24/06/2007

Colinas....tramadas



O professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu programa de ontem, comentou a participação do candidato do PS à Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, no passeio "Lisboa antiga de Bicicleta", organizado pela Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta - FPCUB - no dia 3 de Junho. Perante as declarações, decidi escrever-lhe a carta que aqui transcrevo na íntegra.Caro professor Marcelo Rebelo de Sousa,não pude deixar de me indignar com um dos comentários que proferiu nas notas curtas do seu último programa, no dia 10 de Junho. Citando-o: "Se há cidade onde não faz sentido defender a bicicleta com as sete colinas é Lisboa. (...) Andar de bicicleta em Lisboa, teoricamente é impossível (...)".Admito que a maioria dos lisboetas, e até dos portugueses, reconhecem-se nas palavras do professor. Porém, como utilizador diário da bicicleta que sou na cidade das "sete colinas", gostaria de lhe deixar algumas notas.1) Existe uma "comunidade" de ciclistas em Lisboa que, hoje mesmo, circula diariamente por várias zonas da cidade. Digo comunidade porque tem consciência de si própria (pela sua diferença e "exotismo" face aos demais meios de transporte habituais na cidade) e porque participa em campanhas, passeios e outras acções em defesa de uma Lisboa mais amiga da bicicleta.2) O número de utilizadores de bicicleta em Lisboa tem aumentado de ano para ano. Não havendo dados estatísticos que dêem conta dessa realidade, esta afirmação baseia-se na mera observação da realidade envolvente. Reconheço as limitações deste método mas, à falta de melhor, também não se podem negar as evidências. Perante este crescendo, a questão da possibilidade ou não do uso da bicicleta em Lisboa fica, parece-me, sem efeito.3) As campanhas, passeios e acções que têm lugar em Lisboa em defesa da utilização da bicicleta não se opõem, regra geral, a nenhum outro meio de transporte, pelo contrário, defendem a inter-modalidade. Haverá quem não tenha dificuldades em subir as (míticas) "colinas" de Lisboa e circule para todo o lado de bicicleta. Porém, o sistema de transportes de Lisboa deverá igualmente contemplar aqueles que optem por outro meio de transporte em determinados trajectos.O que podemos apreender é o seguinte: a escolha do meio de transporte e do trajecto são decisões exclusivamente pessoais e variam consoante as pessoas (idade, sexo, preparação física, etc.) e as zonas da cidade (uma vez que nem toda a cidade são colinas; por exemplo, do Saldanha até Telheiras, Pontinha, Lumiar ou Campolide a cidade é sobretudo plana).4) Perante o acima exposto, parece-me incorrecto pôr em causa o esforço de uma comunidade, que luta por melhor mobilidade e ambiente na cidade ou que simplesmente circula de bicicleta, ao desvalorizar a campanha de um candidato às eleições para a Câmara Municipal de Lisboa. É importante ter em conta que nem todos os ciclistas em Lisboa são socialistas nem votarão no candidato António Costa, mas ao referir-se à opção deste candidato de incentivar o uso de bicicletas em Lisboa, usando expressões como "não faz sentido" ou "teoricamente impossível", o professor, como "opinion-maker", retirou força não só ao candidato mas, sobretudo, a um grupo de pessoas já de si marginalizadas.5) Ainda que lhe pareça "teoricamente impossível" andar de bicicleta em Lisboa, existem pessoas que diariamente põem essa ideia em prática. Como tal, sugiro que procure informar-se melhor sobre o assunto, deixando-lhe algumas sugestões de pesquisa: http://www.fpcub.pt ; http://www.massacriticapt.net/ ; http://bicicletanacidade.blogspot.com/ 6) Caso mantenha a sua opinião após consultar estes sites, gostaria que no seu próximo programa fizesse uma ressalva: andar de bicicleta em Lisboa é uma realidade que, apesar de frágil e em processo de afirmação, não deve ser posta em causa nem confundida com qualquer campanha ou programa político que decida apoiá-la. São realidades diferentes, tal como o tráfego de aviões e a defesa da manutenção do aeroporto da Portela o são.

Agradeço antecipadamente a sua atenção.

