07/10/2016

Constantino, o Rei dos Floristas, vai ter uma homenagem no seu jardim


Filipa Mariano, advogada, é a autora de uma das três propostas que venceram o Orçamento Participativo da freguesia de Arroios

In Diário de Notícias (7.10.2016)
Por Susete Francisco


«No século XIX o nome do português emigrado em França era conhecido em toda a Europa. Passados 150 anos a glória deu lugar ao esquecimento. Agora, o Jardim Constantino vai contar a história do homem que lhe deu o nome

Foi um nome grande da sua época, reconhecido nas cortes europeias. De cada vez que se deslocava a Portugal, a visita era notícia nos jornais nacionais. Era recebido pela rainha, convidado de Almeida Garrett, incensado por António Feliciano de Castilho. Passados cento e cinquenta anos sobre a sua morte serão poucos os lisboetas que sabem quem foi o homem que dá nome ao Jardim Constantino, em Arroios, junto à Rua Passos Manuel. Filipa Mariano, advogada de 30 anos, também não fazia ideia de quem fosse Constantino, até que há cerca de dois anos se mudou para Arroios, ali a dois passos do jardim. Começou a procurar e descobriu uma "figura interessantíssima" que a história remeteu ao esquecimento. Vinha aí o Orçamento Participativo da freguesia e resolveu apresentar uma proposta. "Os jardins são muito importantes nas cidades, são espaços de fruição comum. Este é muito procurado por crianças, por idosos, mas é um pouco escuro. Achei que era uma oportunidade para fazer a proposta, para dar uma "cara lavada" ao jardim", conta ao DN. A requalificação sugerida por Filipa inclui uma homenagem - ainda por definir nos seus termos concretos - ao homem que dá nome ao espaço. A proposta foi a segunda mais votada, o que significa que vai sair do papel para o terreno e que o jardim a que dá o nome vai explicar a quem por lá passa quem foi Constantino, conhecido pelos seus contemporâneos como o Rei dos Floristas.

Quem foi Constantino?

Constantino José Marques de Sampaio e Melo nasceu em Torre de Moncorvo (distrito de Bragança) em agosto de 1802. E acabam por aqui as certezas quanto à sua origem. Os biógrafos dividem-se entre colocar Constantino como um filho de uma ilustre família transmontana (mas órfão desde cedo) ou, numa versão radicalmente diferente, o fruto de uma relação adúltera da mãe, deixado na roda e no absoluto desconhecimento da sua filiação - nesta versão da história terá chegado a servir, sem nunca o saber, na casa materna. Certo é que entrou no Convento de São Francisco de Torre de Moncorvo, onde terá nascido o interesse pelas flores - as que havia nos jardins e os estudos botânicos que encontrava nas estantes da biblioteca. Mas não estava nos seus planos ser frade e Constantino veio a trocar o hábito pela farda. Passa cinco anos nos Açores e terá sido aí que começou a fazer arranjos florais para os altares das igrejas, que eram depois vendidas por uma Brízida Brasil - com quem casa em 1824, tinha ela 57 anos e ele 22. Três anos depois fica viúvo. Com a chegada das tropas liberais à ilha Terceira, Constantino, simpatizante dos miguelistas, embarca para Lisboa. Há de acompanhar D. Miguel até Évora e daí para o exílio, em Génova, onde se vê sem dinheiro e sem trabalho. Acaba por empregar-se numa florista, mas uma ordem de expulsão de todos os estrangeiros em situação indefinida obriga-o a abandonar a cidade. Em dezembro de 1834 chega a Paris, empregando-se na casa de um conceituado florista parisiense. Reza a história (nada fácil de destrinçar da lenda, na história de Constantino) que, tendo recebido um bouquet feito pelas mãos de Constantino, a rainha Maria Amélia (mulher de Luís Filipe I) ficou tão impressionada com o arranjo que mandou as suas felicitações ao artista que o fizera - o que, vindo a saber-se, não deve ter feito pouco pela popularidade de Constantino. Em 1839 o florista português, já com o seu próprio negócio, é fornecedor da Casa Real de França. Oura história que ficou impressa: tendo a rainha encomendado uma coroa de flores de laranjeira para o casamento da filha, Constantino leva-lhe duas perfeitamente iguais. Um dia depois volta ao Paço e ter-lhe-á dito D. Maria Amélia: "As suas flores têm apenas uma diferença das naturais, estas murcham, as suas não." Em 1844, já fornecedor de muitas cabeças coroadas da Europa, chega a consagração entre os pares: ganha o primeiro prémio da Exposição da Indústria, em Paris. Será desta altura que vem a aclamação que haveria de tornar-se um "cognome": "Vive le roi des fleurs" (Viva o rei das flores!). Pelo meio, faz longas expedições pela Europa, à procura de flores para replicar artificialmente.

Da glória ao esquecimento

Em 1850, já nome consagrado entre a aristocracia europeia, Constantino tem uma receção apoteótica em Portugal. É convidado de honra de um banquete no Hotel de Itália, presidido por Almeida Garrett, é notícia nos jornais, é recebido pela rainha, pela elite lisboeta e portuense e acolhido com todas as honras na terra natal. Virá a repetir a viagem anos mais tarde, com idêntica receção. Constantino morreu em dezembro de 1873 em França. Aquando do centenário do seu nascimento, em 1902, já se escrevia no Boletim Municipal de Lisboa: "Passou no dia 17 d"este mês o centenário de um portuguez que o mundo aclamou Rei dos Floristas, mas parece que todos se esqueceram d"elle. Há tempos aventou-se a idéa de levantar uma estatua ao grande artista, e seria agora ocasião asada, para ornar com ella o jardim que tem o seu nome." Não aconteceu na altura e não deverá ser este o desfecho agora. Filipa Mariano não tem ideias fechadas sobre o resultado final da sua proposta. "Pode ser uma pequena placa, com uma sinopse" da vida de Constantino, diz ao DN. [...]»

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente ideia. Ainda melhor seria pensar numa maneira de tentar erguer este jardim ao estatuto que merece, em vez de ser um local de recreio de mendigos, onde fumar um cigarro na esplanada é garantia de cravanço e onde o quiosque debita a M80 em altos berros.