A entidade que gere uma
das creches denunciou o contrato, outra anunciou um aumento das mensalidades e
há várias que se debatem com dificuldades financeiras.
Por Inês Boaventura, Público de 27 Junho 2014 | Foto de José Maria Ferreira
Câmara diz que os apoios cabem ao Estado mas quem gere as creches afirma que não foi essa a promessa
A construção de novas creches na cidade foi uma das grandes
bandeiras de António Costa na campanha para as autárquicas de 2009, mas mais de
quatro anos depois vários dos equipamentos prometidos continuam por abrir e
aqueles que já estão em funcionamento enfrentam sérias dificuldades. Em causa
está o não pagamento do apoio financeiro que alegadamente tinha sido prometido
pela Câmara de Lisboa às instituições que os gerem, uma das quais já pediu a
revogação do contrato.
O
Programa de Desenvolvimento de Creches em Lisboa, a que o município chamou
B.a.Bá, contempla intervenções de diferentes tipos,
com o objectivo de dotar a cidade de cerca de 2500 novas vagas para crianças
com idades até aos três anos. A vertente com mais visibilidade desse programa é
a construção de 11 creches em estruturas modulares, com um total de 840
lugares.
Os prazos para a concretização deste último projectoforam derrapando e,
segundo o vereador dos Direitos Sociais, João Afonso, apenas cinco das 11
creches previstas estão já a funcionar. Outras há que estão concluídas, mas
cujas entidades a quem a gestão foi entregue, como é o caso da União das
Mutualidades Portuguesas, têm protelado a sua abertura por considerarem que não
está assegurado o financiamento dos equipamentos de ensino.
O caso mais complicado parece ser o da Creche Domus Principis,
em Telheiras, gerida pela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS)
Obra O Nazareno. Segundo os pais das crianças que frequentam esta creche e a
própria autarquia, esta entidade anunciou que vai abandonar o projecto, gerando
uma incerteza sobre quem irá assegurar a sua missão no próximo ano lectivo.
Cristiana Silva disse na última reunião camarária que aquilo que
foi transmitido pela IPSS a quem, como ela, tem filhos nesta creche, foi que a
decisão tinha sido tomada por falta de apoio financeiro do município, apoio
esse que teria sido acordado verbalmente. O vereador dos Direitos Sociais
desmente essa versão, dizendo que aquilo que a Obra O Nazareno alegou para a
denúncia do contrato foi o facto de a gestão do estabelecimento não se
enquadrar no seu âmbito de actividade.
Quanto ao futuro deste equipamento, João Afonso garantiu que ele
vai manter-se em funcionamento no próximo ano lectivo. Para isso, disse o
autarca, está a ser preparado um concurso público, embora a autarquia não
descarte a possibilidade de confiar a gestão da creche a uma entidade a quem a
IPSS em causa pretende ceder a sua posição. Na Obra O Nazareno ninguém se
mostrou disponível para esclarecer esta questão.
Também na Creche Algodão Doce, em Telheiras, nem tudo corre bem.
Neste caso, como conta Áurea Pedroso, mãe de um dos alunos, o presidente da
Fundação António Silva Leal, que gere o espaço, comunicou aos pais que a partir
de Setembro grande parte deles iria passar a pagar a mensalidade máxima
prevista, no valor de 350 euros.
“O presidente da fundação comunicou que as verbas que
supostamente teriam sido acordadas com a câmara não tinham sido
disponibilizadas e que a creche assumiria o que tinha perdido este ano, mas
para o ano todos teriam de pagar o valor máximo”, explica Áurea Pedroso. A
única excepção, diz, seriam 12 crianças, a quem a Fundação António Leal Silva
(que o PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar) continuaria a cobrar 50 euros.
“Quando colocámos os nosso filhos na creche foi-nos apresentada
como IPSS e acreditámos que seria sempre assim”, diz Áurea Pedroso, lembrando
que para pessoas que hoje pagam 90 ou 100 euros “é uma grande diferença” ver
esse valor subir para 350 euros. Os pais da Creche Algodão Doce entregaram ao
presidente da autarquia um abaixo-assinado, com 37 assinaturas, no qual pedem
“esclarecimento sobre esta questão, bem como a adopção de medidas” que assegurem
a sua resolução.
A resposta foi dada pelo vereador João Afonso, que por escrito
informou que “qualquer violação das normas contratuais” estabelecidas nos
contratos de arrendamento firmados, incluindo da cláusula que estabelece que
pelo menos 25% dos alunos não deverão pagar mais de 50 euros, “configura uma
situação de incumprimento contratual, podendo o município resolver o contrato
com esse fundamento”.
Independentemente de isso se vir a verificar ou não, há uma
dúvida que persiste e que ameaça comprometer o sucesso do Programa B.á.Bá:
afinal o município comprometeu-se ou não a apoiar financeiramente as entidades
gestoras das creches, até que a Segurança Social viesse a assumir esse encargo?
O vereador comunista Carlos Moura e dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de
Alenquer (SCMA) e da Crevide (instituições que gerem creches na Alta de Lisboa)
afirmam peremptoriamente que sim, embora assumam que isso não ficou escrito em
lado nenhum.
“Existe este compromisso. Foi dito, mas não escrito, em várias
reuniões e numa sessão pública da câmara por Manuel Brito [vereador da Educação
no mandato anterior]”, garante Carlos Moura. “Com o novo executivo, o vereador
João Afonso afirma não saber de nada”, lamenta o autarca, afirmando que “a
câmara não pode lavar as mãos do assunto como Pilatos”.
O vereador comunista sublinha que esta situação está a gerar
“problemas financeiros muito graves” a algumas das entidades gestoras das
creches. No caso da SCMA, o seu director delegado diz estar confrontado com
“dificuldades que podem pôr em causa a continuidade da gestão”.
“A câmara ainda não assumiu um cêntimo”, constata Luís Rema,
explicando que está em causa um valor próximo dos 175 mil euros. “Estou
convencido de que sendo a câmara uma instituição de bem, o assunto está a ser
tratado e irá ser resolvido”, acrescenta.
Discurso muito semelhante tem a presidente da direcção da
Crevide. “Estamos convencidos de que a câmara, como pessoa de bem que é, irá
cumprir aquilo com que se comprometeu”, diz Margarida César. Até que isso
aconteça, esta responsável explica que a solução tem sido “aplicar verbas de
outras valências” desta associação sem fins lucrativos para financiar A Creche
do Tomás.
Mas a autarquia alega, como afirmou esta quarta-feira o vereador
dos Direitos Sociais, que o apoio financeiro a estas creches “é da
responsabilidade do Estado”, devendo as entidades gestoras apresentar
candidaturas para esse fim à Segurança Social. Ainda assim, João Afonso
garantiu que “a câmara não se exime da sua responsabilidade e interesse em
resolver o problema”.
Também o programa Escola Nova, que foi lançado em 2008 e previa
um investimento de 80 milhões de euros para renovar o parque escolar do
município, tem sido marcado por sucessivos adiamentos dos prazosestabelecidos. Segundo o site da câmara, estão por realizar 50
intervenções.
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