Melhores cumprimentos,
Ricardo Sobral
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Sim....Lisboa é uma cidade tramada. Não é fácil subir as suas colinas de bicicleta. Que o digam aqueles rapazes da Marconi, que durante algumas décadas distribuíram telegramas por esta cidade. Que o digam os que durante séculos usaram a carroça, ou o coche, o cavalo, o burro ou a mula...e ainda hoje, aqueles que as tenham que subir a pé. Que raio de sítio que escolheram para instalar uma cidade......

5 comentários:

Miguel Carvalho disse...

A escolha da foto é uma piadinha de muito mau gosto.
Qualquer pessoa que conheça Lisboa sabe que Lisboa não é só Estrela, Bairro Alto e Castelo. Há muitas zonas planas (Avenidas Novas, Campo Pequeno, Campo Grande, Av Roma, Alvalade, Areeiro, Belém, Parque das Nações, Sete Rios, Benfica, Laranjeiras, Luz, Telheiras, Lumiar, Carnide, Avenida 24 Julho, Avenida Infante D. Henrique, Campo de Ourique, Arco do Cego, etc...) e a cidade só teria a ganhar se houvessem menos automóveis e mais bicicletas.

Ricardo Sobral disse...

Gosto muito da foto! Tenho um postal igual no meu quarto.

Só há duas coisas que gostava de dizer, aproveitando o meu direito ao contraditório.
Primeiro, sempre que alguém fala nas "subidas" é como se não existissem...descidas! Experimentem a emoção, pode ser que pegue por aí.
Segundo, a opção de andar de bicicleta é exclusivamente pessoal. A função da Câmara é criar condições para que essa minoria circule em segurança, tal como a "minoria" que circula em cadeiras de rodas, a "minoria" dos invisuais, etc. Pelo menos no meu blogue não se fala em obrigar ou convencer ninguém a optar pela bicicleta, aliás, o blogue está pensado para pessoas já convencidas e que procuram informação útil.

Afinal quero acrescentar um terceiro ponto: tenho que reconhecer e regozijar-me pelo facto de agora, mal ou bem, toda a gente falar das bicicletas em Lisboa. Será o "efeito" António Costa? Se sim agradeço-lhe, como utilizador de bicicleta, pela visibilidade que tem me dado.

Anónimo disse...

Caro MC...nunca consigo escapar à ironia....
e Mr. Sobral....estamos plenamente de acordo.

JA

Anónimo disse...

Apesar de morar na região do Porto, acho que é um dever de cidadania, fazer lembrar e sermos solidários com o bem estar de todos, mesmo das minorias, se poderá neste caso (as pessoas utilizadoras da bicicleta) considerar uma minoria. Talvez o seja por não haver condições de segurança.
Após conhecer esta carta do R.Sobral, tentei enviar e-mail´s ao Professor de protesto com a sua opinião, vieram todos devolvidos durante dois dias.
Desmotivado resolvi partir ppor outro lado e assim aqui está o meu contributo de direito a indignação:
Publiquei um post com o titulo Acerta o passo Zé...no Abrasar:
http://abrasar.blogs.sapo.pt/3696.html

E entretanto abri um tópico no mair Forum de BTT com o título de:
Políticos não acertam o passo em relação à utilidade da bicicleta.
http://www.forumbtt.net/index.php/topic,20221.0.html

Contudo nem todos os exemplos são maus, recebi agora mesmo um e-mail de António d´Orey Capucho
(Presidente da Câmara Municipal de Cascais) que mediante outro problema sobre a circulação em Cascais, se tem esforçado por encontrar soluções de segurança na circulação de ciclistas na marginal de Cascais.

Miguel Carvalho disse...

Oops!
Peço desculpa, pela minha má interpretação! Talvez os blogues devessem ter uma sinalização para posts irónicos.
A comunicação escrita com alguém que se desconhece não é propícia as estas subtilezas.
Julgo que foi na CidadaniaLx (ou n'O Carmo e a Trindade) que há uns meses houve uma resposta muita inflamada de um dos contribuidores exactamente porque... não apanhou a ironia.

Miguel C