16/12/2009

ESTACIONAMENTO NO IST

Uma muito interessante carta aberta ao presidente do IST, via menosumcarro.pt (o da carris)

Caro Presidente do Conselho de Gestão do Instituto Superior Técnico,

Ex.mo Prof. António Manuel da Cruz Serra

Vimos por este meio, em regime aberto e dando conhecimento da presente missiva a várias partes interessadas na gestão óptima do Instituto Superior Técnico, apresentar-lhe um problema e uma possível solução para uma situação existente há vários anos no campus da Alameda.

A mobilidade sustentável assume-se hoje como um conceito operativo indispensável; mais do que uma noção advinda das preocupações ecológicas e ambientais que permeiam todas as sociedades ocidentais, a mobilidade sustentável é, pela sua especificidade, uma componente inadiável do ordenamento do território e do planeamento urbano. A sua gestão origina repercurssões a diferentes escalas: afecta directamente quer a eficiência e a intensidade energéticas de cada país, quer a própria qualidade de vida dos seus cidadãos.

Ora, não se pode, como em muitos outros assuntos, colocar o ónus da mudança apenas em renovações estruturais e tecnológicas; um agente incontornável terá de ser a adopção de novos comportamentos sem prejuízo da qualidade de vida; o desafio, a nível urbano, é precisamente garantir que os cidadãos mantenham a capacidade de se de deslocarem de muitas formas diferentes e segundo as actividades que exercem, mas incluindo nas suas escolhas modais as externalidades que eles comportam.

Não se compreende, portanto, como é que a suposta escola de excelência de ciência e engenharia que é o Instituto Superior Técnico, em cujas cátedras marcam presença autoridades académicas nos temas aqui referidos, ajuda a perpetuar este tipo de situações. A sua localização no centro de Lisboa e as suas características populacionais garantem-lhe não só uma enorme disponibilidade e fidelidade de transportes públicos – dezenas de carreiras da Carris e duas linhas de metropolitano –, mas também a condição de atracção e geração de tráfego rodoviário. Dois aspectos que poderiam e deveriam estar coordenados estão em conflito, por uma simples razão: o estacionamento no campus da Alameda é permitido de forma quase gratuita, a todos os funcionários, professores, investigadores e alunos finalistas; como se não fosse suficiente, muitas vezes este estacionamento é feito e permitido no próprio passeio do campus, confundindo ainda mais aquilo que é o espaço do automóvel e o espaço do peão, e legitimando a ocupação abusiva dos passeios que vinga em toda a cidade. Andar a pé pelo campus torna-se numa experiência desagradável e opressora para quem lá trabalha e estuda; não repararmos nela não significa que ela não exista; apenas assinala a nossa excessiva familiaridade e convivência com o erro. Existe assim uma contradição crassa entre os méritos académicos do Instituto Superior Técnico e a imagem que dele sobeja, por vezes só reconhecida pela surpresa e estupefacção de académicos estrangeiros, como já diversas vezes aconteceu.

Uma universidade não é e não pode ser uma ilha. Não pode estar isolada. Deve receber as influências exteriores da sociedade, moldá-las de acordo com o seu saber e conhecimento e devolvê-las, zelando pela sua aplicação. Manter um estacionamento quase gratuito dentro do campus e em interferência com os peões é, ao mesmo tempo, imitar o pior que a cidade demonstra – a invasão impune dos passeios – e não aproveitar os seus exemplos correctos – o estacionamento taxado. É dizer à sociedade que a universidade deve ser escutada mas que as regras que explicita não serão aplicáveis dentro dela.

