Caro Presidente do Conselho de Gestão do Instituto Superior Técnico,
Ex.mo Prof. António Manuel da Cruz Serra
Vimos por este meio, em regime aberto e dando conhecimento da presente missiva a várias partes interessadas na gestão óptima do Instituto Superior Técnico, apresentar-lhe um problema e uma possível solução para uma situação existente há vários anos no campus da Alameda.
A mobilidade sustentável assume-se hoje como um conceito operativo indispensável; mais do que uma noção advinda das preocupações ecológicas e ambientais que permeiam todas as sociedades ocidentais, a mobilidade sustentável é, pela sua especificidade, uma componente inadiável do ordenamento do território e do planeamento urbano. A sua gestão origina repercurssões a diferentes escalas: afecta directamente quer a eficiência e a intensidade energéticas de cada país, quer a própria qualidade de vida dos seus cidadãos.
Ora, não se pode, como em muitos outros assuntos, colocar o ónus da mudança apenas em renovações estruturais e tecnológicas; um agente incontornável terá de ser a adopção de novos comportamentos sem prejuízo da qualidade de vida; o desafio, a nível urbano, é precisamente garantir que os cidadãos mantenham a capacidade de se de deslocarem de muitas formas diferentes e segundo as actividades que exercem, mas incluindo nas suas escolhas modais as externalidades que eles comportam.
Não se compreende, portanto, como é que a suposta escola de excelência de ciência e engenharia que é o Instituto Superior Técnico, em cujas cátedras marcam presença autoridades académicas nos temas aqui referidos, ajuda a perpetuar este tipo de situações. A sua localização no centro de Lisboa e as suas características populacionais garantem-lhe não só uma enorme disponibilidade e fidelidade de transportes públicos – dezenas de carreiras da Carris e duas linhas de metropolitano –, mas também a condição de atracção e geração de tráfego rodoviário. Dois aspectos que poderiam e deveriam estar coordenados estão em conflito, por uma simples razão: o estacionamento no campus da Alameda é permitido de forma quase gratuita, a todos os funcionários, professores, investigadores e alunos finalistas; como se não fosse suficiente, muitas vezes este estacionamento é feito e permitido no próprio passeio do campus, confundindo ainda mais aquilo que é o espaço do automóvel e o espaço do peão, e legitimando a ocupação abusiva dos passeios que vinga em toda a cidade. Andar a pé pelo campus torna-se numa experiência desagradável e opressora para quem lá trabalha e estuda; não repararmos nela não significa que ela não exista; apenas assinala a nossa excessiva familiaridade e convivência com o erro. Existe assim uma contradição crassa entre os méritos académicos do Instituto Superior Técnico e a imagem que dele sobeja, por vezes só reconhecida pela surpresa e estupefacção de académicos estrangeiros, como já diversas vezes aconteceu.
Uma universidade não é e não pode ser uma ilha. Não pode estar isolada. Deve receber as influências exteriores da sociedade, moldá-las de acordo com o seu saber e conhecimento e devolvê-las, zelando pela sua aplicação. Manter um estacionamento quase gratuito dentro do campus e em interferência com os peões é, ao mesmo tempo, imitar o pior que a cidade demonstra – a invasão impune dos passeios – e não aproveitar os seus exemplos correctos – o estacionamento taxado. É dizer à sociedade que a universidade deve ser escutada mas que as regras que explicita não serão aplicáveis dentro dela.
