04/07/2007

Chefias faltam quase tanto ao trabalho como subordinados

In Público (4/7/2007)
Ana Henriques

«Tese de doutoramento debruça-se sobre a governação da cidade. Autor conheceu a autarquia por dentro durante dois anos

A média de antiguidade no cargo dos quadros dirigentes da autarquia ultrapassa os 20 anos

Há elevados índices de absentismo entre os trabalhadores da Câmara de Lisboa, que se estendem até às envelhecidas chefias da autarquia. As faltas não justificadas atingiam em 2004 uma média de 9,6 por cento. No caso dos dirigentes da autarquia, subiu até aos 8,7 por cento.
Estes dados fazem parte da tese de doutoramento em Geografia Urbana e Sociologia do Território que João Seixas apresentou em Abril na Universidade Autónoma de Barcelona. A governação de Lisboa é o tema e o investigador está especialmente habilitado para o desenvolver: foi consultor da autarquia cerca de dois anos e nesta qualidade coordenou um abrangente diagnóstico da cidade, no qual participaram nomes como o do economista Augusto Mateus.
João Seixas explica como 12 mil trabalhadores, três centenas de departamentos e divisões e 53 freguesias compõem uma estrutura autárquica praticamente ingovernável.
A câmara tem dez trabalhadores por cada mil habitantes. Em Madrid e Barcelona, esse ratio é de cerca de metade, e mesmo municípios onde os índices de satisfação dos habitantes são altos, como Oeiras, não chega a oito trabalhadores por mil habitantes. No Porto há 6,86 funcionários por cada mil habitantes. O problema é tanto mais complexo quanto esta quantidade espantosa de funcionários de Lisboa não é sinónimo de serviços bem prestados. Os espaços verdes de Lisboa estão impecáveis? Não, constata o investigador, que entrevistou dezenas de pessoas para o trabalho - vereadores, peritos das áreas em questão e chefias camarárias, entre outros. Mas são mais de 3500 os funcionários da direcção municipal que cuida dos jardins.
Quase metade dos trabalhadores da câmara tem níveis de escolaridade "baixos ou mesmo muito baixos", o que ajuda a explicar o recurso à contratação de pessoal fora da autarquia. A média de antiguidade nos quadros dirigentes ultrapassa os 20 anos - "sendo este o grupo com a estrutura etária mais envelhecida, onde a média de idades se situa nos 50 anos."
Apesar de todo o cenário apontar para uma "deficiente cultura de responsabilidade e de serviço público", isso não impediu que, em 2004, "um em cada quatro funcionários tivesse progredido na carreira ou sido promovido". A tese fala dos "pequenos poderes arbitrários" nos serviços e da repartição dos cargos de chefia negociada "entre os aparelhos partidários com expressão eleitoral." A estes não interessa a profunda reforma que o investigador pensa que se impõe, de modo a aproximar a autarquia do quotidiano da cidade. "A organização executiva da câmara demonstra deficiente capacidade de responsabilização decisória", analisa.
A mudança passa também pela alteração da divisão "completamente obsoleta" da cidade em freguesias minúsculas e sem poderes para fazer coisa alguma. A proximidade ao cidadão implicaria a substituição das freguesias pelos chamados distritos urbanos, como noutras cidades europeias. São minicâmaras que podem ajudar a administração da cidade a sair do autismo e a acompanhar no terreno os novos problemas e dinâmicas da vida urbana, sejam o auxílio aos idosos, a criação de creches onde são precisas ou o apoio ao comércio de proximidade. Muito prometida nas campanhas eleitorais, esta reorganização nunca se efectuou, até por causa das alterações que geraria nos equilíbrios partidários.
Aqueles que têm governado a cidade preferem concentrar esforços em projectos de grande envergadura, nem sempre mobilizadores da população. É a "festivalização" ou a "mobilização do espectáculo" ("e financeira de determinados sectores da economia"), patente em empreendimentos como o da reconversão do Parque Mayer.
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