo custo, capazes de responder a uma procura maior e mais alargada, o que, associadamente a um mercado de aluguer a funcionar, é capaz de permitir uma maior mobilidade residencial.

É um desafio, novo para todos, este de pensar, viver e intervir na cidade em período de retracção da economia e de contenção de gastos (ou de empobrecimento), em que para o sector imobiliário a reabilitação e aluguer passam a ser centrais por acelerada substituição da construção nova para aquisição. Talvez se possa aprender com o shrinking urbanism vivido por exemplo nas cidades da ex. Alemanha de Leste em contexto de diminuição de população e talvez valha a pena pensar que não temos dinheiro para reabilitar tudo, donde a necessidade de definir prioridades, associadas seja à localização dos imóveis, com prioridade aos “centros históricos” classificados, seja ao seu valor arquitectónico e simbólico, como sobretudo ao custo da reabilitação e a capacidade de encontrar arrendatário.

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