31/08/2012

Centros comerciais lisboetas. Da glória ao desencanto

Centros comerciais lisboetas. Da glória ao desencanto

Por Cláudia Reis, publicado em 31 Ago 2012 in (jornal) i online 

Alguns dos centros comerciais de Lisboa estão literalmente ao abandono. Tristeza é o sentimento mais comum entre aqueles que os frequentaram
Em tempos foram considerados espaços de referência e de prestígio no centro de Lisboa, hoje não passam de grandes edifícios sem vida, abandonados na capital. Alguns falam em “tristeza”, outros responsabilizam a “crise” pelo estado a que chegaram muitos dos centros comerciais instalados no coração de Lisboa.

Corredores vazios, luzes apagadas, lojas--fantasma e muito poucas pessoas são o cenário mais comum em grande parte destes espaços. Uma imagem desoladora quando comparada com aquela que caracteriza os grandes centros comerciais da moda.

Situado mesmo ao lado da estação de comboios de Entrecampos, o Centro Comercial Gemini deixa apenas saudades a quem ali trabalhou. O espaço encerrou as portas, em definitivo, em 2009, depois de mais de 20 anos a servir quem por ali parou.

Hoje, o Bairro de Santos vive sem o centro comercial. Em volta apenas existe um estabelecimento aberto há pouco menos de 15 dias. Maria Figueiredo (nome fictício), proprietária do espaço, recorda com alguma tristeza a forma como aconteceu o encerramento do espaço comercial: “Foi de repente”, disse.

Embora os trabalhadores das lojas já estivessem à espera daquele fim, mesmo até porque nos meses anteriores ao fecho “havia muito poucas pessoas”, a situação não deixou de ser uma surpresa para todos. “Saí muito magoada. Estragaram-me a vida e a de muita gente que vivia daquilo ”, lamentou Maria Figueiredo, acrescentando que ainda hoje, três anos depois, “as pessoas não foram indemnizadas”.

O facto de haver situações muito específicas dificulta a resolução dos problemas. Como referiu a comerciante, “há inquilinos e proprietários” com interesses diferentes que têm contribuído para a demora em solucionar o caso.

Quando questionada sobre a causa que poderá ter levado ao encerramento do espaço, Maria Figueiredo fala em “má gestão”, sublinhando que “a última administradora do centro comercial foi uma desgraça”. Desde a abertura até aos últimos dias, refere que a “quebra foi muito significativa” e que, de ano para ano, foram sendo cada vez menos as pessoas a frequentar o espaço.

A comerciante diz que foi com a saída do Pingo Doce do centro comercial, em 2007, que teve início o declínio do Gemini, e que também a inauguração de novos centros comerciais foi má para o negócio. O afastamento das pessoas tornou--se inevitável.
“Recordo-me de ver, no início, o parque de estacionamento cheio de carros. Até mesmo a meio da manhã era difícil de estacionar. Nos últimos tempos tínhamos a oportunidade de escolher um lugar à vontade”, conta Maria Figueiredo.

Apesar de os colaboradores e lojistas terem mantido uma “boa relação” até ao fim, a insustentabilidade financeira dos empresários acabou por ditar o encerramento do Gemini. “As rendas mensais rondavam os 500 euros”, recorda a comerciante.
 O caso do Centro Comercial Nevada, em Benfica, não é muito diferente do Gemini, com a única diferença de que o primeiro ainda mantém as portas abertas. No entanto, o número de lojas abertas conta-se pelos dedos das mãos. Os trabalhadores mostram-se reticentes. Ana Baía (nome fictício), colaboradora de uma loja de atoalhados do espaço, refere: “Até agora, o centro tem conseguido manter-se, mas não sei se vai aguentar-se muito mais tempo.”

A funcionária afirma que “nos últimos quatros anos, a quebra situou-se na ordem dos 80%”. Apesar de a loja ter clientes fidelizados, Ana diz que a crise tem “uma grande influência” sobre os consumidores.

“Foi essencialmente desde a chegada deste governo ao poder, sobretudo com as medidas impostas pela troika e o corte de subsídios, que as coisas se tornaram mais difíceis”, admite. Clientes a visitar o centro são quase nenhuns. Em pouco mais de 20 minutos de permanência no centro, apenas funcionários do espaço atravessaram os corredores do Nevada. Pouco passavam das 19 horas de um dia de semana de Agosto.

A poucos metros de distância, mais um centro comercial literalmente “às moscas” em Benfica. Nem mesmo as obras de remodelação que serviram para transformar o cinema em Teatro Turim atraíram mais clientes para o espaço. Contrastando com o interior, a parte exterior tem um aspecto muito mais moderno. O senhor Martins, como gosta de ser tratado, vigilante do centro comercial há dez anos, diz que têm ido “cada vez menos pessoas ao Turim” e o que ainda traz vida ao espaço é o teatro, o único espaço do centro que “ainda se consegue encher de gente”.

Uma boa notícia para quem gere o espaço, mas que não chega para afastar o fantasma da crise. “Os lojistas estão preocupados com a quebra das vendas”, afirma, acrescentando: “Desde que trabalho aqui no centro, nunca fechámos ao domingo, e este ano, pela primeira vez, fechámos as portas.”

