23/02/2006

Sá Fernandes quer saber tudo sobre a câmara e a Bragaparques!

"Vereador apoiado pelo Bloco de Esquerda deseja conhecer todos os negócios da Câmara de Lisboa com a empresa de Braga (...) José Sá Fernandes vai apresentar amanhã, dia 23, uma moção sobre o "caso Bragaparques" na reunião da Câmara Municipal de Lisboa (CML) que visa não só conhecer todos os negócios que esta empresa já teve com a autarquia, como também as respectivas contrapartidas envolvidas. O vereador independente eleito pelo Bloco de Esquerda pretende assim abrir a porta ao escrutínio de toda a relação da empresa com a CML, eventualmente na perspectiva do alargamento da investigação judicial para lá do caso específico Feira Popular/Parque Mayer. No sábado passado, José Sá Fernandes revelou ter sido objecto de uma tentativa de corrupção por parte da empresa, alegadamente levada a cabo pelo seu principal administrador, Domingos Névoa, junto do irmão do vereador, o advogado Ricardo Sá Fernandes.

Névoa terá proposto pagar 200 mil euros a José Sá Fernandes, tendo este, em contrapartida, de retirar uma queixa judicial contra os negócios da Bragaparques com a CML que permitiram à empresa ficar com todo o espaço da Feira Popular, dando em troca cerca de 60 milhões de euros e ainda o terreno do Parque Mayer, que lhe pertencia. As conversas do empresário com o advogado irmão do vereador foram gravadas, sob monitorização policial. Domingos Névoa foi constituído arguido, permanecendo em liberdade após ter pago uma caução de 150 mil euros.
Os cerca de 60 milhões de euros que a Bragaparques pagou por metade da Feira Popular já constam desde 2005 nos cofres camarários, segundo garantiu ontem ao PÚBLICO um assessor do vice-presidente da CML, Fontão de Carvalho. Esse negócio consumou-se numa controversa hasta pública que a empresa ganhou, mesmo sem ter apresentado a melhor proposta, invocando para tal um direito de preferência cuja legalidade toda a oposição pôs em causa.

Carmona comenta
A acção judicial de Sá Fernandes pedindo a anulação de todo o negócio não só não foi a única, como nem foi a primeira a ser apresentada. Em Junho de 2005, o PCP actuou junto do Ministério Público e do Tribunal Administrativo, bem como da Polícia Judiciária (PJ), falando em "eventual gestão danosa".
Dois meses depois, em Agosto, foi a vez do presidente da Assembleia Municipal (Modesto Navarro, do PCP) enviar todo o processo para o procurador-geral da República, Inspecção-Geral da Administração do Território e Tribunal de Contas. Estas iniciativas levaram em Dezembro passado a PJ a fazer buscas na CML.
Hoje, o PCP tenciona levar o caso de novo a discussão na Assembleia Municipal - e recordando sempre que esteve contra todo o negócio, ao contrário do PS e do BE. Irá propor a formação de uma comissão que acompanhe o caso.
Ontem à noite, na SIC Notícias, o presidente da CML comentou pela primeira vez publicamente o caso denunciado por Sá Fernandes. Carmona falou numa "situação ruidosa" que o deixou "surpreendido" e "estupefacto". Disse ainda que, "felizmente", nunca passou ele próprio pela experiência de ser objecto de uma tentativa de corrupção, acrescentando: "Não sei como reagiria."



Ex-vereador diz que tentaram comprar-lhe o voto duas vezes


Todos os ex-vereadores da Câmara de Lisboa contactados pelo PÚBLICO negaram ter alguma vez sido alvo de tentativa de suborno. Todos excepto um, o social-democrata Victor Reis, que vai mesmo mais longe, ao afirmar que não acredita que quem desempenha estes cargos não tenha alguma vez "vivido isso na pele", dadas as elevadas somas muitas vezes em jogo.

Vereador da Cultura e da Reabilitação Urbana entre 1986 e 1990 - mais tarde voltaria à autarquia, mas do lado da oposição, sem pelouros -, este arquitecto e ex-deputado diz que por duas vezes, ao longo do período em que exerceu funções, o tentaram comprar. Tratava-se de assuntos que nem sequer estavam sob a sua alçada, "questões urbanísticas" que, porém, dependiam também do seu voto para serem aprovadas em reunião de câmara, conta. "Qualquer pessoa que tenha estado em cargos deste género já passou por isso", reforça.

