In Público (10/5/2008)
Catarina Prelhaz
«Património classificado da Igreja de Campolide corre elevados riscos de incêndio e ruína, mas o proprietário, o Estado, embora obrigado a intervir, continua sem o fazer
A Igreja de Santo António de Campolide, em Lisboa, é um apelo aos sentidos: range em estereofonia com a ventania que se esgueira pelos buracos do telhado, cheira aos quilos de tecto trabalhado que se abatem e amolam as tábuas de madeira do pavimento, sorve a água da chuva e esguicha-a aos litros para as 22 banheiras de bebé que lhe atapetam o chão. Classificado como imóvel de interesse público em 1993, o templo novecentista, pertença do Estado português, continua a ruir sobre as cabeças dos 300 paroquianos que o frequentam semanalmente sem que seja feita qualquer intervenção.
A primeira denúncia data de 2001, quando o patriarcado de Lisboa alertou o Ministério das Finanças (MF) e o então primeiro-ministro António Guterres para a situação de "remedeio" em que vivia a igreja paroquial, mas sem sucesso. Em Julho de 2006, o provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, enviou ao primeiro-ministro José Sócrates uma outra missiva alertando-o para o "avançado estado de degradação do imóvel e da área envolvente". Há dois anos, a lista de ameaças elencada por aquele responsável já era extensa: a igreja confiscada pelo Estado à Companhia de Jesus em 1910 apresentava uma "infiltração grave das águas pluviais", possuía "elevados riscos de incêndio" e "condições de estabilidade muito duvidosas, o que justificou, por cautela, a interdição do uso parcial".
Contudo, e após nova intervenção do provedor de Justiça em Maio de 2007, este "harmonioso exemplo da arquitectura revivalista da época de tipologia neo-românica" - palavras do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) -, continua a ruir, ainda que a sua classificação como imóvel de interesse público obrigue o proprietário Estado a realizar obras de conservação. Como a posse do edifício nunca foi devolvida à Igreja, a paróquia encontra-se impedida de angariar fundos privados ou de obter subvenções públicas para recuperá-lo.
"É a chamada pescadinha de rabo na boca: o Estado não faz o que deve e nós não intervimos porque não nos deixam", censura o pároco João Nogueira. "Em Novembro enviámos para o MF, conforme sugestão do próprio, uma carta solicitando a criação de uma comissão que avaliasse o imóvel, a fim de que pudéssemos adquiri-lo por um preço simbólico ou real. Voltámos a contactá-lo em Abril e nada. Daqui a pouco já não há nada a fazer, só a lamentar".
Entretanto, continuam as missas, porque a catequese já não mora na Igreja de Campolide, depois de anos a decorrer sob uma rede metálica que apanhava os flocos de tecto que insistiam em nevar sobre as cabeças. E persistem também as recolhas diárias do entulho que descarna o esqueleto de madeira do edifício. O pároco lidera o ziguezague por entre as paredes escoradas. Ainda este Inverno foi ao hipermercado comprar mais seis banheiras de bebé. "Ao ver-me todo ataviado de banheiras, a senhora da caixa deixou escapar um "oh coitado", mal imaginando que não eram para bebés, mas para este verdadeiro spa do menino Jesus".
O PÚBLICOo contactou o MF, mas até ao fecho da edição não obteve quaisquer esclarecimentos.»
Quando o próprio estado não dá os bons exemplos....é difícil exigir melhor conduta aos proprietários privados.
ResponderEliminarJA
No que toca a estas coisas o estado não cumpre mas, verdade seja dita, também não exige dos privados. É um péssimo estado que deixa tudo chegar ao pior estado. O dinheiro dos impostos é pouco para pagar os carros, as mordomias, a segurança. É um estado de vilanagem. E nós participamos pouco, muito pouco. Calamos, consentimos. A consciência cívica dos portugueses deixa muito a desejar e está bem de acordo com o nosso estado. Afinal o estado somos nós todos.
ResponderEliminarVerdade se diga, aquela igreja é um monstro na paisagem.
ResponderEliminarEspero que caia depressa e se faça no seu lugar um equipamento desportivo que faz muito mais falta cá no bairro!
É o país e o primeiro ministro que temos. Está-se completamente a marimbar para o património ou para a cultura. É muita ignorância.
ResponderEliminarQue o nosso primeiro esteja a marimbar-se para o património tudo bem. Basta ver aquelas casinhas singelas que ajudou a construir para os lados da Guarda. A gloriosa 1ª república jacobina apossou-se da igreja em 1911. o IPPAR classificou-a ,em 1993, como imóvel de interesse público.Sendo património do Estado e classifcado não há outra alternativa senão o Estado fazer as obras de reabilitação. Ou então desclassifique-a e entregue o imóvel aos seus legítimos proprietários.
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