In Jornal de Notícias (1/12/2006)
Gina Pereira, Bruno Simões Castanheira
"Em menos de 24 horas, Ilda Pereira, 42 anos, moradora na Quinta do Lavrado, conseguiu recolher mais de 400 assinaturas, que ontem entregou na Junta de Freguesia de São João. Em causa está a anunciada intenção da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de transformar o gabinete de apoio ao toxicodependente existente no bairro num espaço onde os dependentes poderão injectar-se, com apoio médico. Ex-toxicodependente, seropositiva e mãe de cinco filhos - a mais pequena com dois anos e meio -, Ilda Pereira conhece demasiado bem o mundo da droga. E não o quer de volta ao bairro.
Consumiu desde os 13 anos e, há cinco, com a ajuda da metadona - que todos os dias vai tomar a uma unidade móvel junto à Bela Vista - conseguiu deixar o vício e começar uma vida nova. Admite que o "desmame" não é fácil, mas garante que, com força de vontade e muita ajuda, "toda a gente consegue". O que não aceita é que seja o Estado a arranjar espaços e a alimentar o "negócio da droga". "Eles assim não estão a ajudar ninguém. Estão a empurrá-los para a morte. Aquilo é uma casa da morte", diz, revoltada.
A notícia de que "a câmara quer pôr aqui uma casa de chuto" corre como um rastilho pelos corredores dos prédios amarelos do bairro de realojamento. À porta da creche da Missão Nossa Senhora, um equipamento da Misericórdia de Lisboa, as mães que vão buscar os filhos mostram a sua indignação. "Qual é a lógica de instalar uma coisa dessas ao lado de uma creche?", pergunta Ana Rute Faustino, 26 anos, mãe de duas crianças de 4 e 5 anos, que frequentam a escola. Cristina Silva, membro da associação de pais - que ontem reuniu com a direcção da escola para tomar medidas de força - rejeita a instalação do equipamento no bairro. "Porque é que eles não o põem lá ao pé do Palácio de Belém?", perguntava, explicando que ali todos conhecem demasiado bem o cenário da droga. "Porque é que o Carmona não o põe no bairro dele? É muito chique, não? Aqui é que ele não o põe. O povo junta-se todo...", ameaçavam.
"Havendo isso aqui, os vendedores de droga também vão vir. Vai voltar para aqui a Curraleira", diz Ilda Pereira, que não se esquece do ambiente degradante por onde andou e que lhe levou dois irmãos. "O que é que eles vão fazer depois de sair daqui? Vão querer consumir mais. Vão roubar, vão-se prostituir", vaticina, preocupada com o futuro do bairro.
Odete Vaz, 60 anos, não chegou a tempo de assinar o abaixo-assinado mas também está contra a instalação do equipamento. "Acho mal. Não só por nós mas também pelas crianças. Não há direito de fazer uma coisa destas aqui", diz, sugerindo que, se a intenção da câmara for para a frente, as pessoas deixem de pagar as rendas à Gebalis até que a autarquia volte atrás com a decisão.
A criação destes equipamentos, sem localização definida, está prevista na estratégia municipal de intervenção para as dependências, aprovada anteontem, com os votos do PSD, PS e BE, a abstenção do PCP e o voto contra do CDS-PP.
Benfica teme insegurança
A notícia que de que o Bairro do Charquinho, em Benfica, é uma das hipóteses da Câmara de Lisboa para avançar com uma sala de injecção assistida cruza todas as conversas de quem por ali anda, seja às portas dos prédios, na mercearia ou nos cafés. Se há quem não ache "nem bem nem mal" - porque "sempre é melhor que o façam num sítio com condições, do que no meio da rua, a apanhar doenças e a deixar as seringas pelo chão" - há também quem tenha muito receio do que isso possa significar. "Estamos com medo que eles fiquem por aí e que façam mal às pessoas", confessou, ao JN, uma idosa, que não se quis identificar. A caminho de casa, Emídio Lopes Ribeiro, 75 anos, e António Fernandes, 69, mostram o seu descontentamento. Embora digam que "eles já andam por aí" - e que à noite se juntam nas arcadas entre os prédios, a consumir -, os dois moradores temem que um espaço desse género venha piorar a situação. "É o fim da macacada", disse Emídio Ribeiro, temendo que se dediquem "ao gamanço". Em seu entender, estes espaços podem existir, mas longe de zonas residenciais. Opinião idêntica têm Ana e Paula Pinto, de 10 e 15 anos, que admitem que vão passar a ter receio de andar na rua. "Isso devia ser feito numa mata, num sítio isolado onde não perturbasse ninguém", dizem."
04/12/2006
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