A sua reacção à proposta terá sido instantânea: "Até fui um bocadinho ordinário. Mandei-os à outra parte." Apresentou queixa às autoridades? "Não, há coisas que não se conseguem provar. E isso não se resolve filmando ou gravando conversas", responde. "Num dos casos tentaram pressionar-me através do meu sogro, que me perguntou que andava eu a fazer para lhe estarem a chatear o juízo ", prossegue. "Quando cheguei à reunião de câmara, votei contra."

"Deixe-me lá pensar... Não me lembro, mas penso que nunca fui alvo de uma tentativa de suborno", diz, por seu turno, o agora deputado socialista Vasco Franco, 23 anos na autarquia, parte dos quais a gerir as somas astronómicas do Plano Especial de Realojamento. O ex-vereador atribui esse facto a "nunca ter recebido entidades ou pessoas que tivessem negócios com a câmara", que preferia encaminhar para os serviços municipais, se necessário.

"Quando falava com os empreiteiros, era por minha iniciativa, e quase sempre porque as coisas estavam mal paradas - uma obra atrasada, por exemplo." Nesse campo, um dos poucos episódios de que se recorda é o de um engenheiro camarário que acabou por ser despedido depois de se apurar que, durante a fiscalização de uma obra na Calçada de Carriche, havia exigido ao empreiteiro um andar.
No mesmo sentido vão as declarações do ex-vereador e ex-presidente de câmara João Soares e da ex-vereadora socialista Margarida Magalhães, que exerceu funções numa das áreas mais melindrosas a este nível, o urbanismo. "Nunca ninguém teve a coragem ou o descaramento de me propor algo semelhante", assegura esta última. "Também tinha o cuidado de fazer as reuniões sempre com a presença de técnicos camarários ou dirigentes dos serviços."

Em 20 anos de Câmara de Lisboa, o comunista Rui Godinho diz igualmente nunca ter deparado com uma situação deste tipo. O ainda mais veterano Pedro Feist, autarca da capital há três décadas quase ininterruptas e actualmente a desempenhar o cargo de vereador do Desporto e da Higiene Urbana, nunca viu "nada sequer de parecido" ao relato de Sá Fernandes em 30 anos.

"Nunca me aconteceu nada que se parecesse. Nem a mim nem aos meus colegas", declara, manifestando-se muito surpreendido com o caso. A provar-se, diz que ele deve implicar que a Câmara de Lisboa nunca mais negoceie com a Bragaparques. Esta terá sido, no seu entender, uma atitude de "ingenuidade" da empresa. "Parece-me um gesto tão primário, tão deslocado..." Pedro Feist garante que em matéria de corrupção põe as mãos no fogo por todos os seus colegas vereadores, independentemente da força política a que pertençam. A.H., com I.B.


PJ investiga ligações de outros responsáveis da empresa


A Polícia Judiciária continua a investigar a eventual ligação de outros responsáveis da Bragaparques ao caso do suborno ao vereador apoiado do Bloco de Esquerda, José Sá Fernandes. Para já, as investigações apenas permitiram indiciar a participação de um sócio da empresa, Domingos Névoa, que propôs um pagamento de 200 mil euros ao vereador para que aquele desistisse da providência cautelar que havia posto para travar o negócio do Parque Mayer e da Feira Popular.
No entanto, o PÚBLICO sabe que estão a ser desenvolvidas diligências para perceber se outros responsáveis da empresa bracarense tinham conhecimento da proposta e se o pagamento seria feito pela conta corrente da firma.
Quanto ao crime pelo qual Domingos Névoa foi indiciado, trata-se de corrupção activa para acto ilícito. Assim, não está em causa qualquer crime tentado, já que a tipificação daquela situação criminal não prevê a tentativa. Isto é, basta que se trate de um titular de um cargo público e que estejam reunidos todos os elementos do suborno para que não seja necessário que o mesmo se efective. Assim, seja ou não concretizada, a proposta reveste-se de igual valor.
As autoridades entenderam também, neste caso, que não seria necessário deter o suspeito em flagrante. Optaram então por reunir todos os indícios, que passaram pela validação judicial da gravação e da filmagem dos encontros, para avançar depois com um mandado de detenção. Quando foi ouvido, na sexta-feira, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Domingos Névoa ia na qualidade de detido, e as medidas de coacção que lhe foram aplicadas - pagamento de uma caução de 150 mil euros - foram entendidas pelo magistrado como suficientes para evitar a sua fuga.
Refira-se ainda que este processo é completamente autónomo da investigação que está a ser desenvolvida pelas autoridades sobre a actuação da Bragaparques na aquisição dos terrenos da Feira Popular. Aí, há também suspeitas de corrupção e participação económica em negócio, tendo a Polícia Judiciária já efectuado buscas à sede da empresa e à Câmara Municipal de Lisboa. No entanto, a análise da documentação é muito mais difícil de ser feita e as investigações estão mais atrasadas. Porque no caso do suborno a prova já estava recolhida, as autoridades entenderam que se tratava de uma investigação autónoma, que poderia seguir rapidamente para acusação e julgamento. Tânia Laranjo


Dez anos de confusões e de suspeitas


Com actividades conhecidas em Lisboa a partir de 1996, já com João Soares na câmara, a Bragaparques foi objecto de controvérsia em praticamente todos os projectos em que se envolveu na capital. É essa já longa história de episódios pouco claros que o vereador eleito pelo Bloco de Esquerda pretende agora que seja investigada.