É com um apelo ao bom-senso que finalizamos esta breve exposição, conscientes de que haveria muito mais a dizer. Cremos ser fundamental um reordenamento do estacionamento no Instituto Superior Técnico que fomente a adopção de transportes públicos e de outros modos de transporte. A sensibilização e educação para uma política de transportes públicos não deve apenas existir dentro das salas de aulas. Propomos assim uma reformulação do modelo de gestão do estacionamento e da própria configuração dos cerca de 750 lugares à superfície no campus da Alameda, de modo a que:
- As externalidades do uso da viatura particular sejam tarifadas – mensalmente ou anualmente – em contiguidade com a generalidade do custo do estacionamento na cidade, tal como acontece noutros campi lisboetas
- O montante decorrente das tarifas seja investido na melhoria das condições do campus e do seu equipamento
- A mobilidade do peão não seja prejudicada pelos espaços de estacionamento existentes no próprio passeio
- A acessibilidade automóvel ao campus esteja coordenada com o horário de funcionamento dos transportes públicos circundantes
Espera-se desta forma que haja um estímulo directo à utilização dos transportes públicos, actuando o pagamento do estacionamento como a componente dissuasora. O acesso de empresas de cargas e descargas deverá contudo ser preservado destas reformas.
Concluímos com duas sugestões. A primeira prevê a instalação de um projecto-piloto, ligado ao Departamento de Engenharia Civil e envolvendo alunos finalistas na gestão da mobilidade do campus; além de várias licenciaturas envolverem a temática dos transportes e da mobilidade sustentável, pode ser uma excelente oportunidade para mostrar aos estudantes que as melhores práticas científicas muitas vezes coincidem com a sua pertinência social. A segunda surge numa perspectiva de planeamento a longo prazo que poderá envolver os alunos e professores da licenciatura em Arquitectura, sugerindo-se a remoção gradual do parque automóvel do interior do campus e um arranjo paisagístico concomitante que promova assim o enriquecimento da vida dos estudantes, funcionários e investigadores do Instituto Superior Técnico.
Cremos que a adopção dos elementos aqui elencados constituem, se concretizados, uma demonstração exacta da seriedade do mundo académico enquanto divulgador dos bons exemplos para a sociedade e legitimam a sua adopção por outras empresas e instituições.
Com os melhores cumprimentos,
Tiago Mesquita Carvalho – ex-aluno e actual bolseiro de investigação científica no IST
Rosa Félix – Estudante de Engenharia do Território
Filipe Beja – Finalista em Engenharia do Território
isto tem o meu apoio total. porém preferia que a carta fosse mais curta pois não tive paciencia para a ler toda quando sei que a mensagem é muito simples: vamos tirar os carros dos passeios. espero que o destinatário a consiga ler...
ResponderEliminara referência aos estrangeiros também me parece despropositada... preocupa-me mais o exemplo que damos aos nossos filhos do que a estupefacção que criamos nos estrangeiros.
Sou aluno do IST e também concordo que é uma vergonha o que acontece na supostamente melhor faculdade de engenharia do país! Que tem os melhores especialistas em transportes de Portugal, mas que achou que a melhor solução para o estacionamento do pessoal é acabar com os passeios e obrigar toda a gente, incluindo pessoas com problemas motores, andar na estrada com os carros a passar! É uma vergonha!
ResponderEliminarTotalmente em acordo.
ResponderEliminarexcelente ideia e corajosa
ResponderEliminarparabens!
ncaiado
A ideia é boa e meritória, mas a retórica era dispensável! Como alguém disse uns comentários acima: um ou dois parágrafos bastariam para a transmitir. O excessivo "barroquismo" e as considerações sobre "as influências exteriores da sociedade..." não ajudam nada a exprimir uma ideia que é boa em si mesma.
ResponderEliminarUm conselho a estes engenheiros (ou quase engenheiros): keep it simple.
Totalmente de acordo. E esta ideia de sustentabilidade aplica-se a outros campus, nomeadamente na Cidade Universitária, onde embora o estacionamento seja pago, não se encontra à vista estacionamento para bicicletas, o que por si só é um incentivo ao seu uso, e também ao pólo da ajuda, construído de tal forma isolado e distante da rede de transportes públicos que estes por muitos anos não eram alternativa, sem deixar de referir que todo o polo parece planeada para ser acessidido por automóvel, tal a distância entre edifícios e pobreza do seu espaço público.
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