24/05/2019

"Reabilitar" Lisboa - devolve-se à cidade o que antes se destrói

Entrada do prédio Entre-Séculos do Largo do S. Carlos.

O que interessam os mosaicos hidráulicos originais que pavimentavam o átrio? O que importa a belíssima moldura de madeira trabalhada? Para quê salvar os vitrais que tornavam o emolduramento da entrada mais bonito?

A resposta está patente: nada. O que interessa é atirar todos os escombros da imensa demolição de interiores pelo saguão das escadas.

Não restou nada de estuques, azulejos novecentistas que pudessem ter existido nas cozinhas, mosaicos, madeiras.  O que interessa é revendê-lo rapidamente, usando a linguagem asséptica das imobilliárias "Edifício em zona prime, totalmente remodelado, respeitando a traça original." 

Da velha clarabóia já pouco resta. Irá na voragem da reabilitação à la Salgado que, não há dúvida, tem conseguido ludibriar até os mais atentos a estas coisas do património.

Haveria que desmontar a tese de Salgado e dos seus correligionários que afirmam que reabilitar não é restaurar, mas sim devolver à cidade  o que estava abandonado. E, assim, deitando mão de todos os expedientes, dá-se luz verde a verdadeiros atentados patrimoniais onde todos os interiores são varridos do mapa, as cérceas alteadas, as trapeiras substituídas por caixas de zinco.

Para isso, basta chamar um dos vários ateliers de arquitectura disponíveis, autênticas brigadas de esterilização , que da diversidade pré-existente, fazem um papel químico da sua última experiência: tectos rebaixados, branco mais branco não há, pvcs em todas as janelas e os famigerados "acabamentos de luxo".

Devolver o património à cidade, sim, mas não a qualquer preço.

1 comentário:

LuisY disse...

Em primeiro lugar, felicito-vos pela denúncia. Ainda bem que alguém o faz publicamente e que dá voz a muito lisboetas que se chocam com reabilitações à bruta.

Também não entendo a necessidade de rebentar e destruir todos os elementos das casas antigas, como se mostra nessa foto onde há um guarda-vento muito bonito. Os azulejos, os tectos com estuques trabalhados, as escadarias em madeira, as portas em pinho velho são coisas que só emprestam mais charme às casas e as poderão tornar mais atraentes para os turistas. Não percebo nada de negócios, mas parece-me que uma reabilitação mais cuidadosa poderá atrair mais turistas e hóspedes mais endinheirados.

Mas, os nossos arquitectos, promotores imobiliários, gestores autárquicos não gostam das coisas velhas, mas é o velho e o antigo que o turista procura.

Um abraço