27/08/2011

Foi você que pediu uma garagem para coches antigos?


Foi você que pediu uma garagem para coches antigos?

Por António Sérgio Rosa de Carvalho in Público, Sábado 27/08/2011



Belém, espaço simbólico da lusitanidade, é caracterizado de forma única pela luminosidade do Tejo-Oceano, pelo tom pastel do seu edificado vernáculo e erudito e pelo simbolismo da sua vegetação arquetipamente mediterrânica.

Este espaço de identidade foi criado por várias gerações, num processo acumulativo, baseado num consenso de leitura, apreciação e reconhecimento da sua importância. Na Praça Afonso de Albuquerque, a elegância apropriada do estilo "Seize" do Picadeiro Real e a erudição neoclássica dos seus interiores constituem o contexto perfeito para a apreciação da internacionalmente reconhecida colecção de coches.

O êxito do museu ilustra um produto cultural consolidado, com desafios de conservação, mas perfeito no seu conjunto.

Num processo apressado, sem concurso público, decidido por um ministro pouco económico (mais do que três dezenas de milhões) determinado a deixar marca de regime através da afirmação pelo contraste e ruptura, este projecto deixa-nos preocupados.

Acima de tudo porque é um símbolo de um despesismo inconsciente e irresponsável, destruidor de um equilíbrio perfeito já existente e criador de novas despesas num futuro muito incerto de penúria e crise no universo do património cultural e museus.

Além disso, ao o compararmos na mesma zona com o Centro Cultural de Belém, concluimos que o projecto do mesmo revelava preocupações de contextualização arquitectónica com a envolvente, esta já determinada na Exposição do Mundo Português em 1940. Volumetrias sintonizadas com a massa dos Jerónimos, jardins suspensos para usufruto tanto do horizonte natural como simbólico, contextualização cuidada dos materiais, linguagem arquitectónica intemporal, monumentalidade apropriada à gravitas e "tectónica" da zona. Além disso, apresentava um programa de funções e de apropriação do espaço de usufruto quotidiano muito claro na sua relação com a arquitectura.

Ora o novo Museu dos Coches, apesar das suas promessas de valorização urbana e pretendidas garantias de vivência turística (elevação do solo); apesar da sua pretensão de monumentalidade minimalista, capaz de valorizar através da imensidão abstracta e branca a exposição de objectos de "ourivesaria" movíveis (coches), deixa-nos muito apreensivos. Porque, apesar de todos os argumentos, é um projecto formalista, dirigido fundamentalmente à forma e estilo do objecto arquitectónico, ao qual a função tem que se adaptar, afirmando-se este objecto pela ruptura, tanto em forma como em materiais.

Enfim, receita apropriada e aliciante para políticos que desejam deixar marca dinástica de regime, mas altamente preocupante quando falamos do Genius Loci de Belém e das suas características cuidadosamente consolidadas.

O projecto lembra-nos um modelo de garagem com rampas, saído de uma miniatura do nosso quarto de brincadeiras, ou um espaço caricatural de um filme de Jacques Tati.

A imensidão branca e clínica dos seus espaços interiores (salas ou hangares [?] com 130 metros por 20 e oito de altura) vai obrigar ao restauro exaustivo de todos os objectos, expostos agora a um escrutínio detalhado e implacável. Os seus espaços ("praça" e rampas) exteriores correm o risco de confirmarem a sua vocação de "garagem", ou no place vazio, inóspito e sujeito às correntes de ar - enquanto a elegância perfeita e erudita do picadeiro fica condenada à subavaliação e subutilização.

Um projecto desnecessário, como até António Costa reconheceu publicamente. No entanto, a Associação de Arquitectos, tal como no Largo do Rato, veio apoiar publicamente com 200 assinaturas este projecto, apesar de ausência de qualquer concurso.

Continua a ser a associação, tal como os seus estatutos o afirmam, uma instituição de utilidade pública, ou transformou-se descaradamente num clube de interesses corporativos?

Historiador de Arquitectura

7 comentários:

J A disse...

Como de costume gosto do edifício no local errado....

Mas isto pelo menos é uma excelente notícia!?

..."vai obrigar ao restauro exaustivo de todos os objectos, expostos agora a um escrutínio detalhado e implacável."..

Quanto à elevação, é necessária neste local e, esperemos, que nunca venha a ser "insuficiente".

Mas claro...com todos os buracos na "cultura" deste país, facilmente se teriam encontrado dezenas de prioridades mas, o "xixizinho na esquina", foi mais importante para alguns.

Anónimo disse...

E porque não para automóveis? A zona de Belém está sempre cheia de automóveis por todos os lados, por exemplo em frente aos Jerónimos, estacionar para ir ver o Museu dos Coches que existe é praticamente impossível. O destino dessa garagem para coches não se perdia nada que fosse garagem para automóveis mesmo.

Saíu cara? Pois com a procura que há na zona, bem disciplinadinha, as taxas do estacionamento sempre ajudavam a pagá-la.

Anónimo disse...

É preciso termos a coragem de PARAR esta aberração,
que irá prejudicar o principal sector económico do país, o TURISMO.

E os arquitectos portugueses, se ainda querem usar esse nome , devem erguer-se contra este despesismo ( e quantas vezes mais funcionários exigirá ??? ) e ataque à paisagem urbana de Lisboa.
Esta agressão não pode ser comparada ao CCB.

Querem os arquitectos ser os

CARRASCOS DO PATRIMÓNIO ?

Anónimo disse...

Já é a segunda vez que isto é colocado por aqui.

Anónimo disse...

A Ordem dos Arquitectos Portugueses nunca esteve ao serviço da população ou dos seus associados, só serve meia duzia de amigos, uma corja de corruptos e incompetentes.

R.Aleixo disse...

Os duzentos arquitectos subscritores deverão ser os duzentos amigos do Ricardo Back Gordon que, como de costume, demostra a sua excelente rede de contactos (de que lobby falamos nós...???), afirmando-se como o moço das cópias do Paulo Mendes da Rocha, pago porém por valores na casa das centenas de milhares de euros.
É o costume. Quem quiser saber mais bastará procurar a listagem dos honorários praticados pela Parque escolar e nela identificará muitos dos que subscreveram o abaixo assinado que aqui se refere.
favores com favores se pagam e este lobby não sabe negar quaisquer favores entre os seus membros.
Bom proveito para eles, porque cada um não come senão do que gosta.
Pena é que façam o banquete à nossa custa, mas este deverá ser o preço de preservação das minorias.

Anónimo disse...

Pois R.Aleixo, também eu julgava que era o Ricardo Back Gordon mas parece que foi tudo cozinhado para um outro mais jovem arquitecto com "padrinhos" altamente bem colocados e a Mota Engil.
Este é um caso para o Cerejo investigar, ou responsáveis por esta republica das bananas, e já agora levem os dirigentes da OAP que também se envolveram.