11/02/2011

Câmara exige creche a 250 metros da que abandonou


In Público (11/2/2011)
Por José António Cerejo

«Autarquia reclama espaço a um privado e, ao lado, tem um prédio, feito há quatro anos, por um milhão de euros, que nunca ocupou

A norma diz uma coisa, o fundamento diz outra
O caso da sede do BES
Deputados criticam

A Câmara de Lisboa está a exigir a cedência de um espaço de 350 metros quadrados, para instalar uma creche, a uma empresa que pretende erguer um bloco habitacional em Campo de Ourique. O curioso é que, a 250 metros dali, na Rua de Ferreira Borges, 122, a autarquia tem ao abandono, desde há quatro anos, um prédio de cinco andares em que gastou um milhão de euros para fazer um centro de dia para idosos e uma creche que nunca abriram (PÚBLICO, 4 e 27 de Janeiro).

Questionado, a 14 de Janeiro, sobre o sentido da exigência desse espaço a um privado - e com base numa norma que suscita dúvidas -, face à proximidade do edifício da Ferreira Borges, que foi feito para ter um centro de dia e, precisamente, uma creche -, o gabinete do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, respondeu por email, três semanas depois.

"Atendendo à carência de creches, a compensação pelo licenciamento da obra nova na Rua de Silva Carvalho, 142-148, com uma área de cerca de 350 m2, destinar-se-á à instalação de uma unidade de creche" e já não ao centro de dia, como estava previsto um mês antes.

Na mesma resposta acrescentou que, "relativamente ao imóvel da Rua de Ferreira Borges, 122, e às respectivas valências inicialmente previstas, está em curso um processo de reavaliação da situação."

A Teorema, uma empresa de construção civil, submeteu, no ano passado, um pedido de licenciamento de uma obra, a construir na esquina da Rua de Saraiva de Carvalho com a Rua do Sol ao Rato.

O projecto prevê a demolição dos dois edifícios existentes, actualmente devolutos e com uma área total de 1130 m2 de pavimentos, e a sua substituição por um bloco de 2541 m2, com 21 apartamentos e dois pequenos espaços comerciais.

Analisada a proposta - e após várias mudanças de posição com origem na dificuldade de entender uma norma interpretativa [ver texto na página ao lado] do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL) -, os serviços de Urbanismo dirigiram um ofício à Teorema, no início de Janeiro, no qual punham como condição para a aprovação do projecto a cedência ao município de um "espaço construído" de 350 m2, ao nível do piso térreo, para instalação de um centro de dia para idosos, com capacidade para cerca de 50 utentes.


Compensação financeira

A possibilidade de ser exigido um espaço para equipamentos de ensino, saúde ou desporto foi também equacionada, mas foi entendido que a zona (freguesia de Santa Isabel) não tinha carências desse género.

No caso dos equipamentos para a infância, os serviços consideraram que a freguesia também não tinha carências nesse domínio, "atendendo a que se encontra proposto para a sua área de influência a criação de duas novas creches, uma inserida em área do plano de pormenor das Amoreiras e outra localizada na Rua de Ferreira Borges - em fase de conclusão". Esta última é precisamente a que foi construída e nunca abriu no edifício que a câmara tem praticamente pronto e abandonado desde 2006.

Já no que respeita a centros de dia para idosos, os serviços concluíram que, na mesma área, havia falta de duas unidades, sem fazerem qualquer alusão à que também se encontra no prédio da Ferreira Borges.

Foi a partir desta análise das carências e da interpretação que fizeram do RMUEL, que os serviços exigiram à Teorema o espaço para o centro de dia.

Para lá da cedência de 350 m2 para a creche, o que equivale a quase metade dos 711 m2 ocupados pelo piso térreo do empreendimento, a Teorema poderá vir a ter de pagar 183 mil euros como compensação pelo facto de a propriedade não ter características que permitam a cedência de área para espaços verdes.


Empresário contesta

Contactado pelo PÚBLICO, um dos gerentes da empresa, Carlos Antunes, afirmou que "ainda está a analisar a situação", mas que provavelmente vai contestar a exigência da câmara, acrescentando que ainda não foi notificado de que o espaço em causa afinal não se destina ao centro de dia para o qual até já lhe pediram um estudo prévio.

Carlos Antunes salientou que a área reclamada pelo município ronda os 14 por cento da totalidade do empreendimento, o que, "em muitos casos", corresponde a um valor superior ao lucro do promotor. O empresário insistiu, contudo, no facto de ainda não haver uma decisão definitiva da câmara sobre o assunto, estando o processo nos serviços.»

...

Humm.

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