21/06/2006

Viver no Chiado: o depoimento de um morador

In Público (21/6/2006)


"Viver no Chiado

À medida que se aproxima o prazo que o Comissariado se atribuiu para entrega de conclusões sobre a Baixa/Chiado multiplicam-se sinais de inquietação e polémica sobre os impasses e as soluções possíveis para o centro de Lisboa. Um centro há tantos anos e de tal forma esquecido pela câmara municipal que oferece a quem passa um espectáculo de completo abandono e desregramento. Já não virá a ser porventura mais o centro que foi antes do fogo de 1988, outras centralidades se foram impondo e desviando o comércio tradicional, talvez por isso ficando como resíduos as instituições e edifícios públicos, muitas vezes nem eles contemplados em obras de limpeza que se multiplicam em prédios acabados de limpar! Criam-se esperanças de promover a zona a um património que a singularize, enquanto se arrastam sem fim as obras e a ocupação das ruas e espaços públicos, entregues a uma pública e mal assumida indefinição de objectivos.

O que mais impressiona nesta azáfama recente é o esquecimento completo das pessoas que aqui vivem. Enquanto se prometem habitações ("para jovens") e se afirma a necessidade de lhes atribuir um terço (!) dos fogos, ignoram-se olimpicamente as necessidades mínimas de sossego, de lazer ou de parqueamento. Para quem queira trocar a calçada portuguesa por um pequeno espaço verde com um baloiço existe tão-só a alternativa de se meter num transporte e sair da zona. Para quem queira descansar à noite será preciso, a partir da meia-noite, telefonar para a polícia a pedir o cumprimento da Lei do Ruído, uma vez que nos restaurantes abertos entretanto, com licenças até às 2h da manhã, se oferecem esplanadas generosas no espaço público convidando nas noites quentes os grupos a consumir e a fazer festa à porta das residências. Quem queira mesmo adquirir mercearia básica terá também de sair da zona e descer até aos Restauradores ou subir ao Bairro Alto...

O trânsito e o parqueamento são outra dificuldade. Desde há muitos anos, mas de forma agravada recentemente, têm sido implementadas medidas de restrição do trânsito e estacionamento que parecem só ter em conta as sugestões feitas por comerciantes e lojistas, que insistem em trazer o automóvel dos clientes até à porta dos estabelecimentos. A qualidade da passagem, do passeio ou do simples atravessamento a pé ou de automóvel nesta zona revela-se, a qualquer hora, uma fonte de problemas. É quase regra o estacionamento em segunda fila e nas passagens de peões, perante a indiferença compreensível dos agentes da EMEL, por um lado, mas sobretudo perante a indiferença dos agentes da PSP que se dirigem ou partem da sua sede. Os automóveis dos agentes e hierarquia da PSP que estacionavam na Rua Anchieta vieram a ocupar, 24 horas por dia, para desespero dos residentes (numa zona excelentemente servida de transportes públicos!), todos os poucos lugares ainda disponíveis (nomeadamente no Largo Nacional de Belas-Artes e na Rua Ivens), obrigando-os, por restrições recentes de trânsito local, a deslocar-se até à Rua da Prata para poder regressar ao Chiado, na esperança em que, entretanto, algum lugar se torne vago por milagre. Repare-se que, como já foi abundantemente notado por todos, se trata de viaturas privadas dos funcionários e não de viaturas de serviço.

Numa área limitada a norte pelo Largo do Carmo e Largo Rafael Bordalo Pinheiro, a ocidente pela Rua da Misericórdia, a sul pela Rua Victor Cordon e a oriente pela Rua Nova do Almada, onde se contam pelos dedos os espaços destinados pela EMEL a parqueamento pago, estão cativos, para instituições públicas ou privadas, nada menos que 127 lugares (cento e vinte e sete, num universo de talvez 480); só a Rádio Renascença cativou 16 lugares e a PSP/Governo Civil pelo menos 48!
Um dos principais calvários é provocado sem dúvida pela total ausência de fiscalização de estacionamento tanto pela PSP como pela EMEL, que nunca foram vistos a trabalhar após as 18h-19h nos dias úteis ou nas manhãs de sábado. Já muito antes de iniciadas as restrições ao trânsito nas freguesias vizinhas (Bairro Alto, Santa Catarina), as ruas da zona serviam, à noite, de parque de estacionamento para quem se dirigia a restaurantes e discotecas do Bairro Alto. A situação agravou-se de forma dramática nos últimos tempos, havendo completa indiferença pelos parquímetros - o estacionamento é pago até às 3h! Toda a gente estaciona onde quer, muitas vezes impedindo trânsito de carros eléctricos ou veículos de limpeza.
Pedro Cabral
Chiado, Lisboa
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Está tudo dito.
PF

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