19/01/2007

Encontro não chegou a realizar-se. Cúpula da Câmara de Lisboa teve fim-de-semana marcado a convite da Bragaparques

In Público (19/1/2007)
José António Cerejo

"Fontão de Carvalho adiou encontro combinado para Trás-os-Montes dez dias antes de Domingos Névoa ser constituído arguido

O vice-presidente da Câmara de Lisboa, Fontão de Carvalho, aceitou no início do ano passado um convite do patrão da empresa Bragaparques, que não chegou a concretizar-se, para passar um fim-de-semana em Trás-os-Montes, juntamente com o presidente da câmara, Carmona Rodrigues, e a vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara.
A confirmação deste facto consta das transcrições das escutas feitas pela Polícia Judiciária a uma conversa telefónica havida entre Fontão de Carvalho e o empresário Domingos Névoa e a uma outra entre este último e o dono de um conhecido restaurante do concelho de Boticas, distrito de Vila Real.
O encontro entre os autarcas e o dono da Bragaparques esteve agendado para 18 de Fevereiro de 2006, precisamente o dia em que o vereador José Sá Fernandes tornou pública a tentativa de suborno de que foi alvo por parte de Domingos Névoa, e que levou na semana passada à sua acusação formal pelo Ministério Público. Por coincidência, o empresário tinha sido constituído arguido e obrigado a prestar uma caução de 150 mil euros no dia anterior àquele em que se devia ter encontrado com os autarcas em Boticas.
A anulação daquilo que parece ter sido combinado como uma confraternização ocorreu dez dias antes da data marcada, a 8 de Fevereiro, e foi justificada pelo vice-presidente com dificuldades de agenda de Carmona Rodrigues e Gabriela Seara - que estiveram em São Tomé e Príncipe, em representação do município, entre 9 e 19 daquele mês.
A conversa gravada pela polícia - que estava a vigiar Domingos Névoa desde a última semana de Janeiro - teve lugar às 11h59 do dia 8 de Fevereiro, em plena reunião do executivo camarário. A iniciativa da chamada para telemóvel do vice-presidente coube ao empresário, que, aparentemente, pretendia apenas confirmar o número de pessoas que iriam com ele ao encontro já combinado. Em resposta, Fontão de Carvalho explicou-lhe que já o tinha tentado contactar e que "o fim-de-semana" tinha de ser adiado "para uma outra altura", porque o presidente e Gabriela Seara não estariam "cá" na data prevista.
A transcrição feita pela polícia apresenta algumas frases que não são totalmente compreensíveis, ou porque a gravação não é perceptível, ou porque Fontão de Carvalho fala por meias palavras, dado estar no meio de uma reunião. É o caso da expressão "a ida lá a... tamos a falar do fim-de-semana da ida lá a...". Subentende-se que se tratava de um fim-de-semana que implicava uma deslocação, mas nada nessa troca de palavras leva à identificação do local onde o grupo se encontraria.
Uma outra chamada efectuada por Domingos Névoa no minuto seguinte para um tal "senhor Humberto" também não esclarece esse ponto mas faz alguma luz sobre o que estava programado. Na conversa, o empresário informa o seu interlocutor de que a marcação feita "para dia 18 com o pessoal da Câmara de Lisboa" fica "sem efeito" e que mais tarde voltará a ligar para marcar novamente.

Autos foram arquivados
O PÚBLICO averiguou, entretanto, que o "senhor Humberto" é o dono de um conhecido restaurante situado na aldeia de Alturas do Barroso, no concelho de Boticas, a meio caminho entre Chaves e Montalegre e a cerca de 80 quilómetros de Braga, sede da empresa Bragaparques. O próprio confirmou que no princípio do ano passado esteve marcado para a Casa do Ferreiro, o restaurante de que é proprietário, um almoço com o presidente e outras pessoas da Câmara de Lisboa, mas "foi desmarcado". Humberto Fernandes acrescentou que estava previsto que os autarcas passariam a noite numa casa de turismo da região.
Face ao conteúdo das conversas com Fontão de Carvalho e com o dono do restaurante, o magistrado do Ministério Público que na semana passada acusou Domingos Névoa de tentativa de corrupção activa - com o fito de levar Sá Fernandes a renunciar às suas críticas aos negócios entre a câmara e a Bragaparques - entendeu que elas eram insuficientes para "estabelecer qualquer ligação com os diversos negócios e projectos que envolvem as empresas do grupo" e mandou arquivar os autos.
O despacho refere que "foram recolhidos alguns indícios de que o arguido Domingos Névoa e eventualmente outros responsáveis das empresas associadas à Bragaparques se preparavam, em Fevereiro de 2006, para acompanharem funcionários e responsáveis da autarquia de Lisboa numa viagem, encontrando-se referências à organização de uma estadia e de um almoço no Norte do país".
Não se mostrando possíveis, no âmbito daquele processo, "outras diligências úteis no sentido de esclarecer os termos em que se iriam realizar as referidas deslocações", o magistrado considerou que elas "encontram explicação [...], na falta de outros elementos, tais como os fins visados e os valores envolvidos, na actividade social desenvolvida pelo arguido Domingos Névoa".

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