16/02/2014

Alunos de Arquitectura desafiados a imaginar uma outra colina de Santana

Por Inês Boaventura, Público de 16 Fev 2014

Os projectos demonstram que é possível preservar os edifícios dos hospitais a desactivar e dar-lhes usos diversificados, além do residencial.

E se pensássemos “fora da caixa” e desenvolvêssemos “outras visões” para a colina de Santana, em Lisboa? Este foi o desafio lançado pelos professores universitários José Aguiar e Pedro Pacheco aos seus alunos ao longo dos últimos quatro anos. As propostas que lhes têm sido apresentadas, dizem, demonstram que é possível “reutilizar” muitos dos edifícios existentes, através de “programas heterogéneos”, e mesmo assim conseguir níveis de edificabilidade iguais aos previstos.

Esse trabalho, explica Pedro Pacheco, foi feito em paralelo com um outro: o da cartografia de “80 e tal conventos” de Lisboa, incluindo os que ainda hoje existem e outros entretanto desaparecidos. “Eram pólos de desenvolvimento, foram organizadores de cidade”, sublinha o arquitecto e professor, lamentando que com o passar do tempo os conventos tenham sido “engolidos pela cidade” e obrigados a “virar-se para dentro”.

Nesse processo, muitos deles acabaram por perder as suas cercas, dentro das quais se escondiam jardins e hortas, locais de produção mas também de lazer. “Lisboa teve dezenas, mas praticamente nenhuma existe”, diz o também arquitecto José Aguiar, frisando que na colina de Santana “milagrosamente” algumas delas resistiram.

Face a isso, os dois professores da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa não têm dúvidas: há que preservar essas cercas e permitir a sua fruição pelo público, aproveitando a oportunidade que elas oferecem para, nota Pedro Pacheco, “combater a ausência de determinados espaços singulares na cidade”.

Pedro Pacheco destaca a importância de se olhar para a colina de Santana como “uma oportunidade”, sim, mas “não apenas uma oportunidade para densificar mais a cidade”. O arquitecto afirma que a “importância que os conventos tiveram na formação da cidade” não pode ser esquecida, devendo também ser salvaguardada a memória de “como se foram transformando e adaptando a vários programas”.

“Temos de falar menos de objectos e muito mais de património urbano. Sobrevalorizamos uma visão objectual e subvalorizamos uma visão sistémica”, acrescenta José Aguiar. Na sua opinião, os projectos já apresentados para os hospitais de São José, Miguel Bombarda, Santa Marta e Capuchos foram desenvolvidos por “grandes arquitectos”, mas com base num programa com “uma excessiva monofuncionalidade residencial”, que lhes foi “imposto”.

Nos enunciados que têm apresentado aos seus alunos, os primeiros do programa Erasmus Mundus e os seguintes de mestrado, os arquitectos pedem que as demolições sejam evitadas e que sejam sugeridas novas e diversas formas de apropriação, não só dos conventos, mas também dos restantes edifícios. No fundo, resume José Aguiar, quer-se que os estudantes reflictam sobre “que funções podem ocorrer sem se destruir aquilo tudo”.

Com base em “dezenas de projectos”, o arquitecto concluiu que “é possível conseguir os mesmos níveis de edificabilidade e de densificação previstos nos actuais projectos, introduzindo equipamentos e programas mais heterogéneos, propondo outros negócios urbanos, mas mantendo aqui o trabalho e sem destruir as cercas, reutilizando muitas das arquitecturas preexistentes”.

E que programas e negócios podem ser esses? Por exemplo, espaços que permitam “formas alternativas de habitar”, como lofts ou residências com espaços partilhados e algumas áreas reservadas, adianta José Aguiar. Ou a reactivação de antigos jardins e pontos de água e a instalação de equipamentos com carácter social, de espaços vocacionados para as artes e de unidades produtivas, acrescenta Pedro Pacheco.

José Aguiar frisa que a medicina não pode ser vista como “um problema”, devendo explorar-se a possibilidade de nos terrenos dos hospitais surgirem “cooperativas, escritórios médicos, start-ups de investigação e empresariais”, além de “um verdadeiro Museu da Saúde e núcleos da história da medicina”.

Outra ideia explorada pelos estudantes universitários foi a de que há que prever desde já usos para os edifícios desactivados, para que não se transformem em ruínas. O exemplo do Matadero, um antigo matadouro em Madrid que foi convertido em “centro de criação contemporânea”, foi uma das fontes de inspiração.   

Mais de 850 pessoas assistiram aos debates
Mais de 850 pessoas assistiram presencialmente aos quatro debates promovidos pela Assembleia Municipal de Lisboa sobre a colina de Santana. A segunda sessão, na qual se debateu o impacto das propostas no acesso da população a cuidados de saúde, foi a mais concorrida: a ela assistiram 297 pessoas. A sessão seguinte, sobre o impacte urbanístico, social e habitacional das propostas, foi a menos participada, com 174 pessoas. Estes números não incluem aqueles que assistiram aos debates através da Internet, em tempo real. Na primeira sessão foi atingido um valor máximo de 800 visualizações.  

Em cada debate podem falar, além dos oradores convidados, 20 pessoas do público, cada uma delas durante três minutos. Mas esse número não tem sido atingido, seja por falta de inscrições, seja porque algumas pessoas se inscrevem mas depois acabam por não intervir. Olhando para a lista de inscritos, verifica-se que tem havido muitos nomes repetidos de sessão para sessão. A médica Elsa Soares Jara, o arquitecto Augusto Vasco Costa e o presidente da Associação Portuguesa de Arte Outsider, Vítor Freire, por exemplo, têm sido presença constante nos debates.

Vários deputados da assembleia municipal, principalmente do PS, PSD e PCP, também se inscreveram para falar no período destinado aos “cidadãos”. Os vereadores da Câmara de Lisboa Manuel Salgado (PS) e Carlos Moura (PCP) também já o fizeram. O último debate sobre a colina de Santana está marcado para 11 de Março, data que ainda carece de confirmação, e destina-se às “conclusões e propostas a submeter à assembleia municipal”. 

2 comentários:

  1. Muitos querem participar mas posteriormente sofrem represalias a democracia não é para todos

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  2. Lamentável este artigo do Público.
    O património edificado nestes Hospitais é muito relevante, e não é para estas "propostas" de trabalhos de alunos de reabilitação serem divulgados e muito menos levados a sério.
    Porque não "reabilitam" o mamarracho do Siza na Rua do Alecrim ?
    Isto é propaganda do lóbi dos arquitectos gurus que exploram os estagiártios !

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