Parque do Martim Moniz
Realizadas em 1996 e 1997, as obras do parque de estacionamento subterrâneo do Martim Moniz provocaram a destruição de parte da Muralha Fernandina, mas não foi por isso que o empreendimento se viu envolvido em polémica. Na origem do acordo estabelecido entre a Bragaparques e a câmara, encontra-se um contrato atípico, celebrado através da EPUL, que atribuiu a Domingos Névoa e aos seus sócios, por negociação directa, o direito de explorar o parque em contrapartida da sua construção e da realização de obras no largo do Martim Moniz. Por altura da inauguração, em Outubro de 1997, o executivo de João Soares anunciou que a construção tinha sido feita a custo zero para o município, mas não foi isso que pôs termo às críticas e suspeitas sobre a engenharia financeira do projecto. Quatro anos depois, em plena campanha eleitoral para as autárquicas de 2001, o candidato do Bloco de Esquerda à câmara, Miguel Portas, assumiu com estrondo o que corria nos bastidores. "A Bragaparques construiu o estacionamento do Martim Moniz com dinheiros públicos, dinheiros da EPUL, empresa municipal que lhe pagou 2,5 milhões de contos pelo arranjo do [largo do] Martim Moniz. Ora, o custo real do arranjo do Martim Moniz não foi mais do que 600 mil a 700 mil contos. Uma vez que não houve investimento da empresa no parque de estacionamento, a Bragaparques não está nada ralada com a sua subocupação, tudo é lucro", disse Portas aos jornalistas. No dia seguinte, Soares ameaçou o candidato bloquista com os tribunais. "Aguardo e agradeço, porque é o modo correcto de proceder ao apuramento dos factos", respondeu Portas. Que se saiba, a ameaça nunca foi concretizada.

Parque da Praça da Figueira
Atribuído por concurso à Comporest, uma empresa do grupo Bragaparques, o parque da Praça da Figueira começou por ser objecto de controvérsia por causa da razia provocada pelas suas obras nos vestígios arqueológicos existentes no subsolo do largo. Para que o enorme caixão subterrâneo pudesse albergar os 530 lugares de estacionamento previstos, as suas escavações fizeram desaparecer o que restava do Hospital de Todos-os-Santos, das hortas medievais de São Domingos, de um bairro muçulmano e até de uma necrópole romana. Condenada por numerosos arqueólogos e pela Quercus, a obra foi concluída em Setembro de 2001, mas a forma como a câmara geriu o seu envolvimento com a Bragaparques só veio a ser posta em causa no ano seguinte, já com Santana Lopes na autarquia. "No acordo ficou estabelecido que a câmara não iria gastar nada. Entretanto surgiu um projecto de requalificação urbana da praça e agora a câmara recebeu uma factura da Comporest [no valor de 2,4 milhões de euros] que não tem tradução nem no projecto do parque nem no de requalificação da praça", disse o então vice-presidente Carmona Rodrigues. Santana, por seu turno, adiantou que não havia no município documentos justificativos de muitos dos trabalhos a que se reportava a factura e que também não havia qualquer contrato relativo à requalificação da praça solicitada por João Soares. O litígio arrastou-se até ser estabelecido um acordo, já em 2004, acabando a autarquia por pagar à Comporest 3,5 milhões de euros, menos 350 mil do que aquilo que já pedira em tribunal. O assunto nunca foi cabalmente esclarecido.

