O que poderia ter sido um acontecimento e uma satisfação para os Lisboetas e para aqueles que nesta cidade trabalham, acabou por se tornar um pesadelo para as populações locais. Refiro-me ao recentemente inaugurado último troço do Eixo N/S entre o Lumiar e a IC 17.
Concretizando uma velha aspiração de retirar trânsito de passagem do interior da cidade, esta via sofreu uma alteração entre esse conceito inicial (PDM 1967) e o actual (PDM 1994) no sentido de lhe atribuir também funções de trânsito local. Esta modificação implicou assim um aumento do número de nós e das respectivas saídas.
Esta opção encontra-se hoje tanto mais justificada quando a zona a poente da via, que no primeiro Plano Director constituía o Parque Periférico, foi sendo entretanto preenchido com loteamentos, cujo peso do aumento populacional começa agora a manifestar-se.
Não foi sem algum espanto que vimos esta obra abrir ao público em condições deploráveis, mais próprias de um país do terceiro mundo do que de um Estado que se diz de direito e democrático. Das funções a que se propunha apenas o problema do trânsito de passagem ficou resolvido e mesmo este mal (vide os engarrafamentos no Nó do Grilo).
Vejamos então algumas razões de crítica:
1. Ausência de publicitação do projecto. O facto de as populações desconhecerem os pormenores do projecto (não existir nenhum cartaz no local com o desenho da obra) impediu uma discussão e um controle mais apertado da parte destas. Questionada a Câmara sobre a consulta ao projecto fui convidado a fazer um telefonema para o Chefe da Divisão de Trânsito da autarquia, como se de um assunto particular se tratasse.
2. Desresponsabilização ou demissionismo por parte das entidades responsáveis, designadamente da Câmara, relativamente ao estado da obra. Questionada a Câmara, fomos remetidos para a empresa adjudicatária da mesma (LUSOLISBOA - Auto-Estradas da Grande Lisboa, S.A.).
3. Falta de cumprimento dos objectivos da Câmara. Na 13.ª Reunião de Câmara de 1 de Março de 2006 foi aprovada por unanimidade a Proposta de Elaboração do Programa de Acção Territorial para a Coroa Norte de Lisboa (Calçada de Carriche, Ameixoeira e Galinheiras) – Proposta n.º 68/2006. Nesta proposta foram definidas acções concretas, consideradas prioritárias, a realizar até ao final do mandato. Uma das acções previstas era a construção da ligação do Bairro das Galinheiras à rotunda das Galinheiras do Eixo N/S e à Estrada Militar. Questionada a Câmara sobre a saída para a Charneca/Galinheiras foi-nos respondido que não havia espaço. Aparentemente esta saída não será feita.
4. Obra inacabada. Dos nós previstos dentro de Lisboa vejamos o que ficou: o do Lumiar ficou reduzido a metade (fala-se que já estará em estudo na Câmara mais um famigerado loteamento para o local o que, a ser verdade, poderia inviabilizar o resto do nó); o da Ameixoeira, o único completo e que aliás está a servir também o Lumiar para quem vem de Norte, a Charneca e as Galinheiras, desemboca para poente numa azinhaga com algumas centenas de anos; o da Charneca/Galinheiras, pura e simplesmente não existe.
5. Negligência de obra e da fiscalização em relação à sinalização vertical. As placas indicativas das saídas do nó da Charneca/Galinheiras, por exemplo, estão bem à vista, embora essas saídas não existam, iludindo assim as pessoas que acabam por circundar de forma ridícula a imensa rotunda sem encontrarem qualquer saída!
6. Discriminação das populações a poente do eixo. Os acessos a estas zonas (antigas estradas e azinhagas, algumas delas classificadas) estão sem qualquer arranjo, alternativa ou substituição desde há décadas. Com o crescimento de loteamentos no “Parque Periférico” sem qualquer plano de suporte (Ameixoeira, Charneca), têm vindo a agravar-se. As novas acessibilidades induzidas pelo Eixo trouxeram o caos final. O que, curiosamente, não acontece para a zona ocidental do eixo, a Alta do Lumiar, bem servida através do nó da Ameixoeira.
Dir-se-á que a situação é provisória e que vai ser resolvida. A experiência aconselha-nos a não alimentar grandes expectativas. Primeiro, porque nos locais problemáticos não se vê ninguém a trabalhar. Depois, porque duvido que a obra final corresponda ao que foi aprovado pela Câmara, nomeadamente as saídas completas dos três nós referidos. Finalmente porque duvido que haja alguém dentro ou fora da Câmara realmente preocupado com as questões referidas. Porque se assim não fosse, apesar do que foi relatado, estariam a ser realizadas algumas pequenas obras nestes acessos, mesmo precárias, que poderiam ter minimizado alguns dos problemas mencionados.
Concluindo: erros técnicos, negligência, desprezo pelas populações e demissionismo do Poder Central e da Câmara. Mais um mau serviço prestado à cidade e ao País.
Guilherme Alves Coelho