É com um apelo ao bom-senso que finalizamos esta breve exposição, conscientes de que haveria muito mais a dizer. Cremos ser fundamental um reordenamento do estacionamento no Instituto Superior Técnico que fomente a adopção de transportes públicos e de outros modos de transporte. A sensibilização e educação para uma política de transportes públicos não deve apenas existir dentro das salas de aulas. Propomos assim uma reformulação do modelo de gestão do estacionamento e da própria configuração dos cerca de 750 lugares à superfície no campus da Alameda, de modo a que:
  • As externalidades do uso da viatura particular sejam tarifadas – mensalmente ou anualmente – em contiguidade com a generalidade do custo do estacionamento na cidade, tal como acontece noutros campi lisboetas
  • O montante decorrente das tarifas seja investido na melhoria das condições do campus e do seu equipamento
  • A mobilidade do peão não seja prejudicada pelos espaços de estacionamento existentes no próprio passeio
  • A acessibilidade automóvel ao campus esteja coordenada com o horário de funcionamento dos transportes públicos circundantes
Recomenda-se concretamente, quanto ao último ponto, a deslocação do horário de acesso ao “estacionamento limitado” que prevê a entrada para todos os portadores de cartão de identificação do Instituto Superior Técnico a partir das 17h para as 20h, altura em que a oferta de transportes públicos circundantes ao campus diminui e o tráfego nas imediações já não é tão intenso.

Espera-se desta forma que haja um estímulo directo à utilização dos transportes públicos, actuando o pagamento do estacionamento como a componente dissuasora. O acesso de empresas de cargas e descargas deverá contudo ser preservado destas reformas.

Concluímos com duas sugestões. A primeira prevê a instalação de um projecto-piloto, ligado ao Departamento de Engenharia Civil e envolvendo alunos finalistas na gestão da mobilidade do campus; além de várias licenciaturas envolverem a temática dos transportes e da mobilidade sustentável, pode ser uma excelente oportunidade para mostrar aos estudantes que as melhores práticas científicas muitas vezes coincidem com a sua pertinência social. A segunda surge numa perspectiva de planeamento a longo prazo que poderá envolver os alunos e professores da licenciatura em Arquitectura, sugerindo-se a remoção gradual do parque automóvel do interior do campus e um arranjo paisagístico concomitante que promova assim o enriquecimento da vida dos estudantes, funcionários e investigadores do Instituto Superior Técnico.

Cremos que a adopção dos elementos aqui elencados constituem, se concretizados, uma demonstração exacta da seriedade do mundo académico enquanto divulgador dos bons exemplos para a sociedade e legitimam a sua adopção por outras empresas e instituições.


Com os melhores cumprimentos,

Tiago Mesquita Carvalho – ex-aluno e actual bolseiro de investigação científica no IST
Rosa Félix – Estudante de Engenharia do Território
Filipe Beja – Finalista em Engenharia do Território

6 comentários:

  1. isto tem o meu apoio total. porém preferia que a carta fosse mais curta pois não tive paciencia para a ler toda quando sei que a mensagem é muito simples: vamos tirar os carros dos passeios. espero que o destinatário a consiga ler...

    a referência aos estrangeiros também me parece despropositada... preocupa-me mais o exemplo que damos aos nossos filhos do que a estupefacção que criamos nos estrangeiros.

    ResponderEliminar
  2. Hugo Ferreira2:10 da tarde

    Sou aluno do IST e também concordo que é uma vergonha o que acontece na supostamente melhor faculdade de engenharia do país! Que tem os melhores especialistas em transportes de Portugal, mas que achou que a melhor solução para o estacionamento do pessoal é acabar com os passeios e obrigar toda a gente, incluindo pessoas com problemas motores, andar na estrada com os carros a passar! É uma vergonha!

    ResponderEliminar
  3. excelente ideia e corajosa
    parabens!
    ncaiado

    ResponderEliminar
  4. A ideia é boa e meritória, mas a retórica era dispensável! Como alguém disse uns comentários acima: um ou dois parágrafos bastariam para a transmitir. O excessivo "barroquismo" e as considerações sobre "as influências exteriores da sociedade..." não ajudam nada a exprimir uma ideia que é boa em si mesma.

    Um conselho a estes engenheiros (ou quase engenheiros): keep it simple.

    ResponderEliminar
  5. Totalmente de acordo. E esta ideia de sustentabilidade aplica-se a outros campus, nomeadamente na Cidade Universitária, onde embora o estacionamento seja pago, não se encontra à vista estacionamento para bicicletas, o que por si só é um incentivo ao seu uso, e também ao pólo da ajuda, construído de tal forma isolado e distante da rede de transportes públicos que estes por muitos anos não eram alternativa, sem deixar de referir que todo o polo parece planeada para ser acessidido por automóvel, tal a distância entre edifícios e pobreza do seu espaço público.

    ResponderEliminar