11/08/2007

Nos passos de Garrett



“[Foi com Garrett] que nós aprendemos a estimar a beleza, a amar a liberdade, a compreender as artes e a querer o progresso” (Ramalho Ortigão)


Quando se tornou claro que o destino da última casa de Garrett, a Campo de Ourique, estava traçado, foi dito que o importante era a sua obra. Ao dizê-lo, os poderes central e local lavavam daí as suas mãos, como se a obra de um autor pudesse ser desligada da vida e da geografia dos seus passos.

Anos antes, quando se tornou claro que a Casa do Arco da Torre estava em risco de se perder, Garrett fôra igualmente lembrado – passara nela o Verão de 1852 e essa circunstância dava um rosto a essa singular casa de Belém, erguida em finais do século XVIII para residência do governador do Forte do Bom Sucesso. Na mira de projectos de ampliação que o Ippar chumbou, e bem, a casa passaria depois e ainda pelos tratos habituais: derrocada iminente, anúncio de obras coercivas em substituição do proprietário e um súbito e sempre oportuno incêndio. O filme habitual, dado que as casas que importaria preservar têm, entre nós, estranhos poderes: ou caem sozinhas ou entram em auto-combustão. Das ditas obras coercivas anunciadas em 2003 pela autarquia nada mais se veria.

Abrangida pela Zona Especial de Protecção da Torre de Belém e com um processo de classificação autónomo aberto em 1991, a Casa do Arco da Torre está hoje assim (primeira imagem). A dois passos dela, porém, não faltou celeridade às instituições que nos regem: a unidade fabril que existia junto à estação de abastecimento da BP – um lote assaz generoso - foi demolida em dois tempos e em dois tempos se lançaram as fundações de uma nova construção, que neste momento vai a caminho do terceiro piso. And counting. É Lisboa, “capital da reabilitação”.

Os passos de Garrett, esses, vão-se apagando, mas, mais uma vez, imagina-se, “o importante é a sua obra”. Pena que quantos o disseram não tenham percebido o seu alcance - partindo do princípio de que a leram.


Nas imagens: Casa do Arco da Torre na actualidade e como foi possível vê-la ainda nos nossos dias. Créditos da segunda foto: Inventário do Património Arquitectónico da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)


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