O colaborador diz que “é um reflexo da crise” e que as dificuldades financeiras têm levado muitos lojistas a mudar-se dali. Das 15 lojas do centro comercial, estão abertas menos de dez.

“Alguns colaboradores saíram daqui para o Nevada. Na altura falaram mal do Turim e disseram que aquele era melhor do que este. Depois voltaram. Há muitos que cortam daqui e dali, falam muito mal, mas depois voltam ao centro”, conta.

Já o Centro Comercial Alvalade, situado numa das zonas mais nobres da capital, encontra-se numa situação mais complicada. Neste momento está em obras e tem apenas duas lojas abertas. Isabel Ribeiro, que tinha o hábito de visitar o centro por morar nas redondezas, refere que há uns anos “o espaço tinha todas as lojas preenchidas e duravam anos”. Contrastando com o cenário actual, na altura o centro “foi-se expandindo ao longo do tempo com a abertura de novos espaços e novos corredores”, relembra Isabel.

A farmacêutica aponta o surgimento de novos centros comerciais como o Colombo e o Vasco da Gama como principal responsável pelo declínio do centro. “A redução das visitas e, consequentemente, das compras não compensava certamente a renda que os lojistas teriam de pagar todos os meses. As lojas foram fechando e outras mudaram de sítio para não ficarem em corredores vazios”, explica. O i ligou para o centro comercial para obter mais informações sobre a actual situação do Alvalade, mas pouco nos foi adiantado. Um colaborador (que não se quis identificar) disse apenas que o centro se encontrava em obras “sem data prevista para finalização”. Depois de alguma insistência foi-nos dada a indicação para contactarmos com a Alves Ribeiro, suposta responsável pelo espaço. Sem qualquer resposta, mandaram-nos ligar para a Alrisa, que também disse não estar ligada ao centro comercial, passando a ligação para a Mundicenter, que afirmou desconhecer que a empresa estivesse envolvida na gestão do centro. Chegámos ao fim sem qualquer esclarecimento e apenas com a certeza de que não há ninguém que dê a cara pelo centro. Sobre a forma como se encontra o centro comercial Alvalade, Isabel Ribeiro apenas disse sentir “alguma tristeza por ver um espaço amplo e alegre ter sido deixado quase ao abandono”.

Poucos metros adiante, na Avenida de Roma, uma das zonas privilegiadas de Lisboa, o cenário repete-se. O Centro Comercial Roma é mais um dos espaços votados ao declínio. Teresa Mendes, reformada, recorda os tempos em que trabalhava numa galeria que ficava mesmo ao lado do centro. “O centro Roma era bastante elegante quando abriu, nos anos 60”, admite. Logo no início tinha três pisos e agora tem “um piso todo fechado”, diz Teresa, acrescentando: “Está um bocado triste.”

O envelhecimento da população, a diminuição do poder de compra e a abertura de novos centros comerciais são algumas das razões destacadas por Teresa que explicam o declínio de centros comerciais como este. “Antigamente havia lojas muitos boas no centro, dirigidas para a classe mais alta da sociedade, mas há uns cinco anos começou a ficar mais decadente”, lamentou a antiga galerista.

 No caso do primeiro centro comercial a surgir em Lisboa, o Apolo 70, no Campo Pequeno, o caso é diferente. Apesar da crise, Margarida Torrão, que trabalhou numa das lojas do espaço, refere que o centro “vai-se mantendo”, embora o negócio “esteja agora mais fraco”. Mesmo com a reabertura do Centro Comercial Campo Pequeno, não se “registaram grandes quebras”, afirma.

A ex-colaboradora do centro afirma que sempre que lá vai “vê muita gente” e que à hora do almoço é que se nota mais o movimento, pois “os restaurantes do espaço servem dezenas de refeições” – uma boa notícia entre tantas as que dão conta de encerramentos por falência.
 Para ela, a morte deste centro não está para breve, apesar das “dificuldades de muitos lojistas em manter o negócio”.

3 comentários:

Julio Amorim disse...

Pois, pois....de pequeno comércio - a pequenos CC - a grandes CC - e parece que o circulo com mais de 40 anos ainda não fechou.

O primeiro CC de Lisboa nao foi o Apolo 70;

"O primeiro Centro Comercial que existiu em Lisboa foi o Centro Comercial "Sol a Sol", que se encontrava instalado numa quase cave na Avenida da Liberdade, junto à sede do Diário de Notícias.
Assim se chamava porque funcionava das 10.00 da manhã até ao pôr do sol. Era composto por 16 lojas pequenas. Desciam-se 6 degraus, e subia-se pelo lado oposto, que ía dar à Rua das traseiras. Nesse tempo ainda se chamava Drugstore"

....e se repararem na "rua das traseiras" ainda lá está o nome na bela calçada portuguesa.

http://cidadanialx.blogspot.se/2011/06/sol-sol.html

Julio Amorim disse...

..e bom relembrar que a crise nos pequenos CC já é velhota !

Lembram-se daquele na Estação dos Comboios do Rossio, um outro ao cimo da Av. Gomes Pereira em Benfica.... entre outros.

Anónimo disse...

Aquela senhora que aproveitou para fazer campanha eleitoral brejeira e demagoga é muito deselegante.