Obras ilegais no Condes
Foi a 27 de Dezembro de 2001, dias antes da posse do executivo de Santana Lopes, que a câmara liderada por João Soares aprovou a remodelação do antigo cinema Condes proposta pela Bragaparques. O alvará foi emitido ainda antes da entrada em funções do novo executivo e as obras, discretamente, iniciaram-se em Março, com a demolição do interior do edifício classificado como imóvel de interesse público. Alertado para o facto, o Instituto Português do Património Cultural mandou embargar os trabalhos, após constatar que eles não respeitavam o projecto que em 1999 lhe fora submetido pela câmara e que merecera a sua aprovação. Dias depois, foi a vez de a nova vereadora do Urbanismo, Eduardo Napoleão, anular a licença que tinha sido deferida pela sua antecessora já depois das eleições. Escalpelizado o processo, veio a apurar-se que o Ippar tinha dado luz verde a um projecto apresentado pelos anteriores proprietários e que aquilo que fora aprovado em Dezembro era outra coisa. Perante o embargo, os proprietários avançaram depois com um novo projecto que visava a instalação de um restaurante da cadeia Hard Rock Café, que viria a ser aprovado em Setembro desse ano.
A "trafulhice"
do Parque Mayer
A condenação da permuta dos terrenos do Parque Mayer pelos da Feira Popular, celebrada entre a câmara e a Bragaparques no Verão passado, coube fundamentalmente ao PCP, que a qualificou como um "negócio da China" e a participou aos tribunais como um acto de gestão danosa. O advogado José Sá Fernandes chamou-lhe "uma trafulhice" e pôs também uma acção em tribunal com vista à sua impugnação judicial. Mas as dúvidas sobre a forma como o futuro do Parque Mayer estava a ser tratado entre a câmara e os seus proprietários já vinham do tempo em que João Soares convidou Norman Foster para projectar os empreendimentos a construir nos terrenos da Bragaparques. A enorme trapalhada em que se transformou o processo no mandato de Santana Lopes está, porém, longe de estar isenta dos mais nebulosos contornos. Que o diga Gonçalo Sequeira Braga, o presidente da EPUL nomeado por Santana, que nunca escondeu as enormes dúvidas que o levaram a opor-se à solução arquitectada entre a câmara, a Bragaparques e o Grupo Espírito Santo. Em causa estava a criação de um fundo de investimento imobiliário entre estes dois grupos económicos e a própria EPUL, que trataria conjuntamente a urbanização da Feira Popular e de terrenos da EPUL no Restelo e a renovação do Parque Mayer. Sequeira Braga foi despedido por Santana, o negócio foi por água abaixo, mas ninguém ficou convencido. José António Cerejo


O que é a Bragaparques?


Cidade dos empreiteiros. É assim que Braga é vista por muita gente de fora e por alguma de dentro - nomeadamente da oposição ao "dinossauro" autárquico socialista Mesquita Machado. O homem que controla há quase três décadas a Câmara de Braga disse há alguns anos ao PÚBLICO que não via mal nenhum nesse epíteto, pois só comprovava a vitalidade empresarial do concelho - que hoje já conta com mais de 160 mil habitantes, mercê da extraordinária expansão urbanística iniciada na década de 80. E foi à sombra da construção civil que várias empresas da cidade "engordaram" de tal forma que se tornaram (relativos) potentados nacionais - criando fortes grupos e apostando, ao longo da última década, na diversificação dos seus negócios. Entre elas está a Rodrigues & Névoa - uma firma de dois antigos emigrantes que começou com um discreto escritório de empreiteiros na capital do Minho. Com as "douradas" mais-valias provenientes do cimento armado, Manuel Rodrigues e Domingos Névoa conseguiram que a Câmara de Braga lhes vendesse o subsolo das duas principais praças da cidade, onde construíram gigantescos parques de estacionamento - negócios muito polémicos, como o comprova o facto de noutras cidades apenas lhes ter sido concessionado o subsolo -, precisamente através da agora famosa empresa Bragaparques. A partir daí, a sua vertiginosa ascensão não mais parou. O protagonismo nacional surgiu com a compra dos terrenos do Parque Mayer, que acabaram por trocar, com o acordo da Câmara de Lisboa, pelos da antiga Feira Popular. Na terra de origem, entre outros interesses, o grupo Rodrigues & Névoa explora uma concessionária automóvel e um hotel, é sócio do maior shopping de Braga, integra o consórcio privado que comprou 49 por cento da Agere - empresa municipal de águas e ambiente, que se candidatou à privatização da Águas do Ribatejo - e está ligado à direcção do Sporting Clube de Braga.
Assim, a sua alegada influência toca os três vértices daquilo que o Bloco de Esquerda concelhio - partido pelo qual o vereador José Sá Fernandes foi eleito em Lisboa - denuncia como sendo o "obscuro triângulo câmara-empreiteiros-futebol" existente em Braga. Alexandre Praça
"

In Público (21/3/2006)

Esta é uma peça jornalística que, além de ter elementos fundamentais no que toca a sabermos como somos governados, contém ainda algumas «pérolas» como sejam as declarações de Vitor Reis, ex-vereador da CML

PF

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